Os vírus fundamentais na evolução humana:apk betnacional
Pode ser algo surpreendente para um réptil, que normalmente coloca ovos com cascas endurecidas. Mas a verdadeira revelação veio 16 anos depois, quando Ramírez-Pinilla associou-se ao geneticista Thierry Heidmann, do Instituto Gustave Roussyapk betnacionalParis, na França, e seus colegas.
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Fim do Matérias recomendadas
Eles descobriram que os lagartos têm um gene essencial para a formação da placenta – e que esse gene veioapk betnacionalum vírus.
Em algum momento nos últimos 25 milhõesapk betnacionalanos, os ancestrais dos lagartos foram infectados por um vírus que incorporou parte do seu próprio DNA ao genoma dos répteis. Mas,apk betnacionalvezapk betnacionalserem prejudicados, os lagartos,apk betnacionalalguma forma, cooptaram o DNA viral e o utilizaram para desenvolver suas primeiras placentas.
Graças ao vírus, os lagartos evoluíram para formar um novo órgão.
“A aquisição genômica coincidiu com a mudança dos lagartos,apk betnacionalnão placentários, para placentários”, segundo Heidmann.
Mas o incomum sobre esta história é que ela não é nada incomum. Cercaapk betnacional10% do genoma humano vêm dos vírus – e o DNA viral desempenhou papel fundamental na nossa evolução.
Parte dele é a fonte da placenta dos mamíferos. Outras partes estão envolvidas na nossa reação imunológica contra doenças e na formaçãoapk betnacionalnovos genes. Sem os vírus, os seres humanos não poderiam ter evoluído.
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Os vírus são tão simples que muitos biólogos não os consideram totalmente vivos.
Cada vírus é essencialmente um pacote microscópicoapk betnacionalmaterial genético. Eles só podem reproduzir-se infectando células vivas – os vírus subvertem a maquinaria celular para fazer cópiasapk betnacionalsi mesmos. E, ao fazê-lo, frequentemente deixam seus hospedeiros doentes.
Os vírus que inserem seu próprio material genético no genoma do hospedeiro são chamados retrovírus. Sua natureza foi compreendida pela primeira vez nos anos 1960 e 1970, mas alguns deles foram isolados décadas antes.
Depoisapk betnacionaluma sugestão,apk betnacional1964,apk betnacionalque alguns vírus podem copiar seu próprio material genético no DNA dos seus hospedeiros, pesquisadores identificaram DNAapk betnacionalorigem viral nos genomasapk betnacionalgalinhas.
Apesarapk betnacionalserem um grupo grande e diversoapk betnacionalvírus, são conhecidos atualmente apenas quatro retrovírus que infectam seres humanos.
Todos eles foram descobertos nos anos 1980: o vírus linfotrópico da célula T humana (HTLV-1), que causa uma formaapk betnacionalcâncer, e o vírus relacionado HTLV-2; e os vírus da imunodeficiência humana (HIV) do tipo 1 e 2, que causam a Aids.
Um retrovírus que infecta uma célula dos pulmões ou da peleapk betnacionalalguém pode ser uma má notícia para aquela pessoa, mas as suas consequências para a evolução da nossa espécie são limitadas, já que esse DNA não é transmitido para a geração seguinte.
Ocorre que, às vezes, um retrovírus entra na linha germinal – as células que geram óvulos e espermatozoides,apk betnacionalonde o DNA viral pode ser transmitido para as gerações seguintes.
Estes pedaçosapk betnacionalDNA viral são chamados retrovírus endógenos (ERVs, na siglaapk betnacionalinglês). São esses pedaços herdadosapk betnacionalDNA viral que podem alterar o curso da evolução.
ERVsapk betnacionaltoda parte
A imensa escalaapk betnacionalERVs humanos foi revelada quando foi publicada a primeira versão do genoma humano,apk betnacional2001.
“Resultou que havia uma enorme quantidadeapk betnacionalsequências virais”, segundo Heidmann. Cercaapk betnacional8% do genoma humano consistemapk betnacionalERVs. E alguns deles são muito antigos.
Um estudo identificouapk betnacional2013 um ERV no cromossomo humano 17 que tem pelo menos 104 milhõesapk betnacionalanosapk betnacionalidade e, provavelmente, é ainda mais velho. Ou seja, ele é o resultadoapk betnacionalum vírus que infectou um mamífero na eraapk betnacionalque os dinossauros dominavam a Terra.
O ERV só é encontradoapk betnacionalmamíferos placentários,apk betnacionalforma que pode ter sido integrado pouco depois que os mamíferos placentários se separaram dos seus primos marsupiais.
Os ERVs também não se restringem aos mamíferos e répteis. “Todos os vertebrados possuem retrovírus endógenos”, segundo a virologista molecular Nicole Grandi, da Universidadeapk betnacionalCagliari, na Itália.
A maioria dos ERVs humanos não é exclusiva da nossa espécie, podendo também ser encontradaapk betnacionalpelo menos alguns outros primatas, como os chimpanzés.
Isso indica que eles entraram nos genomas dos primatas milhõesapk betnacionalanos atrás, muito antes da evolução da nossa espécie, e que nós os herdamos dos nossos ancestrais.
Curiosamente, não há evidênciaapk betnacionalque novos ERVs tenham entrado no genoma humano nos últimos milharesapk betnacionalanos. Os únicos retrovírus que a nossa espécie precisa enfrentar atualmente são o HTLV e o HIV, segundo Grandi, e nenhum deles foi encontrado infectando células da linha germinal.
“Atualmente, não encontramos endogenização ativaapk betnacionalseres humanos”, afirma Grandi – o que é muito diferenteapk betnacionaloutras espécies.
Os coalas, por exemplo, são invadidos atualmente pelo retrovírus do coala (KoRV), cujo DNA é encontradoapk betnacionalalgumas populaçõesapk betnacionalcoalas e nãoapk betnacionaloutras. Por isso, os geneticistas dos coalas podem observar uma “invasão genômicaapk betnacionaltempo real”.
A origem da placenta
Originalmente, acreditava-se que os ERVs humanos fossem “sequências fósseis” inativas ou parte do “DNA lixo” do genoma. Mas ocorre que, da mesma forma que ocorre com grande parte do suposto DNA lixo, muitos ERVs humanos são ativos.
Os ERVs mais estudados do genoma humano são os chamados HERV-W, descritos pela primeira vezapk betnacional1999. Eles codificam proteínas chamadas sincitinas, que são encontradas na placenta. Da mesma forma que os lagartos Mabuya, esses genes virais são essenciais para a formação da placenta.
A relação entre os vírus e a placenta faz sentido quando você considera a verdadeira função das sincitinas. Estas proteínas têm a capacidadeapk betnacionalfundir duas ou mais célulasapk betnacionaluma.
Quando eram proteínas virais, os vírus as usavam para fundir-se com a membrana externaapk betnacionaluma célula e, desta forma, infectá-la. Esta capacidadeapk betnacionalfusão foi cooptada pela placenta. Ao fundir células da mãe e do embrião, a placenta consegue transferir nutrientes para o embrião e extrair resíduos.
E não são apenas os seres humanos. Proteínasapk betnacionalsincitina similares são encontradasapk betnacionaloutros primatas, como os gorilas.
Estudos mais recentes demonstraram que os retrovírus infectaram mamíferos repetidamente ao longo da história evolutiva. Por isso, diferentes gruposapk betnacionalmamíferos, muitas vezes, possuem sincitinas diferentes, derivadasapk betnacionaldiferentes retrovírus.
“Nossa hipótese é que, na verdade, houve uma capturaapk betnacionalERV inicial 150 milhõesapk betnacionalanos atrás, que gerou o surgimentoapk betnacionalmamíferos com placenta”, afirma Heidmann. E, desde então, infecções repetidas parecem ter sobrescrito aquele ERV original,apk betnacionalforma que ele não pode ser encontradoapk betnacionalnenhum mamífero vivo.
O estudo com lagartos Mabuya foi importante porque demonstrou que os lagartos somente desenvolveram placenta depoisapk betnacionaladquirir,apk betnacionalprimeiro lugar, o ERV do vírus, o que sugere que o mesmo aconteceu no ancestralapk betnacionaltodos os mamíferos com placenta.
“Ele forneceu a demonstração da ligação entre o surgimento da placenta e a obtenção da sincitina”, explica Heidmann.
A história das sincitinas e da placenta é um dos exemplos mais dramáticos da influência do DNA viral sobre a evolução. Ela é particularmente importante porque um gene viral completo sobreviveu no genoma humano e codifica uma proteína.
Muitos outros ERVs não codificam proteínas, mas ainda têm suas funções. Alguns contribuem com as células-tronco – as células com múltiplos propósitos encontradas nos embriõesapk betnacionaldesenvolvimento. E algumas células-tronco são pluripotentes, ou seja, elas podem desenvolver-seapk betnacionalqualquer tipoapk betnacionalcélula no corpo, desde neurônios até fibras musculares.
A famíliaapk betnacionalretrovírus chamada HERV-H é essencial para a pluripotência. Mas eles não codificam as proteínas. Na verdade, as sequências HERV-H são copiadasapk betnacionalmoléculas chamadas RNAs, que mantêm as células pluripotentes.
“Se elas forem suprimidas, a morfologia celular se altera e ela perde a capacidadeapk betnacionalmanter seu estado não diferenciado”, afirma a virologista Christine Kozak, do Instituto Nacionalapk betnacionalAlergia e Doenças Infecciosasapk betnacionalBethesda, no Estado norte-americanoapk betnacionalMaryland.
Outros ERVs regulam a atividade dos genes e, portanto, controlam processos do corpo. Os nossos corpos utilizam, por exemplo, uma enzima chamada amilase para decompor carboidratos nos nossos alimentos, como amido.
“Nós temos amilase no pâncreas e, na boca, temos amilase na saliva”, afirma Grandi. O gene da amilase é ativado nas glândulas salivares por uma sequênciaapk betnacionalDNA chamada promotora – que vemapk betnacionalum ERV.
Os vírus que nos mantêm saudáveis
Muitos cientistas estão interessados no papel dos ERVs na saúde e nas doenças – o que não surpreende, já que eles vêm dos vírus.
Um desses exemplos foi descritoapk betnacional2022, por pesquisadores liderados pelo biólogo molecular e geneticista Cédric Feschotte, da Universidade Cornellapk betnacionalIthaca, Nova York, nos Estados Unidos. A equipe tentava encontrar um casoapk betnacionalseres humanosapk betnacionalum fenômeno já bem conhecidoapk betnacionaloutros animais.
Às vezes, os genesapk betnacionalERV codificam proteínas que podem ser cooptadas pelo sistema imunológico e utilizadas para combater outros vírus. Os vírus alvo podem apresentar relação próxima com o vírus que gerou inicialmente o ERV ou ter relação apenas distante.
Feschotte afirma que as proteínas antiviraisapk betnacionalERVs foram estudadasapk betnacionalcamundongos, galinhas e gatos. “Mas,apk betnacionalmeu conhecimento, não havia exemplos no genoma humano”, segundo ele.
A equipe analisou os ERVs conhecidos no genoma humano e identificou centenasapk betnacionalsequências que poderiam codificar proteínas antivirais. Em seguida, eles se concentraramapk betnacionalum gene chamado Suppressyn, que codifica uma proteína similar às que compõem os outros envelopesapk betnacionalvírus.
A proteína Suppressyn bloqueia a entrada dos retrovírus nas células, pois ela se liga a receptores sobre a membrana celular externa que os próprios vírus usariam para entrar na célula. Feschotte compara com a inserçãoapk betnacionaluma chave quebradaapk betnacionaluma fechadura, para evitar que outras pessoas destravem a porta.
Suppressyn é principalmente encontrada na placenta e nos embriõesapk betnacionaldesenvolvimento, o que indica que era originalmente utilizada para evitar que os retrovírus infectassem embriões, que possuem sistemas imunológicos muito fracos.
“Ela protege a linha germinal e não o organismo como um todo”, explica Feschotte. Mas ele acredita que os ERVs provavelmente fazem muito mais no nosso sistema imunológico.
“Temos 1,5 mil candidatos”, segundo ele. “São muitos genes.”
Embora muitos geneticistas ainda pensemapk betnacionalERVs como inertes ou anômalos, isso não é verdade. “Eles estãoapk betnacionaldecomposição, mas ainda produzem RNA e muitas proteínas”, afirma Feschotte. “Precisamos dar uma boa olhada neles.”
E o quadro ainda estáapk betnacionaldesenvolvimento. Um estudo publicadoapk betnacionalabrilapk betnacional2023 concluiu que alguns ERVs ajudam o sistema imunológico a combater células cancerosas.
Os ERVs nos deixam doentes?
Embora eles possam nos proteger contra doenças, não seria surpreendente se alguns ERVs também pudessem ser responsáveis por produzir efeitos negativos à saúdeapk betnacionalseres humanos.
“Existe realmente muito interesse no momento pela possibilidadeapk betnacionalque os ERVs humanos possam ser associados a doenças”, afirma Christine Kozak. “No momento, existem muitas evidências sugestivas, mas nenhuma prova concreta.”
Para Cédric Feschotte, é fundamental descobrir exatamente o que fazem os ERVs, o que nem sempre entendemos corretamente.
“Desde que os retrovírus endógenos foram descobertos, as pessoas vêm tentando relacioná-los ao câncer”, ele conta. Isso ocorre porque os primeiros ERVs descobertosapk betnacionalanimais eram causadoresapk betnacionalcâncer.
Financiadores “despejaram toneladasapk betnacionaldinheiro” na pesquisa dos ERVs, na esperançaapk betnacionaldescobrir os mecanismos do câncer e, com isso, possíveis tratamentos. “Muitas pessoas voltaramapk betnacionalmãos vazias.”
O ponto principal é que os ERVs humanos não são capazesapk betnacionalformar vírus que pudessem infectar outras células.
“Em camundongos, existem muitos e, nas galinhas, existem muitos”, afirma Feschotte. “Eles causam todo tipoapk betnacionaldoença.” Mas os ERVs humanos estão sujeitos a níveisapk betnacionalcontrole muito maiores pelo resto do genoma,apk betnacionalforma que eles não causam infecções virais.
“É muito mais sutil e, provavelmente, envolve a regulação ou desregulação genética, eu acho”, segundo Feschotte.
Como os ERVs são distribuídosapk betnacionalforma muito ampla no genoma humano, eles podem coordenar as atividadesapk betnacionaldiversos genes que são separados por imensas sequências. Muitos processos do corpo precisam que os genes sejam ligados e desligadosapk betnacionalsequências precisas e os ERVs desempenham um grande papel nesse controle.
“Agora, estamos revisitando o papel dessas coisasapk betnacionaldoenças, mas por meioapk betnacionalmecanismos diferentes”, explica ele.
O papel dos ERVsapk betnacionaldoenças, por enquanto, é um mistério. Mas o que sabemos ao certo é que eles são um motor da evolução.
Mosaico humano
Ao inserir novos pedaçosapk betnacionalDNA ao longo do nosso genoma, os vírus estimularam incontáveis mudanças da nossa composição genética.
Quando os ERVs estão no lugar, eles podem acionar a duplicação ou exclusãoapk betnacionaltrechosapk betnacionalDNA e, se as mudanças forem benéficas, eles se espalham. Nenhum animal existiria naapk betnacionalforma atual sem eles, incluindo os seres humanos.
A lição final é que os seres humanos são,apk betnacionalfato, um mosaicoapk betnacionalespécies. Muitosapk betnacionalnós temos parte do DNA, cercaapk betnacional2% do nosso genoma,apk betnacionalneandertais. Algumas populações também têm DNAapk betnacionaloutro grupo extintoapk betnacionalhominídeos, os denisovanos. E todos nós carregamos 8% do nosso genoma provenientesapk betnacionalvírus.
“Se você pensar no nosso catálogo genético humano, é quase uma questão existencial”, afirma Feschotte. Afinal, cercaapk betnacional20 mil genes codificadoresapk betnacionalproteínas são conhecidos e uma quantidade comparável do nosso DNA vemapk betnacionalvírus. “É meio que estonteante.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.