'Dupla excepcionalidade': as crianças com intelecto avançado e dificuldadeaprendizagem ao mesmo tempo:
Mas um dia ela disse para si mesmo: “E se eu me permitir fazer issonovo?”
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Fim do Matérias recomendadas
“Eu fiz e foi maravilhoso”, diz ela com um sorriso.
Nabusca para entender o que estava causando esses comportamentos incomuns, a jovem chilena chegou a suspeitar que poderia ter autismo.
Algum tempo depois, uma avaliação especializada provaria que ela tinha razão: aos 15 anos foi diagnosticada com transtorno do espectro do autismo.
Noah, hoje com 18 anos, tem uma característica que é conhecida como dupla excepcionalidade ou 2e.
Pessoas como ela são chamadas“duplamente excepcionais” porque possuem, ao mesmo tempo, uma habilidade e uma dificuldade fora do comum. É como pertencer a dois grupos.
Mas nem sempre é fácil determinar, por que uma das duas condições pode ofuscar a outra.
Um conceito recente
As altas habilidades como campoestudo têm maiscem anos, mas foi na década1980 que um grupopesquisadores percebeu algo que parecia contraditório:
Havia alguns alunos que, com habilidades intelectuais incríveis, também tinham problemasaprendizado ou uma deficiência.
No entanto, nem todos na comunidade científica ficaram convencidos pela abordagem paradoxal.
“Não se entendia como alguém com altas habilidades também pudesse apresentar uma dificuldade associada”, disse María Leonor Conejeros, professora da FaculdadePedagogia da Pontifícia Universidade CatólicaValparaíso, à BBC News Mundo.
Os alunos duplamente excepcionais são aqueles que “demonstram potencial para alto desempenho ou produtividade criativaum ou mais domínios, como matemática, ciências, tecnologia, artes, artes visuais, espaciais ou performáticas, ououtras áreas da produtividade humana, e que manifestam uma ou mais deficiências.”
Essa definição, que Conejeros e outros autores citam numa publicação sobre dupla excepcionalidade, está inclusa no trabalho das pesquisadoras americanas Sally Reis, Susan Baum e Edith Burke.
“Essas deficiências incluem dificuldades específicasaprendizagem; distúrbiosfala e linguagem; distúrbios emocionais/comportamentais; deficiências físicas; transtornos do espectro do autismo; ou outros problemassaúde, como transtornodéficitatenção/hiperatividade.”
Um espaço
Um grupoespecialistas do ProgramaEstudos e DesenvolvimentoTalentos da Pontifícia Universidade Católica do Chile, PENTA, detectou formalmente o alto desempenho cognitivoNoah.
A definiçãoaltas habilidades mais aceita internacionalmente é aquela oferecida pela National Association for Gifted Children, uma organização americana sem fins lucrativos:
“As altas habilidades são entendidas como 'aquelas que demonstram um excelente nívelaptidão (definida como uma capacidade excepcionalraciocinar e aprender) ou competência (desempenho documentado ou desempenho que os coloca entre os 10% melhores, ou acima,relação ao grupo normativo)um ou mais domínios.”
Os domínios podem ser tão variados como, por exemplo, matemática, linguagem, bem como “habilidades sensório-motoras”, como pintura ou esportes.
Nesse contexto, o conceitodupla excepcionalidade tem gradualmente achado um espaço.
Em 2015, já existiam pesquisasreferência e “um modelo compartilhadonível internacional”, disse à BBC News Mundo Roberto Ranz, diretor acadêmico do MestradoFormação PermanenteAltas Competências e DesenvolvimentoTalentos da Universidade InternacionalLa Rioja.
A complexidade para diagnosticar
Os especialistas concordam que essas crianças podem passar despercebidas.
É complexo identificá-las porque suas altas habilidades podem ser um obstáculo para diagnosticar as dificuldades que possuem.
Luciana Sutovsky, mãeNoah, concorda com essa ideia.
“Em casos como esse,que certas características se manifestam como uma diferença notável, como uma ‘vantagem’ sobre outras, porque te dizem: ‘eles aprendem mais rápido’, ‘eles se saem melhor na escola’, não se suspeita que ao mesmo tempo, pode haver necessidadesapoio muito importantes.”
“E algumas características se sobrepõem a outras, tornando-se difíceisidentificar, algumas mascaram outras.”
As altas capacidades e outras condições podem ter características muito semelhantes, o que torna a fronteira entre elas muito confusa.
“O focoNoah estava tão fortemente emparte cognitiva e emocional, que não conseguimos ver alguns outros traços que nos indicassem que havia outra condição, que no caso dela era o autismo.”
Cópia
"Eu conseguia compensar as minhas necessidades por ajuda com as minhas altas habilidades", se recorda Noah.
Mas ela esclarece que não se tratavainteligência, massua “tendência a analisar tudo demais. Eu observava as interações ao meu redor e as copiava.”
“O sotaque com que falo não é o meu sotaque natural. Quando eu era pequena eu mudava a entonaçãocada palavra. Eu falava como uma dublagem do Discovery Kids. Quando percebi que as pessoas ficavam constantemente comentando sobre meu sotaque e que isso não era normal, comecei a copiar como os outros falavam.”
“No momento não estou fazendo nenhum esforço para olhar para o seu rosto”, ela me diznossa entrevista por videochamada, “para mim isso seria muito cansativo e me distrairia do que estou dizendo.”
“Mas se eu tiver que me concentrarolhar para vocêum esforço para parecer normal, ou porque sou obrigada a fazer isso, algo que muitas escolas pedem, fica difícil.”
“É muito prejudicial porque você aprende que seu estado normalexistência está errado.”
Ranz alerta que o fenômeno oposto também pode ocorrer: “O diagnóstico, por exemplo,autismo ou TranstornoDéficitAtenção e Hiperatividade pode ofuscar a presençaaltas habilidades, já que nem sempre esses alunos se destacamtodas as disciplinas”.
Em alguns casos, diz o psicólogo, não são identificadas as altas habilidades nem a dificuldade específica.
E existe o riscoas crianças nunca receberem apoio para adificuldade ou estímulo adequado para acapacidade.
Latente
O diagnósticoautismoNoah não surpreendeu a mãe dela.
“Quando ela entrou na pré-escola, aos quatro anos, lia e escrevia com fluência, sabia palavrasinglês, masprofessora avaliou seu comportamento como ‘estranho’ e recomendou que fizéssemos um diagnóstico ‘para descartar algum tipoproblema’. como oAsperger”, lembra Sutovsky.
“Nós a levamos a um psiquiatra e isso foi descartado. O que nos disse era que ainteligência muito elevada era notável e que não sentíamos que ela tivesse dificuldadesrelacionamento, mas sim que era uma menina que tinha interesses que correspondiam a pessoas mais velhas."
Depois que ela ingressou no programa PENTA, seus pais concentraram todo o esforço nas altas habilidades da jovem.
Angústia
Noah lembra que “com a detecçãoaltas capacidades muitas coisas fizeram sentido”.
“Mas com o tempo, outras não foram totalmente explicadas e me causaram muito desconforto, como ter sobrecargas sensoriais, dificuldades sociais ou ser uma pessoa extremamente literal, e vi que meus colegas com altas habilidades não necessariamente passavam por isso”.
“Eu me perguntava: por que sou tão sensível? Por que não consigo pararpensar? Por que fico envolvidapensamentos tão complexos e o resto dos meus colegas não se preocupam com essas coisas? Como posso deixarser assim?"
Ficar “presa”alguns assuntos a afetava muito.
“Um autismo muito mascarado”
Se colocar no “contexto” do espectro do autismo foi um processo “muito curativo e restaurador” para Noah, dizmãe.
“Aquela sensação incômodaque havia algo errado com ela era muito prejudicial.”
“Noah sentia inconscientemente o tempo todo a ‘estranheza’ queprofessora (de infância) percebia sobre ela.”
“Não apenas a professora”, Noah interrompe, “mas meus colegasclasse também”.
“Senti uma desconexão constante com eles.”
“As crianças percebem isso. Às vezes digo que aqueles que praticam bullying são melhoresdiagnosticar um autismo muito oculto do que o próprio profissional.”
“A exclusão social, mais do que tudo, foi a forma que o bullying assumiu para mim.”
“Sintonizados”
Segundo Ranz, o desenvolvimento do talentocrianças com dupla excepcionalidade requer uma intervenção e um apoio muito especializado,que trabalhamcolaboração tanto a família, as escolas como os profissionais que cuidam delas.
Isso tem sido fundamental para muitas famílias, como aCarlos Passi, no Chile. A filha dele,13 anos, tem TranstornoDéficitAtenção e Hiperatividade e foi identificada com dupla excepcionalidade.
“Quando nos deram o diagnóstico, nos deram uma bibliografia sobre o tema. Minha esposa sentiu um grande alívio ao saber do que se tratava”, contou à BBC News Mundo.
“Com o diagnóstico podem ser tomadas medidas mais concretas, e há uma melhor articulação entre o psicólogo que a trata e a escola. Isso foi explicado aos professores e eles têm maior flexibilidade, às vezes - se ela estiver muito inquieta - permitem que ela saia para passear no pátio e volte quando se sentir mais calma."
“É como se estivéssemos sintonizados para entender que existem características que tornam tudo mais complexo.”
Na verdade, uma das principais lições sobre a dupla excepcionalidade que a psicóloga Mònica Cortés, coordenadora do GrupoTrabalhoAltas Habilidades do Colégio OficialPsicologia da Catalunha, aprendeu - após anosexperiênciaescolas - é que “um modeloeducação igual não serve para todos.”
“É sempre necessário personalizar as intervenções e focar nas necessidades e na realidadecada aluno”, diz à BBC News Mundo.
Portanto, um bom diagnóstico diferencial é fundamental para que tanto a alta capacidade quanto a dificuldade sejam abordadas.
“E isso é o mais difícil porque as manifestaçõespessoas com dupla excepcionalidade não são as mesmasuma pessoa apenas com altas habilidades, nem são as mesmasuma pessoa que tem, por exemplo, apenas dislexia.”
Entre tonalidades
A complexidade do diagnóstico diferencial faz com que nem sempre haja consenso sobre a dupla excepcionalidade.
Há quem dentro da comunidade científica “que continue a insistir,2023, que não existe dupla excepcionalidade”, alertou Katia Sandoval, professora da FaculdadePedagogia da Pontifícia Universidade CatólicaValparaíso.
“Acho que precisamosmuita pesquisa, indo mais fundo para ter mais evidências. Muitos dos estudos que realizamos são qualitativos porque, como não existem estatísticas, uma prevalência clara, nos encontramos fazendo muitos estudoscaso”, disse à BBC News Mundo.
Para ela, é fundamental entender que dentro da condição as pessoas não são homogêneas, não existe um padrão, e ela cita “a metáfora do verde”Susan Baum, autora e professora especializadadupla excepcionalidade:
“Verde é a combinaçãoamarelo e azul. Amarelo é a pessoa com AC (alta capacidade) que, ao mesmo tempo, apresenta azul, o que é - dependendo da nomenclatura utilizada - um transtorno, uma necessidadeapoio...
Da combinação das duas condições aparece um verde, mas é um verde dentrouma infinidadetons porque não existe apenas um e haverá diasque o contexto determinará que você, sendo verde, pareça mais amarelo e nem tanto azul.
Mitos
Para pesquisadores como Ranz, o reconhecimento da dupla excepcionalidade refletiu uma mudançaparadigma,que “a visão reducionista das altas capacidades como um elevado quocienteinteligência (QI),130 ou superior”, foi desafiada.
“Foi como desmascarar um mito.”
“Se avaliarmos os alunos com dupla excepcionalidade na perspectiva psicométrica do QI, descobrimos que, namaioria, não ultrapassam 130.”
“Isso acontece porque os testes que implementamos para medir apenas o QI produzem uma pontuação resumida, que incorpora diferentes classificações das habilidades desses alunos.”
“Duas delas são a velocidadeprocessamento ou a memóriatrabalho e nesses alunos, devido àdeficiência, estão muito alteradas ou baixas e isso significa que, embora possam se destacarfatores específicosinteligência, como raciocínio lógico, habilidade numérica, verbal compreensão, o QI deles não é 130 ou superior”, afirmou o psicólogo.
"Não mudaria quem sou"
Patricia, que está na Espanha, contou à BBC News Mundo que a filha se tornouprincipal motivação para fazer o mestradoAltas Habilidades na Universidade InternacionalLa Rioja.
O seu trabalho final foi intitulado: “Duas Vezes Excepcional”.
“A conclusão que tirei desse trabalho, e a minha experiência pessoal a corrobora, é que devemos nos concentrar nos pontos fortes, nos interesses e nos talentos das crianças, tendoconta as suas deficiências e necessidades.”
“É preciso focar no que realmente as motiva porque é aí que elas vão se desenvolver bem tanto social quanto emocionalmente, já que o principal problema que vemos é a ansiedade.”
“Se estão bem a nível social e emocional, todo o seu talento surge, o desenvolvem com entusiasmo, com ilusão.”
Sutovsky e um grupopais criaram a FundaçãoAltas Capacidades do Chile,que apoiam outras famílias.
“Conviver com pessoas duplamente excepcionais é uma maravilha, é uma descoberta constante, elas te abrem para outra experiênciavida. É um desafio, elas são curiosas, sensíveis, perspicazes, há muita inocência, muita honestidade”, afirmou Sutovsky.
Noah confessa que não mudaria quem é porque encontra forças no jeito que é, embora nem sempre tenha sido assim:
“Consegui me apaixonar novamente por certas coisas sobre mim que antes me envergonhavam muito.”