ApolônioTiana, o 'Jesus pagão' a quem se atribuíam milagres e que era considerado divino e imortal:

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Legenda da foto, ApolônioTiana,ilustraçãoJohann TheodorBry (1561-1623)

Ao final davida na Terra, ele ascendeu ao céu, mas regressou para mostrar aos fiéis que continuava vivendo no reino celestial.

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Estamos falandoApolônio, descendenteuma rica e antiga família da cidade gregaTiana, na Capadócia – hoje, Kemer Hisar, na Turquia.

Muito do que se conta sobre ele se parece com o relatado sobre Jesus Cristo, que foi seu contemporâneo. Tanto que se discutiu, durante séculos, qual história tomou emprestados detalhes da outra, sem que se chegasse a um consenso.

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Não é incomum observar que os credos sejam inspirados uns pelos outros e tomem emprestados alguns elementos e até divindades, particularmente naquela época e naqueles locais, onde conviviam diferentes cultos e proliferavam figuras como Jesus e Apolônio.

O mais relevante neste caso talvez seja que essas similaridades foram usadas para traçar comparações entre ambos,um momentoque o Cristianismo cresciatamanho e poder, antecedendo seu domínio iminente.

Apolônio foi apresentado como uma alternativa a Jesus para as pessoas que receavam a extinção das crenças antigas e para impedir o avanço do Cristianismo.

O filósofo neoplatônico Porfírio, naobra Adversus Christianos ("Contra os Cristãos",tradução livre), questionou a divindadeJesus Cristo e garantiu que os feitosApolônio eram similares.

Posteriormente, o filósofo e governador da Bitínia (hoje, parte da Turquia) Sosiano Hiérocles apresentou Apolônio como provaque os cristãos não deveriam reivindicar a divindadeCristo com base nos seus milagres.

Em consequência dos debates entre cristãos e pagãos, a lendaApolônio recuperoupopularidade dois séculos depois damorte, segundo o escritor e filósofo Keven Brown.

"O culto no temploEsculápioEgas, onde Apolônio serviu como curadorcorpos e almas, começou a florescer novamente (da mesma forma que muitos outros templos construídos emhomenagem), até que o imperador Constantino ordenoudestruição331 d.C.", conta Brown.

Mas esta não seria a última vezque Apolônio seria motivocontrovérsia. Na verdade, ele causa polêmica até hoje.

Mas o que sabemos sobre Apolônio?

'Inspiradouma história real'

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Legenda da foto, ApolônioTiana ensina aos seus discípulos

Para falar a verdade, não sabemos muito.

A única fonte que chegou até nós e traz um relato completo davida é a biografia A VidaApolônioTiana, escrita pelo filósofo sofista grego FilóstratoAtenas.

A imperatriz síria Júlia Domna, esposaSeptímio Severo, foi responsável por encomendar a obra no ano 217 d.C. Ela foi completada238 d.C.

Filóstrato afirma que escreveu com base no material recolhidocidades e santuários dedicados a Apolônio, bem como sobre o que havia sido escrito sobre ele – como um livro sobre ajuventude, do filósofo MáximoTiro – e um conjuntocartas escritas pelo próprio Apolônio.

"Mas obtive minhas informações mais detalhadasum... homem chamado Damis que... se tornou discípuloApolônio e deixou um relato das viagens do seu mestre, afirmando tê-lo acompanhado, bem como um relatosuas passagens, discursos e previsões...", escreveu Filóstrato.

Especialistas colocaramdúvida grande parte do texto do filósofo, incluindo a existênciaDamis, que alguns acreditam que tenha sido inventada pelo autor.

Mas o consenso é que Apolônio existiu, já que outros escritores da Antiguidade também o mencionam. E, embora não sejam muitos, eles incluem o respeitado historiador romano Dion Cássio, contemporâneoFilóstrato.

A questão é que A VidaApolônioTiana parece um romance que, se fosse publicado hoje, receberia a conhecida observação "inspiradouma história real".

A narraçãoFilóstrato é entrelaçada com lendas, como aque, quando a mãeApolônio estava grávida, apareceu a ela um ser divino.

"Ela não se assustou, mas perguntou como seria o filho que iria ter", relata o autor. "E ele respondeu: 'como eu próprio'. 'E quem é você?', perguntou ela. 'Proteu, o deus do Egito'."

Filóstrato conta que "as pessoas do país afirmam que, no exato instante do nascimento, um raio pareceu cair sobre a terra e, depois, elevar-se no ar e desaparecer no alto; e acredito que os deuses tenham indicado com isso a grande distinção a ser alcançada pelo sábio".

Mas o autor se esforça para retratar Apolônio como um erudito, mais do que como um deus. Ele podia fazer o que outros mortais não conseguiam, segundo Filóstrato, devido ao "conhecimento que Deus revela aos sábios".

Depoisrelatar um dos seus milagres mais famosos – a ressuscitação, no dia do enterro,uma meninauma importante família romana que havia morrido durante seu casamento –, Filóstrato comenta:

"Se ele detectou nela alguma faíscavida, que os que dela cuidavam não haviam notado – pois se afirma que, embora chovesse naquele momento, um vapor subia do seu rosto – ou se realmente a vida havia se extinguido e ele a restaurou com o calor do seu tato é um misterioso problema que nem eu, nem os presentes, conseguimos resolver."

Sábio errante

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Legenda da foto, ApolônioTiana,gravura do livro Os Mistérios da Ciência,Louis Figuier (1887)

Agora que conhecemos a origem dos detalhes conhecidos da vidaApolônio, podemos retomar o relato quando ele tinha 16 anos e decidiu viver sob as rígidas regras da escola pitagórica.

Como fizeram outros defensores da filosofia neopitagórica, ele deixou crescer os cabelos e a barba.

Apolônio não tomava vinho nem comia carne, já que condenava o sacrifícioanimais, particularmente como oferenda aos deuses, como destaca o orientalista britânico Frederick Cornwallis Conybeare (1856-1924), que traduziu A VidaApolônioTiana para o inglês.

Por isso, ele não usava sapatoscouro e vestia apenas roupaslinho, já que para ele era impuro que a peleum animal morto ficassecontato com uma pessoa.

Apolônio defenda uma vida simples e ascética como a que ele levava. Ele também defendia a castidade.

Ele acreditavaum Deus supremo, a quem se poderia chegar por meio da razão e da meditação, não com rezas, rituais ou sacrifícios. Mas aceitava todos os credos como diversas expressõesuma religião universal.

Alémmístico, Apolônio era matemático e cientista, que aprovava a ideiaque a Terra gira ao redor do Sol. Ele foi um filósofo politicamente ativo e lutou contra a tirania.

Segundo Filóstrato, ele sabia todos os idiomas sem nunca tê-los aprendido, conhecia os pensamentos mais íntimos das pessoas que ficavamsilêncio e compreendia a linguagem dos pássaros e dos animais.

Apolônio também tinha o poderprever o futuro – não porque fosse feiticeiro, como diziam algumas pessoas. Seu biógrafo refuta esta acusação.

O motivo, segundo Filóstrato, foi"verdadeira sabedoria, que praticou como homem sábio e sensato" – da mesma forma que Sócrates e Anaxágoras, que também "sabiam das coisas antecipadamente".

Todas essas faculdades permitiam a Apolônio não só curar enfermos, mas também liberar cidades inteiraspragas. Estes feitos eram interpretados como milagrosos, mas o biógrafo garante que eram consequências do seu conhecimento científico.

Quando foi à cidadeEgas, Apolônio se instalou no temploEsculápio. Ele adquiriu rapidamente a reputaçãosantidade,forma que os doentes recorriam a ele, pedindo que os curasse.

Quando ficou maioridade, Apolônio entregou seu patrimônio aos seus parentes e se propôs a passar cinco anoscompleto silêncio, atravessando a Ásia Menor sem nunca abrir a boca.

O votosilêncio destacou ainda maisreputaçãosantidade. Sua simples apariçãocena era suficiente para silenciar o ruído das facçõesguerra na Cilícia e na Panfília (regiões que, hoje, ficam na Turquia), segundo conta Conybeare.

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Legenda da foto, ApolônioTiana,ilustração do livro A Ordem dos Inspirati (1659)

Apolônio viajou muito. Na Índia, aprendeu com os brâmanes. No Egito, conheceu os gimnosofistas, ou filósofos nus.

Ele manteve longas conversasAlexandria com o imperador Vespasiano – e também com seu sucessor Tito, pouco depois do ataque e capturaJerusalém.

Em Roma, Apolônio provocou a iraNero. Seu ministro Tigelino, a quem o imperador havia concedido "o poder da vida e da morte", começou a espioná-lo, suspeitando que Apolônio "ridicularizasse o governo".

Ele se salvou graças a um eclipse acompanhadoum trovão e uma clarividência: "haverá um grande acontecimento e não haverá".

Inicialmente, ninguém compreendeu o significado das palavrasApolônio. Mas se soube, três dias depois, que Nero estava comendo durante o eclipse, quando "um raio caiu sobre a mesa e partiudois o copo que ele tinha nas mãos perto dos lábios".

Para o imperador, escapar da morte por tão pouco deu sentido às palavrasApolônio: "Um grande acontecimento deveria acontecer, mas não deveria acontecer."

Depois que soube do ocorrido, Tigelino começou a temer Apolônio como um sábioassuntos sobrenaturais. Ele sentiu que seria melhor não apresentar acusações contra ele.

Mas Apolônio não teve a mesma sorte depois da morteTito. Ele foi preso pelo imperador Domiciano, acusadoincentivar rebeliões.

Filóstrato parece ter reconstituído a cena do julgamento com cuidado, mas seu final é mágico: Apolônio se desvaneceu do tribunal "de forma divina e inexplicável".

O historiador EusébioCesareia narra o episódio no seu Tratado Contra a VidaApolônioTiana:

"... foi levado a julgamento perante o imperador Domiciano e lemos que foi absolvido das acusações e, depoisabsolvido, com curiosa impertinência, na minha opinião, gritou no tribunal exatamente o seguinte:

'Dê-me também, se quiser, a oportunidadefalar; mas, caso contrário, envie alguém para tomar meu corpo, porque minha alma não pode ser tomada. Não, você não pode sequer tomar meu corpo, porque não me matará, já que afirmo que não sou mortal.'

Em seguida, depois desta famosa declaração, somos informados que ele desapareceu do tribunal."

Os detalhes davida após o julgamento são vagos, mas, segundo Filóstrato, ele viveu por mais100 anos e conservou seu vigor e forma até o fim, com um aspecto ainda mais agradável do que najuventude.

A tradição popular conta que, ao morrer, ele subiu corporeamente ao céu, acompanhadoum inesperado cantovozesdonzelas.