O mistério do 'genoma obscuro' que compõe 98% do nosso DNA:esportebet preaposta
E, com maisesportebet preaposta200 tipos diferentesesportebet preapostacélulas no corpo humano, parecia fazer sentido que cada uma delas precisasse dos seus próprios genes para realizar suas funções necessárias.
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Acreditava-se que o surgimentoesportebet preapostaconjuntos exclusivosesportebet preapostaproteínas fosse vital na evolução da nossa espécie e dos nossos poderes cognitivos. Afinal, somos a única espécie capazesportebet preapostasequenciar o nosso próprio genoma.
Mas o que descobrimos é que menosesportebet preaposta2% dos três bilhõesesportebet preapostaletras do genoma humano são dedicados às proteínas. Apenas cercaesportebet preaposta20 mil genes codificadoresesportebet preapostaproteínas foram encontrados nas longas linhasesportebet preapostamoléculas que compõem nossas sequênciasesportebet preapostaDNA.
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Os geneticistas ficaram assombrados ao descobrir que os númerosesportebet preapostagenes produtoresesportebet preapostaproteínas dos seres humanos são similares a algumas das criaturas mais simples do planeta. As minhocas, por exemplo, têm cercaesportebet preaposta20 mil desses genes, enquanto as moscas-das-frutas têm cercaesportebet preaposta13 mil.
Foi assim que, do dia para a noite, o mundo científico passou a enfrentar uma verdade bastante incômoda: grande parte do nosso entendimento sobre o que nos torna seres humanos talvez estivesse errada.
"Eu me lembro da incrível surpresa", afirma o biólogo molecular Samir Ounzain, principal executivo da companhia suíça Haya Therapeutics. A empresa procura utilizar nosso conhecimento sobre a genética humana para desenvolver novos tratamentos para doenças cardiovasculares, câncer e outras enfermidades crônicas.
"Aquele foi o momentoesportebet preapostaque as pessoas começaram a se perguntar ‘será que temos um conceito errado do que é a biologia?'"
Os 98% restantes do nosso DNA ficaram conhecidos como matéria escura, ou o genoma obscuro – uma enorme e misteriosa quantidadeesportebet preapostaletras sem propósito ou significado óbvio.
Inicialmente, alguns geneticistas sugeriram que o genoma obscuro fosse simplesmente DNA lixo, uma espécieesportebet preapostadepósitoesportebet preapostaresíduos da evolução humana. Seriam os restosesportebet preapostagenes partidos que deixaramesportebet preapostaser relevantes há muito tempo.
Mas, para outros, sempre ficou claro que o genoma obscuro seria fundamental para nosso entendimento da humanidade.
"A evolução não tem absolutamente nenhuma tolerância com o lixo", afirma Kári Stefánsson, o principal executivo da empresa islandesa deCODE Genetics, que sequenciou mais genomas inteiros do que qualquer outra instituiçãoesportebet preapostatodo o mundo.
Para ele, "deve haver uma razão evolutiva para manter o tamanho do genoma".
Duas décadas se passaram e, agora, temos os primeiros indícios da função do genoma obscuro. Aparentemente,esportebet preapostafunção primária é regular o processoesportebet preapostadecodificação, ou expressão, dos genes produtoresesportebet preapostaproteínas.
O genoma obscuro ajuda a controlar o comportamento dos nossos genesesportebet preapostaresposta às pressões ambientais enfrentadas pelo nosso corpo ao longo da vida, que vão desde a alimentação até o estresse, a poluição, os exercícios e a quantidadeesportebet preapostasono. Este campo é conhecido como epigenética.
Ounzain afirma que gostaesportebet preapostapensar nas proteínas como o hardware que compõe a vida. Já o genoma obscuro é o software, que processa e reage às informações externas.
Por isso, quanto mais aprendemos sobre o genoma obscuro, mais compreendemos a complexidade humana e como nos tornamos quem somos hoje.
"Se você pensaresportebet preapostanós enquanto espécie, somos mestres da adaptação ao ambienteesportebet preapostatodos os níveis", afirma Ounzain. "E essa adaptação é o processamento das informações."
"Quando você retorna à questão sobre o que nos faz ser diferentesesportebet preapostauma mosca ouesportebet preapostauma minhoca, percebemos cada vez mais que as respostas estão no genoma obscuro", segundo ele.
Os transposons e o nosso passado evolutivo
Quando os cientistas começaram a examinar o livro da vida,esportebet preapostameados dos anos 2000, uma das maiores dificuldades foi o fatoesportebet preapostaque as regiões não codificadorasesportebet preapostaproteínas do genoma humano pareciam estar repletasesportebet preapostasequênciasesportebet preapostaDNA repetidas, conhecidas como transposons.
Essas sequências repetitivas eram tão onipresentes que compreendiam cerca da metade do genomaesportebet preapostatodos os mamíferos vivos.
"A própria compilação do primeiro genoma humano foi mais problemática devido à presença dessas sequências repetitivas", afirma Jef Boeke, diretor do centro médico acadêmico chamado Projeto Matéria Escura da Universidade Langoneesportebet preapostaNova York, nos Estados Unidos.
"Analisar simplesmente qualquer tipoesportebet preapostasequência é muito mais fácil quando se trataesportebet preapostauma sequência exclusiva."
Inicialmente, os transposons foram ignorados pelos geneticistas. A maior parte dos estudos genéticos preferiu concentrar-se puramente no exoma – a pequena região codificadoraesportebet preapostaproteínas do genoma.
Mas, ao longo da última década, o desenvolvimentoesportebet preapostatecnologias mais sofisticadasesportebet preapostasequenciamentoesportebet preapostaDNA permitiu aos geneticistas estudar o genoma obscuro com mais detalhes.
Em um desses experimentos, os pesquisadores excluíram um fragmento específicoesportebet preapostatransposonesportebet preapostacamundongos, o que fez com que a metade dos filhotes dos animais morresse antes do nascimento. O resultado demonstra que algumas sequênciasesportebet preapostatransposons podem ser fundamentais para a nossa sobrevivência.
Talvez a melhor explicação sobre o motivo da existência dos transposons no nosso genoma possa ser o fatoesportebet preapostaque eles são extremamente antigos e datam das primeiras formasesportebet preapostavida, segundo Boeke.
Outros cientistas sugeriram que eles provêmesportebet preapostavírus que invadiram o nosso DNA ao longo da história humana, antesesportebet preapostareceberem gradualmente novas funções no corpo para que tivessem algum propósito útil.
"Na maioria das vezes, os transposons são patógenos que nos infectam e podem infectar células da linha germinal, [que são] o tipoesportebet preapostacélulas que transmitimos para a geração seguinte", afirma Dirk Hockemeyer, professor assistenteesportebet preapostabiologia celular da Universidade da Califórniaesportebet preapostaBerkeley, nos Estados Unidos.
"Eles podem então ser herdados e gerar integração estável ao genoma", segundo ele.
Boeke descreve o genoma obscuro como um registro fóssil vivoesportebet preapostaalterações fundamentais no nosso DNA que ocorreram há muito tempo, na história antiga.
Uma das características mais fascinantes dos transposons é que eles podem se moveresportebet preapostauma parte do genoma para outra – um tipoesportebet preapostacomportamento que gerou seu nome – criando ou revertendo mutações nos genes, às vezes com consequências extraordinárias.
O movimentoesportebet preapostaum transposon para um gene diferente pode ter sido responsável, por exemplo, pela perda da cauda na grande família dos primatas, fazendo com que a nossa espécie desenvolvesse a capacidadeesportebet preapostaandar ereta.
"Aqui você tem esse evento único que teve enorme efeito sobre a evolução, gerando toda uma linhagemesportebet preapostagrandes primatas, incluindo a nós", segundo Boeke.
Mas, da mesma forma que nossa crescente compreensão sobre o genoma obscuro explica cada vez mais sobre a evolução, ela pode também esclarecer o motivo do surgimento das doenças.
Ounzain ressalta que, se olharmos para os estudosesportebet preapostaassociação genômica ampla (GWAS, na siglaesportebet preapostainglês), que pesquisam as variações genéticas entre grandes quantidadesesportebet preapostapessoas para identificar quais delas são relacionadas a doenças, a grande maioria das variações ligadas a doenças crônicas, como o malesportebet preapostaAlzheimer, diabete e doenças cardíacas, não está nas regiõesesportebet preapostacodificaçãoesportebet preapostaproteínas, mas sim no genoma obscuro.
O genoma obscuro e as doenças
A ilhaesportebet preapostaPanay, nas Filipinas, é mais conhecida pelas suas cintilantes areias brancas e pelo fluxo regularesportebet preapostaturistas. Mas este local idílico esconde um segredo trágico.
Panay abriga o maior númeroesportebet preapostacasos existentes no mundoesportebet preapostaum distúrbio dos movimentos incurável, chamado distonia-parkinsonismo ligado ao X (XDP, na siglaesportebet preapostainglês).
Como no malesportebet preapostaParkinson, as pessoas com XDP desenvolvem uma sérieesportebet preapostasintomas que afetamesportebet preapostacapacidadeesportebet preapostaandar e reagir rapidamente a diversas situações.
Desde a descoberta do XDP nos anos 1970, a doença só foi diagnosticadaesportebet preapostapessoasesportebet preapostaascendência filipina. Este fato permaneceu um mistério por muito tempo, até que os geneticistas descobriram que todos esses indivíduos possuem a mesma variante exclusivaesportebet preapostaum gene chamado TAF1.
O início dos sintomas parece ser causado por um transposon no meio do gene, que é capazesportebet preapostaregularesportebet preapostafunçãoesportebet preapostaforma a causar prejuízo ao corpo ao longo do tempo. Acredita-se que esta variante genética tenha surgido pela primeira vez cercaesportebet preapostadois mil anos atrás, antesesportebet preapostaser transmitida e se estabelecer na população.
"O gene TAF1 é um gene essencial, ou seja, ele é necessário para o crescimento e a multiplicaçãoesportebet preapostatodos os tiposesportebet preapostacélulas", afirma Boeke.
"Quando você ajustaesportebet preapostaexpressão, você tem esse defeito muito específico, que se manifesta como uma horrível formaesportebet preapostaparkinsonismo."
Este é um exemplo simplesesportebet preapostacomo algumas sequênciasesportebet preapostaDNA do genoma obscuro podem controlar a funçãoesportebet preapostadiversos genes, seja ativando ou reprimindo a transformaçãoesportebet preapostainformações genéticasesportebet preapostaproteínas,esportebet preapostaresposta a indicações recebidas do ambiente.
O genoma escuro também fornece instruções para a formaçãoesportebet preapostadiversos tiposesportebet preapostamoléculas, conhecidas como RNAs não codificantes. Eles podem desempenhar diversos papéis, desde ajudar a fabricar algumas proteínas, bloquear a produçãoesportebet preapostaoutras ou ajudar a regular a atividade genética.
"Os RNAs produzidos pelo genoma obscuro agem como os maestros da orquestra, conduzindo como o seu DNA reage ao ambiente", explica Ounzain. E estes RNAs não codificantes, agora, são cada vez mais considerados a ligação entre o genoma obscuro e diversas doenças crônicas.
A ideia é que, se fornecermos sistematicamente os sinais errados para o genoma obscuro com o nosso estiloesportebet preapostavida – por exemplo, com o fumo, má alimentação e inatividade –, as moléculasesportebet preapostaRNA produzidas por ele podem fazer com que o corpo entreesportebet preapostaum estadoesportebet preapostadoença, alterando a atividade genética,esportebet preapostaforma a aumentar as inflamações do corpo ou promover a morte celular.
Acredita-se que certos RNAs não codificantes podem desligar ou aumentar a atividadeesportebet preapostaum gene chamado p53, que age normalmente para evitar a formaçãoesportebet preapostatumores.
Em doenças complexas, como a esquizofrenia e a depressão, todo um conjuntoesportebet preapostaRNAs não codificantes pode agiresportebet preapostasincronia para reduzir ou aumentar a expressãoesportebet preapostacertos genes.
Mas o nosso reconhecimento cada vez maior da importância do genoma obscuro já está trazendo novos métodosesportebet preapostatratamento dessas doenças.
A indústriaesportebet preapostadesenvolvimentoesportebet preapostaremédios costuma se concentrar nas proteínas, mas algumas empresas estão percebendo que pode ser mais eficaz tentar interromper os RNAs não codificantes, que controlam os genes encarregados desses processos.
No campo das vacinas contra o câncer, por exemplo, as empresas realizam sequenciamentoesportebet preapostaDNAesportebet preapostaamostrasesportebet preapostatumores dos pacientes para tentar identificar um alvo adequado a ser atacado pelo sistema imunológico. E a maioria dos métodos concentra-se apenas nas regiões codificantesesportebet preapostaproteínas do genoma.
Mas a empresa alemãesportebet preapostabiotecnologia CureVac é pioneiraesportebet preapostaum métodoesportebet preapostaanálise das regiões não codificantesesportebet preapostaproteínas, na esperançaesportebet preapostaencontrar um alvo que possa interromper o câncer na fonte.
Já a empresaesportebet preapostaOunzain, a Haya Therapeutics, atualmente está realizando um programaesportebet preapostadesenvolvimentoesportebet preapostadrogas dirigido a uma sérieesportebet preapostaRNAs não codificantes que dirigem a formaçãoesportebet preapostatecidosesportebet preapostacicatrização, ou fibrose, no coração – um processo que pode causar insuficiência cardíaca.
Uma das esperanças é que este método possa minimizar os efeitos colaterais decorrentesesportebet preapostamuitos remédiosesportebet preapostauso comum.
"O problema quando medicamos as proteínas é que existem apenas cercaesportebet preaposta20 mil delas no corpo e a maioria é expressaesportebet preapostamuitas células e processos diferentes, que não têm relação com a doença", afirma Ounzain.
"Mas a atividade do genoma obscuro é extraordinariamente específica. Existem RNAs não codificantes que regulam a fibrose apenas no coração,esportebet preapostaforma que, ao medicá-los, temos um remédio potencialmente muito seguro", explica ele.
O desconhecido
Paralelamente, parte desse entusiasmo precisa ser atenuada pelo fatoesportebet preapostaque,esportebet preapostatermosesportebet preapostacompreensão do funcionamento do genoma obscuro, apenas acabamosesportebet preapostaarranhar a superfície.
Sabemos muito pouco sobre o que os geneticistas descrevem como regras básicas: como essas sequências não codificantesesportebet preapostaproteínas comunicam-se para regular a atividade genética? E como exatamente essas teias complexasesportebet preapostainterações se manifestam por longos períodosesportebet preapostatempo até se tornarem traçosesportebet preapostadoenças, como a neurodegeneração observada no malesportebet preapostaAlzheimer?
"Estamos ainda no começo", afirma Dirk Hockemeyer. "Os próximos 15 a 20 anos ainda serão assim – [iremos] identificar comportamentos específicosesportebet preapostacélulas que podem gerar doenças e,esportebet preapostaseguida, tentar identificar as partes do genoma obscuro que podem estar envolvidas na modificação desses comportamentos. Mas, agora, temos ferramentas para nos aprofundar nisso, algo que antes não tínhamos."
Uma dessas ferramentas é a edição genética.
Jef Boeke eesportebet preapostaequipe estão atualmente tentando aprender mais sobre a formaesportebet preapostadesenvolvimento dos sintomasesportebet preapostaXDP, reproduzindo a inserçãoesportebet preapostatransposons genéticos TAF1esportebet preapostacamundongos.
No futuro, uma versão mais ambiciosa deste projeto poderá tentar compreender como as sequênciasesportebet preapostaDNA não codificantesesportebet preapostaproteínas regulam os genes, construindo blocosesportebet preapostaDNA sintético a partir do zero, para transplanteesportebet preapostacélulasesportebet preapostacamundongos.
"Estamos agora envolvidosesportebet preapostapelo menos dois projetos, usando um enorme pedaçoesportebet preapostaDNA que não faz nada e tentando instalar nele todos esses elementos", afirma Boeke.
"Colocamos um gene ali, uma sequência não codificanteesportebet preapostafrente a ele e outra mais distante, para ver como esse gene se comporta", explica ele. "Agora, temos todas as ferramentas para realmente construir pedaços do genoma obscuroesportebet preapostabaixo para cima e tentar entendê-lo."
Hockemeyer prevê que, quanto mais aprendermos, mais surpresas inesperadas o livro genético da vida continuará a nos apresentar, da mesma forma que ocorreu quando o primeiro genoma foi sequenciado, 20 anos atrás.
Para ele, "as questões são muitas. O nosso genoma ainda está evoluindo ao longo do tempo? Conseguiremos decodificá-lo totalmente?"
"Ainda estamos nesse espaço escuroesportebet preapostaaberto que estamos explorando e existem muitas descobertas realmente fantásticas à nossa espera."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.