O que é o 'efeito Katz', um dos experimentos sobre pobreza mais importantes da história dos EUA:
A ciência econômica queria entender se as famíliasbaixa renda se beneficiavam ao se mudar para bairros com maior infraestrutura (ou seja, bairros com escolas, parques, bibliotecas e serviçosmaior qualidade).
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O programa começou1994cinco grandes cidades americanas (Boston, Baltimore, Chicago, Nova York e Los Angeles) e incluiu 4.604 famílias alojadasmoradias públicasalguns dos bairros mais pobres do país, onde também havia altas taxasdesemprego e criminalidade.
A ideia era descobrir se ajudar famílias escolhidas aleatoriamente a se mudar para um bairro melhor as beneficiaria financeiramente.
O projeto foi aprovado pelo Congresso após os chamados distúrbiosLos Angeles1992. Naquele ano, houve um grande surtoviolência na cidade, com saques e incêndiosresposta à absolviçãoquatro policiais brancos que espancaram brutalmente Rodney King, um americano negro preso por excessovelocidade.
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Após vários diasprotestos civis, mais50 pessoas morreram, cerca2.300 ficaram feridas e milhares foram presas.
"Sem justiça não há paz", gritavam os manifestantes com um forte sentimentoque a políciaLos Angeles praticava atosbrutalidade racistas contra pessoas negras e hispânicas.
Cerca1.100 edifícios foram afetados, e os danos totais à propriedade totalizaram cercaUS$ 1 bilhão, tornando esses os protestos mais devastadores da história dos Estados Unidos.
"O Congresso sentiu-se um pouco responsável e aprovou um projetolei com algum dinheiro para o experimento nos bairros", disse Katzdeclarações coletadas pelo site do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Segundo a basedados bibliográficos IDEAS (obtida do repositório econômico Research Papers in Economics), Katz ocupa o 67º lugar entre os acadêmicoseconomia mais citadostodos os tempos.
"Isso o coloca entre 0,1% dos melhores pesquisadores", dizem David Autor, do MIT, e David Deming, da Harvard Kennedy School,um artigoagosto2023.
Esse é o contextoque o programa Moving to Opportunity foi lançado.
E, com os seus resultados e subsequentes mudanças promovidas nas políticashabitação a nível federal nos Estados Unidos, chegaria-se ao que é conhecido hoje como "o efeito Katz".
Como foi o experimento?
Famílias foram distribuídas aleatoriamentetrês grupos: a um foi oferecido um voucher para pagar o alugueluma casa com a condiçãoque só poderia ser usado para se mudar para um bairrobaixa pobreza.
O segundo grupo recebeu um voucher para pagar o alugueluma casa que podia ser localizada onde quisessem.
E o terceiro grupo, ocontrole, tinha acesso a um apartamentoproteção oficial situado numa zona desfavorecida, que era o localorigem dos participantes do experimento.
"Por exemplo,Nova York, o grupocontrole permaneceucasas protegidas no Harlem, grande parte dos que receberam o cheque-habitação incondicional se estabeleceram no sul do Bronx,uma área relativamente pobre, mas não tanto quanto o Harlem", explica o economista e professor da UniversidadeWarwick, Manuel Bagues, no blog Nada es gratis ("Nada é grátis",tradução livre).
"E um grande número daqueles que receberam o cheque-habitação condicional mudou-se para uma área residencial na parte norte do Bronx", explica.
Os resultados iniciais do programa foram mistos, com resultados positivos relacionados à saúde dos participantes, à redução da concentração da pobreza e à satisfação com as novas condiçõesmoradia.
No entanto, não foram observados efeitos significativos no empregoadultos ou na educaçãocrianças.
O projeto inicial só analisou o resultado do experimentoadultos.
Faltava, naquele momento, uma análise mais profunda dos dados e um acompanhamento das crianças daquele programa para se chegar a conclusões mais contundentes do que as iniciais.
Melhoriaseducação e renda
Em 2015, Raj Chetty, Nathaniel Hendren, e o próprio Lawrence F. Katz. fizeram uma revisão do estudo original e acompanharam os filhos das famílias que mudarambairro com o programa Moving to Opportunity. E encontraram "melhorias substanciaiseducação e renda".
Os três juntos publicaram o artigo cuja tradução é: "Os efeitos da exposição a melhores bairros nas crianças: novas evidências do experimento Move to Opportunity".
"A evidência inicial, que se referia apenas aos resultados dos adultos no estudo, não foi conclusiva. Mas o trabalhoacompanhamento realizado por Larry Katz, Raj Chetty e outros revelou que as crianças das famílias que se mudaram para bairros com muitas comodidades experimentaram melhorias substanciaiseducação e renda", disse à BBC Mundo o sociólogo David B. Grusky, diretor do CentroPobreza e Desigualdade da UniversidadeStanford, que não participou da pesquisaKatz.
Grusky acredita que o experimento ofereceu a evidência mais convincenteque os bairros são realmente importantes para as crianças.
"Os resultados levaram a mudanças na política do DepartamentoHabitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA para garantir que, quando as famílias obtiverem um voucher, elas realmente utilizem-no para se mudar para bairros com melhor infraestrutura", lembra Grusky.
Já a segunda parte do estudo estabeleceu que quanto menores eram as crianças quando se mudavam, melhor elas se saiam: eram mais propensas a ir para a faculdade e ter um salário melhor.
A pesquisa original não tinha conseguido acompanhar os resultados econômicos das crianças mais novas porque não havia passado tempo suficiente.
"Com o tempo a favor, o [laboratóriopesquisa baseado na UniversidadeHarvard] Opportunity Insights (OI) revisou o estudo MTO2015 com novos dados do censo e registros fiscais para explorar os resultados a longo prazo entre crianças pequenas", explica o centroHarvard dedicado à Desigualdade, liderado por Raj Chetty.
Ao analisar novamente os dados, o OI descobriu que oferecer vouchers para que famílias com crianças pequenas se mudem para bairrosmenor pobreza pode reduzir a persistência intergeracional da pobreza e,última análise, gerar retornos positivos para os contribuintes.
"Essa revisão dos resultados do MTO demonstrou como a avaliação a longo prazo, onde os impactos das políticas se acumulam ao longo do tempo, pode produzir ideias diferentes", dizem eles.
"Se a avaliação do MTO tivesse sido interrompida com as conclusões iniciais, a política teria sido considerada como tendo um impacto limitado, quando,fato, nossa pesquisa mostra como as políticasdesconcentração da pobreza têm um impacto substancial para crianças pequenas que se mudam para áreasmenor pobreza", acrescentam a Opportunity Insights.
Qual foi o impacto?
Para a equipeChetty, fica claro que o experimento teve impactos significativos para os participantes, particularmente nas crianças, sugerindo que o MTO contribuiu para reduzir a desigualdade.
"No entanto, ao observar o panorama mais amplo da mobilidade ascendente nos Estados Unidos, vemos que a probabilidadeas crianças ganharem mais do que seus pais diminuiu nas últimas décadascerca90% para as crianças nascidas na década1940 para 50% para as crianças nascidas na década1980", destaca a equipeChetty.
Portanto, embora o MTO e as pesquisas e políticas subsequentes que inspirou tenham feito progressos no tratamento da desigualdade, há muitos fatores que contribuem para disparidades nos resultados.
Ou seja, não se deve esquecer que a qualidade dos bairros e das escolas, o networking e outros fatores ambientais e institucionais moldam a trajetóriauma criança desde muito cedo.
Tiposdesigualdade
"Há dois tiposdesigualdadejogo nos Estados Unidos. Este país decidiu,primeiro lugar, permitir que as famílias tenham rendimentos extremamente desiguais (ou seja, 'desigualdade dos lares')", diz Grusky.
"E decidimos,segundo lugar, permitir que os bairros sejam incrivelmente diferentes na qualidade dos serviços públicos (por exemplo, escolas, parques, bibliotecas, empregos, redes) que eles fornecem aos seus moradores (ou seja, 'desigualdade espacial')", diz.
Ele acrescenta que, muitas vezes, "esquecemos o quão massivo é esse segundo tipodesigualdade - a espacial - nos Estados Unidos".
"O experimento MTO foi importante porque procurava avaliar os efeitos desse segundo tipodesigualdade [espacial] nas oportunidades oferecidas às crianças. A questão chave aqui é: se eliminássemos esse segundo tipodesigualdade (sem abordar também o primeiro), veríamos uma redução substancial das desigualdadesoportunidades existentes?", aponta.
Para ele, o ponto-chavetodo o experimento é que ele destacou que a ciência econômica e as políticas públicas deveriam avaliar se realmente é preciso dispormecanismos que reduzam as desigualdades nessa segunda forma - espacial.
David Cuberes, professor da UniversidadeClark e consultor do Banco Mundial, do FMI e do Banco InteramericanoDesenvolvimento, acredita que o projeto teve repercussão para além da décadaque foi realizado.
"Primeiro, pela metodologia: a ideia foi selecionar aleatoriamente um grupofamílias pobresbairros pobres e transferi-las para um bairro mais rico. Que seja aleatório é fundamental para que não haja auto-seleção ou seleção com basealgumas variáveis", disse Cuberes à BBC Mundo.
"Se não for feito assim, poderia ser que as famílias pobres mais motivadas fossem as que se mudassem e então não ficaria claro se melhoram por causa da mudançaresidência ou por outros fatores".
Como o programavouchers (auxílio)habitação nos EUA é tão pequeno, os economistas concordam que só tem um efeito trivial sobre a desigualdade.
Para Grusky, "a questão muito importante que ficoujogo é se devemos interpretar os resultados como se indicassem que devemos mudar todas as famíliasbaixa renda para bairros com boa infraestrutura existentes, ou se os interpretamos como se devemos equiparar a infraestruturatodos os bairros (ou seja, eliminar - ou pelo menos reduzir - a desigualdade espacial)", conclui.