Relíquia ou fraude? A história do Santo Sudário, a mortalha que teria envolvido Jesus:slot do galo
Depois da descrição daquilo que pode ser visto logo à frente, o texto prossegue enfatizando que “de acordo com a tradição, este seria o lençol mencionado nos evangelhos que foi usado para envolver o corposlot do galoJesus”. Tudo isso acompanhado por um avisoslot do galoque tal história “não pode ser considerada definitivamente comprovada”.
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Vale ressaltar que,slot do galotodos os textos oficiais dedicados a descrever a imagem do Santo Sudário, é possível observar o cuidadoslot do galoafirmar que a peça estampa “o cadáverslot do galoum homem que morreu após ser torturado e crucificado”, sem nunca fazer a ligação direta a Jesus.
Enfim, se a própria Igreja não reconhece o Sudário como uma verdade absoluta, qual o sentidoslot do galoa peça estar expostaslot do galouma catedral? Em se tratandoslot do galofé, há razões que transcendem a própria razão.
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“É uma fraude? Sim e não. É uma fraude histórica porque crucificados não eram enterrados, então o corposlot do galoJesus jamais conheceu uma mortalha que o envolvesse para ser posteriormente sepultado”, afirma à BBC News Brasil o historiador André Leonardo Chevitarese
Ele é professor do Institutoslot do galoHistória da Universidade Federal do Rioslot do galoJaneiro (UFRJ), autor do livro ‘Jesusslot do galoNazaré: o que a história tem a dizer sobre ele’, entre outros.
“Mas o Santo Sudário se insere numa categoria que são as chamadas relíquiasslot do galosantos ou relacionadas ao próprio Jesus. Se formos associar relíquias como sendo prioritariamente sinônimoslot do galofraudes, ou seja, se retirarmos o elemento fé dessas peças, correríamos o riscoslot do galodizer que fé é sinônimoslot do galofraude. Então a linha me parece muito tênue”, explica ele.
Desta forma, ele entende que o Sudário “é fraude porque crucificados não são enterrados” e “porque essa mortalhaslot do galoTurim não tem qualquer relação com o século 1º”. “Mas, ao mesmo tempo, é uma relíquia, e relíquia envolve o elemento fé”, define.
Em outras palavras, as crenças das pessoas precisam ser respeitadas. E é isso que faz sentidoslot do galouma religião.
Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o historiador, teólogo e filósofo Gerson Leiteslot do galoMoraes tem uma leitura parecida. “Quando se trataslot do galofé eslot do galocrença, há muito pouco do elemento ciência”, diz ele, à BBC News Brasil. “Se a pessoa está disposta a crerslot do galoalgo, aquilo se impõeslot do galotal maneira que, para ela, é difícil acreditarslot do galoalgo diferente.”
Mas Moraes enfatiza que “a própria Igreja reconhece que o Sudário não é legítimo” — a instituição “respeita a tradição popular”.
Na Bíblia
Os quatro evangelhos canônicos — Mateus, Marcos, Lucas e João — descrevem o sepultamentoslot do galoJesus. Os três primeiros mencionam que o corpo foi envolvidoslot do galoum lençol limpo; João diz que “o envolveramslot do galofaixas, com aromas, segundo a maneiraslot do galosepultar dos judeus”.
São essas narrativas que, no entendimentoslot do galomuitos cristãos, justificariam a legitimidade do Sudário.
Para Chevitarese, contudo, esses relatos bíblicos não correspondem à história real. Os crucificados eram deixados na cruz até que seus corpos fossem devorados por animais carniceiros. Não havia sepultamento, nem túmulo. A ideia era não deixar memória.
Ponderações podem ser feitas, é verdade. “No século 1º, faz sentido uma mortalha envolvendo um corpo no sepultamentoslot do galojudeus”, diz Chevitarese, lembrando que sobre essa prática há documentação textual.
Mas isso não ocorria com os pobres. “Esses indivíduos não eram enterradosslot do galocemitérios, não havia uma sepultura abertaslot do galorocha para eles. Simplesmente eram jogadosslot do galouma vala comum e o tempo se encarregavaslot do galofazer seus corpos desaparecerem”, afirma. “Era preciso ser suficientemente abastado para ter uma sepultura.”
E o segundo ponto é justamente o fato históricoslot do galoque crucificados não eram enterrados. “O propósito [de tais execuções] era não deixar memória sobre aqueles indivíduos”, salienta o historiador.
“Ou seja: o uso da mortalha era uma prática naquele contexto, mas o Jesus histórico não foi enterrado porque era pobre e porque foi crucificado”, enfatiza.
Mas isto ainda deixa uma lacuna na história. Se os quatro evangelhos da Bíblia, escritos por seguidoresslot do galoJesus algumas décadas depois da morte dele, mencionam um sepultamento, significa que esses autores acreditavam que Jesus havia sido enterrado? Ou esses trechos foram adulterados posteriormente?
Chevitarese defende a primeira hipótese. E tem a explicação para essa crença. Uma questão importante, aliás, porque reside justamente na transição entre o movimentoslot do galoJesus com ele vivo e o movimento posterior àslot do galomorte, quando começa a se fazer teologia a partirslot do galosua história.
Ocorre que, a partir da segunda metade dos anos 30, os primeiros cristãos passaram a percorrer diferentes gruposslot do galodiversos territórios da região com o objetivoslot do galopropagar as ideias e as palavrasslot do galoJesus.
É quando eles precisaram responder a algumas perguntas. “Alguém quer saber se esse Jesus ainda está vivo. Não, não, ele morreu, é a resposta. E então perguntam como ele morreu e onde ele foi sepultado”, reconstitui o historiador Chevitarese.
O “morreu na cruz” desencadeia um raciocínio naturalmente desfavorável. “Porque eraslot do galose estranhar: se a morte por crucificação era uma pena capital, reservada para pessoas más, estupradores, indivíduos que atentam contra o Estado, escravos revoltosos que assassinavam seus senhores, como eles iam defender um homem que havia sido morto na cruz?”, argumenta.
Então, segundo o historiador, começou a ser criada uma tradição oral que buscava contar o pós-morteslot do galoJesus. Enfatizar que ele era “um homem tão bom” que configuraria exceçãoslot do galotodo esse processo. “É a narrativaslot do galoque Deus acabou ressuscitando-o”, aponta. “E se há ressurreição, é preciso incorporar à narrativa um corpo, um processoslot do galosepultamento.”
Corrobora essa versão o fatoslot do galoqueslot do galodiversos evangelhos que não estão na Bíblia, como o chamado Evangelho Q, que é considerado a fonte para textos depois canonizados, Jesus é tratado como um profeta. “E os caras nem dizem como ele morreu, nem falam sobreslot do galomorte, muito menos ressurreição”, afirma Chevitarese.
Um pano cheioslot do galohistórias
Outro ponto que merece ser revisitado é a história sabida do tecido expostoslot do galoTurim. Neste quesito, vale recorrer a outro especialista, o pesquisadorslot do galoarte Jack Brandão, diretor do Centroslot do galoEstudos Logo-imagéticos Condes-Fotós e editor da revista acadêmica Lumen et Virtus. Brandão lança no próximo dia 5slot do galoagosto, no Museuslot do galoArte Sacraslot do galoSão Paulo, o livro ‘A Saga Desconhecida do Santo Sudárioslot do galoCristo eslot do galosua Igreja’.
Na verdade, trata-se do segundo volume. No primeiro, Brandão buscou explicar como uma mortalha era confeccionada, desde a produção do linho até se transformar no lençol mortuário.
No livro que ele lança agora, cria uma cronologia histórica do paradeiro do tecido ao longo do tempo. E o pulo do gatoslot do galosua teoria é unir dois registros históricos: as primeiras menções do que se sabe ser o hoje chamado Santo Sudárioslot do galoTurim, com as primeiras menções àquilo que acabou conhecido como Mandílio ou Imagemslot do galoEdessa.
Trata-seslot do galouma relíquia que, para o imaginário, guarda semelhanças muito grandes com o Santo Sudário. Mas, ao contrário deste, trazia apenas o retrato facialslot do galoJesus.
Há relatos que indicam a existência dessa imagem já a partir do anoslot do galo384., na cidadeslot do galoEdessa, hoje na Turquia. O historiador Evágrio Escolástico (536-594) menciona o retrato emslot do galoobra História Eclesiástica,slot do galo593.
Ao longo dos séculos, contudo, o Mandílio teria sumido e desaparecido diversas vezes. Acredita-se que no século 10 a imagem tenha sido levada para Constantinopla, onde teria ficado protegidaslot do galoataques dos muçulmanos. Embora não haja comprovação documental, muitos defendem queslot do galo1204, quando a cidade foi saqueada durante a Quarta Cruzada, a Imagemslot do galoEdessa tenha sido levada para a Europa.
Participante dessa cruzada, o cavaleiro francês Robertoslot do galoClari escreveu uma crônicaslot do galoque é claro sobre esse tecido ser o mesmo que envolveu Jesus morto. “Lá estava o Sudárioslot do galoque nosso Senhor foi envolto e que, a cada quinta-feira, é expostoslot do galomodo que todos possam ver a imagemslot do galonosso Senhor nele”, pontuou Clari, que esteveslot do galoConstantinoplaslot do galo1203.
Brandão defende que aí ambas as coisas se cruzam. Ou seja: o Madrílio e o Sudário seriam a mesma coisa.
Ele acredita que Jesus tenha sido envoltoslot do galoum linho, como dizem as narrativas bíblicas e que umslot do galoseus apóstolos tomou o pano e o escondeu. “Provavelmente João, o mais novo dentre eles. E o fatoslot do galoser jovem muitas vezes leva o próprio rompimentoslot do galoalguns preceitos. Não podemos esquecer que, segundo a doutrina judaica, não se podia pegarslot do galoalgo que tocou um morto”, diz o pesquisador, à BBC News Brasil.
A ideiaslot do galoque ele teria levado o tecido até Edessa bate com uma lenda corrente na região, segundo a qual um rei local havia escrito uma carta para o próprio Jesus, com ele vivo, convidando para uma visita porque ele precisava ser curadoslot do galouma doença. Segundo essa história, Jesus teria negado, mas dito que um dia haveriaslot do galoenviar umslot do galoseus seguidores.
De acordo com o pesquisador, as características estéticas do Mandílio são muito semelhantes a do Sudário. E o fatoslot do galoser apenas o rosto e não o corpo inteiro encontraria explicação para os costumes da época.
“Muitos não acreditavam que Jesus houvesse sido homem. Acreditavam que a divindade dominava o homem Jesus. Por isso, muitos [cristãos] ortodoxos não mostravam o próprio corpo inteiro do Sudário. Isso só vai ser revelado posteriormente”, argumenta Brandão.
Há relatos antigos que corroboram essa ideia, ao menos situando o Mandílio como uma peça semelhante ao Sudário — e não um quadradoslot do galopano onde caberia apenas o retrato.
Em texto sobre imagens sagradas escrito pelo monge João Damasceno (675-749), ele descreveu o tecidoslot do galoEdessa como sendo uma faixa compridaslot do galotecido.
Os que defendem o Sudário como sendo o Mandílio então acreditam que a peça tenha ficadoslot do galoposse dos templários por pelo menos um século. Fato é que o Sudário foi registrado como posseslot do galoum nobreslot do galoTroyes, a 160 quilômetrosslot do galoParis,slot do galo1349.
Foi quando começou-se a desconfiarslot do galosua veracidade. Um arcebispo proibiuslot do galoveneração, acusando o tecidoslot do galoser fraude. O tecido tido como sagrado acabou sendo guardado como preciosidade por alguns nobres, até que,slot do galo1453 chegou às mão do duqueslot do galoSavóia, Luís (1413-1465).
A relíquia só chegaria a Turimslot do galo1562, quando o ducadoslot do galoSavóia foi para lá transferido,slot do galoChambéry, hoje França. A posse da preciosidade só passou para a Igreja Católicaslot do galo1983 — ex-rei da Itália, Humberto 2º (1904-1983) legou o Sudárioslot do galotestamento para a Santa Sé.
História da Arte
Mais do que na possível cronologia, Brandão apoia-se na História da arte para acreditar que o Sudárioslot do galoTurim seja legítimo.
“A Igreja não pode afirmar, como nunca afirmou, se é verdadeiro ou não [o Sudário]”, pondera ele. “Ela se eximeslot do galofazer isso por não haver provas textuais, dizendo simplesmente que é um objeto para ser venerado e por meio do qual podemos rememorar a Paixãoslot do galoCristo.”
“A Igreja não vai contra [a devoção]. Ela simplesmente não pode afirmar aquilo que não tem condiçõesslot do galoafirmar”, explica ele. “Há uma possibilidade, nunca uma certeza.”
O ponto mais intrigante é a questão artística. “Pela História da Arte podemos provar a autenticidade do Sudárioslot do galoTurim”, defende Brandão.
Ele recorda que quando foi feito o testeslot do galocarbono 14,slot do galo1988, estabeleceu-se que o lençol eraslot do galoalgum momento entre os séculos 13 e 14, contrariando a históriaslot do galoque teria tocado Jesus.
“Mas partindo desse lapso temporal preciso, temos a História da Arte, que mostra que aquela imagem estampada naquele pano não seria feita por artista algum daquele período”, diz Brandão. “Em hipótese alguma.”
Em primeiro lugar, defende ele, porque na Idade Média o divino jamais seria representadoslot do galomodo cru. “Jesus nunca seria inserido [em uma obra] como um homem nu, aquilo não passaria pelo momento daquele homem medieval, dada a sacralidadeslot do galoCristo”, contextualiza.
"O homem do Sudário, e a gente nunca pode afirmar ser Jesus, por isso digo o homem do Sudário, está completamente nu. É possível ver os testículos, as nádegas…", enumera o pesquisador.
Ele ressalta que os artistas daquele período não “estavam preocupados com a precisão anatômica”, o que ele argumenta que poderia ser comprovado na análiseslot do galotrabalhos artísticos contemporâneos a esses séculos.
Algumas características presentes no Sudário também não são compatíveis com a maneira como o mundo medieval retratava Jesus. Por exemplo, os pregos aparecem nos pulsos, e não nas palmas das mãos. “A arte sacra religiosa sempre representou Jesus com pregos nas palmas”, afirma Brandão. Mas pesquisas históricas posteriores confirmam que as crucificações eram feitas com cravos nos pulsos.
Segundo o pesquisador, a presençaslot do galouma coroaslot do galoespinhos, utilizada como objetoslot do galotortura, também seria uma novidade trazida pelo Sudário.
Testes científicos
Em 1973, o Sudárioslot do galoTurim foi submetido a uma juntaslot do galocientistas e, nas primeiras análises, eles afirmaram que a imagem era formada por gotículasslot do galotinta ocre. Cinco anos mais tarde, um gruposlot do galo40 pesquisadores — dentre os quais apenas um deles não era religioso — tiveram acesso ao tecido por 120 horas, e fizeram diversos tiposslot do galofotografia, radiografia e outros examesslot do galoimagem.
Apenasslot do galo1988 foi feita a datação por carbono-14, chegando a esse período entre os séculos 13 e 14. Para evitar erros, o mesmo teste foi feito por três laboratórios diferentes — e os resultados foram semelhantes.
A partirslot do galoentão, algumas teorias foram apresentadas para tentar desacreditar essa datação. A mais comum é que o tecido tenha sofrido uma biocontaminação, por contaslot do galotantas idas e vindas sem uma proteção adequada.
Outra hipótese aventada por aqueles que defendem a autenticidade do Sudário é que os testes teriam sido realizados a partirslot do galofragmentosslot do galoconsertos a que o tecido foi submetido ao longo dos séculos — sabe-se que o Sudário já sobreviveu a enchentes e pelo menos um grande incêndio, cujas marcas dos remendos são visíveis.
Outro argumento éslot do galoque o mundo medieval não contava com tecnologia para produzir uma fraude dessas.
Isto porque a imagem impressa no Sudário éslot do galodifícil explicação. Cientificamente, se for uma relíquia verdadeira ou, mesmo que não tenha sidoslot do galoJesus, tenha sido uma mortalha que envolveu um cadáver, a mais provável justificativa é que a imagem tenha sido formada pela chamada reação químicaslot do galoMaillard, quando gases libertados por um corposlot do galodecomposição reagem com a celulose presente nas fibrasslot do galoum tecido.
Argumentos históricos costumam refutar a ligação desse tecido com Jesus. Alémslot do galotodas as explicações já apresentadas neste texto, há um outro ponto: o Santo Sudário traz impressõesslot do galoum corpo que foi flagelado, ou seja, teria envolvido um cadáver sujoslot do galosangue.
Como naquele contexto as práticas funerárias incluíam o atoslot do galolimpar e perfumar os mortos, se realmente os relatos bíblicos estiverem certos e Jesus teve direito a um sepultamento digno, eraslot do galose esperar que seus seguidores tenham preparado o corpo.
"Cientificamente, não temos como afirmar que aquilo é legítimo ou não, mas isso pouco importa para aquele que crê", frisa o teólogo Moraes. "Para estes, é uma peça revestidaslot do galosacralidade."