Qual distância é segura para uma torre eólica? O embatePernambuco sobre impactos da 'energia limpa':
Embora existam projetosleioutros Estados, Pernambuco saiu na frente e tem mobilizado empresas e movimentos sociais sobre a discussão.
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Para licenciar um empreendimento, os Estados seguem uma norma do Conselho NacionalMeio Ambiente (Conama)2014 que determina um distanciamento400 metros entre torres e casas.
Mas especialistas no assunto acreditam ser necessária uma nova regulamentação, sob o argumentoque a anterior foi escritaum períodoque os impactos ambientais e sociais da produçãoenergia eólica eram pouco conhecidos por se trataruma nova tecnologia ainda não avaliada a longo prazo.
Em 10abril, a tensão aumentouPernambuco quando um grupoagricultoresseis comunidadesCaetés, município no Agreste e localnascimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ocupou a sala onde ocorria uma reunião com representantes do governo estadual eempresasenergia.
A principal reclamação é sobre o barulho produzido pelos aerogeradores — máquinas com mais120 metrosaltura, e 50comprimento. O ruído ininterrupto, dizem os agricultores, tem gerado problemasaudição e prejudicado a saúde mental da população.
Em abril do ano passado, a BBC News Brasil visitou a zona ruralCaetés. Os moradores, alguns com torres a cerca150 metrossuas casas, relataram uma sérieimpactos que, segundo eles, são causados pela proximidade com dois parques instalados na região na última década.
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Além da piora da saúde mental, o que levou a um aumento do usoansiolíticos, alguns desses trabalhadores contam ter deixado suas casas por não conseguir mais conviver com o barulho constante.
A minuta do decreto elaborado pelo governoPernambuco, à qual a BBC News Brasil teve acesso, estipula um distanciamento mínimo500 metros.
A proposta é rechaçada por agricultores e movimentos sociais, que defendem uma distânciapelo menos um quilômetro.
"A proposta500 metros é um absurdo. Quando você está pertoum parque eólico, não é apenas uma torre que faz barulho, são dezenas, centenas. Cria-se uma onda sonora muito maior, que afeta a vida das pessoas, dentro e foracasa", diz João do Vale, ativista da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e diretor do documentário Vento Agreste, sobre o impacto do setorCaetés.
"Esse barulho deixa as pessoas doentes, está expulsando os agricultoressuas casas."
Por outro lado, o governo pernambucano argumenta que 500 metros ainda não é o valor definitivo e que pode exigir um distanciamento maior a depender do projeto - a empresa terádemonstrar que não causará prejuízos aos moradores.
Distância mínima
A discussão sobre a distância mínima entre aerogeradores e residências também está sendo travadaoutros paísesum momentoque a transição energética é apontada como uma das soluções para frear as mudanças climáticas. O problema é que não há consenso sobre qual é distância ideal.
A Polônia, por exemplo, estabeleceu um limite400 metros, e a França,700.
No ano retrasado, após uma sérieprotestos, o ConselhoEstado da Holanda, mais alto conselho administrativo do país, suspendeu a construçãoum parque eólico e solicitou mais estudos sobre possíveis consequências no meio ambiente e na saúde mental das pessoas que vivem a cerca600 metrosonde as torres seriam instaladas.
Também na Holanda, alguns pesquisadores afirmaram que os ruídos não causam problemassaúde mental, mas, logo depois, outro grupocientistas contestou essa conclusão, afirmando que há muitos indíciosprejuízos à saúde, alémapontar que a pesquisa inicial havia sido bancada por empresasenergia eólica.
Por ora, o decreto do governoPernambuco não apresenta justificativa técnica para estipular o limite mínimo500 metros,acordo com a minuta.
Segundo JoséAnchieta dos Santos, presidente da Agência PernambucanaMeio Ambiente, conhecida pela sigla CPRH e responsável por comandar as reuniões, esse valor ainda "não está fechado". Ele diz que "500 metros foram só para começar a discussão."
"O empreendedor teráprovar, durante a faselicenciamento ambiental, que o barulho das torres não vai prejudicar os moradores do entorno como vem acontecendo hojealguns parques", diz Santos.
"Se tiver que ser um ou dois quilômetros, nós é quem vamos aprovar a partir desses estudos."
Por outro lado, a ABEEólica, associação que representa o setor, acredita que "delimitar uma distância específica não necessariamente vai resolver a questão do ruído nas casas vizinhas aos aerogeradores."
"É preciso um estudo préviocada terreno. O ideal é definir essa distância caso a caso por conta das peculiaridadescada terreno e região, alémser um cálculo multifatorialdireção e velocidade dos ventos, topografia, características da vegetação, rugosidade do solo, incidência solar. Para algumas regiões essa distância pode ser inferior a 500 metros e, para outras, superior", diz a ABEEólica,nota.
Efeitoborda
Mas não é só o barulho o que está sendo discutidoPernambuco.
Embora a produçãoenergia eólica e solar — chamadas"energia verde e limpa" por empresas, governos e imprensa — causem menos impactos ambientais do que hidrelétricas e termelétricas, estudos científicos mostram que esses impactos são relevantes.
Um levantamento da plataforma MapBiomas, que usa imagenssatélites para monitorar as transformações no uso do solo, apontou que 4 mil hectares da Caatinga foram desmatados2022 para dar lugar à infraestruturaproduçãoenergia solar e eólica, como estradas, parques e linhastransmissão.
No total, cerca140 mil hectares do bioma foram desmatados naquele ano, ficando atrás apenas da Amazônia (1,1 milhão hectares) e do Cerrado (659 mil), segundo o MapBiomas.
A Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, abriga mais11 mil tiposplantas e cerca1,3 mil espéciesanimais, principalmente no semiárido nordestino.
Para o biólogo Gabriel Faria, que estuda o impacto ambiental do setorseu mestrado na Universidade FederalPernambuco (UFPE), o tipodesmatamento para dar lugar às renováveis causa o que os ambientalistas chamam"efeitoborda".
"Quando a mata é cortada ao meio, seja para colocar uma torre, uma estrada ou uma linhatransmissão, você acaba limitando e comprometendo processos biológicos do bioma", explica.
"Isso afeta o desenvolvimento e sobrevivência da flora e da fauna. É como se você cortasse uma célula ao meio: o impacto não ocorre só no pontocorte, mastodo o sistema que ficouvolta."
Um dos exemplos desse problema ocorreuuma áreaCaatinga conhecida como "Boqueirão da Onça", na Bahia, conforme mostrou uma reportagem da BBC News Brasil2020.
A instalaçãoparques eólicos na ÁreaProteção Ambiental (APA) do Boqueirão limitou o espaço para onças-pardas e pintadas caçarem suas presas naturaismeio à vegetação, segundo um monitoramento feito por pesquisadores.
O resultado disso é que os grandes felinos — raros na Caatinga — começaram a atacar animaispequenos agricultores locais, que, para defender seus rebanhos, muitas vezes matavam as onças que se aproximavam das comunidades, ameaçando a sobrevivência das duas espécies na região.
Faria acredita que o "efeitoborda" pode acontecer no Parque Nacional do Catimbau, reserva ambientalCaatinga62 mil hectares na cidadeBuíque, no sertãoPernambuco.
Um parque eólico com centenastorres deve ser instalado nas "zonasamortecimento" do parque, áreas que oficialmente não estão dentro dos limites da reserva, mas que ainda sustentam vegetação nativa e que servem como uma espécie"corredor natural" para a fauna, como grandes felinos e aves.
"Também é uma área com aldeias indígenas reconhecidas, mas ainda não demarcadas pelo Estado. As lideranças estão muito preocupadas com os efeitos dos parques na vida das pessoas e também no meio ambiente", diz o biólogo Gabriel Faria.
"Há muita pressão para que esse modeloprodução seja aceito pelas comunidades. A emergência climática, um problema que o mundo deve enfrentar, acabou virando um grande negócio que está transformando o Nordeste brasileiroum campoexperiências."
A ABEEólica argumenta que a produçãoenergia a partir da força do vento "é uma das fontesmenor impacto socioambiental" e que "as empresas associadas trabalham para mitigar tais impactos."
"É importante ressaltar o impacto positivo não só para o país e o avanço da transição energética, mas para os municípios e comunidades das áreas que recebem os parques. Dentre eles, podemos citar os impactos diretos e indiretos dos investimentosenergia eólica para o PIB (Produto Interno Bruto), sendo que cada R$ 1 investido num parque eólico tem impactoR$ 2,9 sobre o PIB", diz a associação.
Recentemente, a associação lançou um GuiaBoas Práticas Socioambientais, que "apresenta, a partirações bem-sucedidas já implementadas, como empreendedores podem trabalharprojetosenergia eólica no Brasilforma respeitosa, transparente e harmoniosa com a sociedade e o meio-ambiente", diz.
Relatórios simplificados
Na regulamentaçãocursoPernambuco, as empresas têm se posicionado a favoruma flexibilização dos licenciamentos ambientais necessários para a aprovaçãoseus parques. A ideia é deixar os estudos sobre impactos mais simples e rápidos.
Para licenciar um empreendimento com "degradação ambiental significativa", os governos estaduais costumam exigir das empresas um documento conhecido como "Eia-Rima" (sigla para estudo e relatórioimpacto ambiental).
As empresas pedem que,casoparques menores, seja exigido apenas o chamado Relatório Ambiental Simplificado (RAS), que, como o próprio nome diz, é menos detalhado sobre os impactos que um empreendimento pode causar.
"Um pequeno empreendimento necessitar elaborar um Eia-Rima tem o condãotornar inviável o desenvolvimentoum projeto", escreveu a Associação PernambucanaEnergias Renováveis,nota técnica enviada à Assembleia Legislativa do Estado.
A ABEEólica, que representa empresastodo o país, também é a favor da flexibilização.
"A flexibilidade é algo necessário, especialmente com uma tecnologia nova. É preciso diálogo entre as partes interessadas e decisões com base técnica e científica caso exista a necessidademudar regraslicenciamento", disse a entidade,nota.
O decreto pernambucano estipula ser obrigatório o RAS até para empreendimentos enquadrados como"médio impacto".
Mas, para JoséAnchieta dos Santos, da agênciameio ambiente do Estado, isso não é um problema.
"Nós vamos avaliar caso a caso e, se for necessário, vamos pedir o Eia-Rima também, e a empresa terá que fazer", explica.
Discurso sustentável
A revelação dos impactos até então ignorados da energia eólica levou a Secretaria-Geral da Presidência da República a criar um grupotrabalho, formado por pesquisadores e servidores, que está visitando comunidades do Nordeste para ouvir a população do entorno desses parques.
O objetivo, diz a pasta, é produzir um relatório a ser enviado a órgãos do governo que atuamquestões relativas à produção energética, saúde e meio ambiente, como o Ibama e os ministérios da Saúde, Minas e Energia e do Meio Ambiente. E que futuramente esse material possa subsidiar uma regulamentação federal sobre o tema.
Atualmente há um projetolei tramitando no Congresso, mas ele diz respeito apenas à energia eólica offshore, instaladaalto mar.
O grupo já visitou Caetés e Borborema, na Paraíba, cidade cuja população tem resistido à instalaçãoparques eólicos.
"As comunidades não são contrárias à energia renovável, mas sim à forma como ela é instalada", diz Marcelo Fragozo, secretário nacionaldiálogos sociais e articulaçãopolíticas públicas do governo Lula.
"Com a ausênciaregulamentação, há uma preocupação grandeque esse modelo se espalhe e crie ainda mais problemas."
Para Fábio Tomaz, coordenadorprojetos da Secretaria-geral da Presidência, a legislação brasileira não acompanhou a evolução tecnológica nem a importância que as energias renováveis ganharam nos últimos anos.
"O desafio é que essa produção seja economicamente justa e ambientalmente sustentável, para que isso não fique apenas no campo do discurso", diz.