'Minha mãe matou o meu pai com um martelo, mas eu quero que ela seja libertada':
Sally foi presa e condenada2011 à prisão perpétua pela morte do marido.
Agora, porém, seus advogados utilizarão uma nova lei britânica, que reconhece a manipulação psicológica (ou "controle coercitivo") como uma formaabuso doméstico, para tentar libertar Sally,uma audiência judicial prevista para fevereiro. E seu filho David saiuapoio da mãe, defendendoliberdade e afirmando que ela havia sofrido anosabuso por parte do pai.
Se a estratégia dos advogados for bem-sucedida, será histórica e pode abrir precedentes na Justiça do Reino Unido.
Violência psicológica
Assim como a violência físicaum relacionamento foi reconhecido pela Justiça britânica como um fator atenuante no casohomicídios, os advogadosSally alegam que o abuso psicológico que teria sido imposto a ela por Richard deve servir como defesa.
As circunstâncias do assassinato dão, segundo eles, uma dimensão do controle que Richard exercia sobre a mulher.
No próspero subúrbioClaygate, região inglesaSurrey,uma manhãsábadoagosto2010, Sally visitava a casa que até recentemente dividia com Richard, seu marido havia 31 anos.
Ele morava sozinho ali desde que Sally o deixara,novembro do ano anterior, depoisdescobrir que ele havia se relacionado com prostitutas.
David e seu irmão mais velho, James (que prefere evitar a atenção midiática), alegam que o pai havia imposto, ao longoanos, "abuso financeiro, manipulação psicológica, controle sobre a liberdademovimento dela, controle sobre todos os aspectos damente".
Depois que a mãe deixou o pai, os filhos pediram que ela mantivesse distância dele.
Mas, sem o conhecimento dos filhos, ela voltou a se encontrar com o marido, na esperançauma reconciliação.
O que aconteceu na casa naquele diaagosto2010, porém, foi o oposto disso.
Sally havia ido à casacarro, e dentro do veículo havia uma bolsa com um machado dentro.
Richard queria que ela assinasse um acordo pós-nupcial que tirava dela qualquer direitoposse sobre a casa da família, estimada1 milhãolibras, e impunha condições duras, ditando que ela "não poderia interrompê-lo e não falaria com outras pessoas quando o casal estivesserestaurantes".
Não havia comida na casa, então Richard pediu que Sally fosse ao mercado fazer compras.
Ao voltarlá, Sally suspeitou que ele tivesse outro motivo parar querersaídacasa. Pegou o telefone dele e ligou para o número discado por último, e a ligação foi atendida por uma mulher, que ela identificou como uma amante do marido.
Na cozinha da família, Sally fritou ovos e bacon para Richard. Serviu o marido e, enquanto ele comia, ela tirou o martelo da bolsa e golpeou-o 20 vezes na cabeça.
Envolveu o corpocortinas e cobertores e deixou por cima um bilhete que dizia: "Te amo, Sally". E foi embora.
Sally escreveu também um bilhete suicida, mas decidiu adiarprópria morte até que tivesse a chancever David pela última vez - aos 23 anos, o filho morava com ela na nova casa que ocupava.
'Seu pai está morto'
No dia seguinte, conta David, quandomãe o deixou no trabalho e fez a declaraçãoamor, o jovem foi horas depois chamado na salaseu chefe.
"Logo apareceu o meu primo, seguidoum policial uniformizado. Ele me segurou pelos ombros e disse: 'seu pai está morto'."
Passaram-se dez meses, e Sally foi a julgamento. David queixa-seque ela foi retratada na Corte como alguém "vingativa e ciumenta".
A Promotoria afirmou perante o júri que Sally monitorava as conversas telefônicasRichard e contava até quantas pílulasViagra ele tinha.
No julgamento, Sally falou pouco. Mas há evidênciasvídeo no qual ela admite ter matado o marido, além do depoimento da equipeprevenção a suicídio que a atendeu. Eles dizem que a confissão dela foi a seguinte: "Eu matei ele com um martelo, golpeei várias vezes... Se eu não posso tê-lo, ninguém mais poderá."
Sally foi condenada à prisão perpétua, mas a aprovação,2015,uma lei que reconhece a manipulação psicológica como abuso deu novo ímpeto adefesa.
Em março2018, Sally ganhou o direitoapresentar um recurso contracondenação.
Sua advogada, Harriet Wistrich, da organização feminista Justice for Women, afirma que a nova lei pode ser usada como uma "nova evidência" no caso.
"Argumentamos, pela primeira vez, que o entendimentoabuso doméstico que virou lei2015 oferece uma nova formaos atosSally serem vistos, o que pode dar sustentação (à tese de) defesa por provocação."
Wistrich acredita que essa seja a primeira vez que a leicontrole coercitivo esteja sendo usada no recursoum crimehomicídio: "Defendemos que, se essa nova evidência for aceita, a condenação por homicídio se torna frágil e, portanto, deve ser revogada", argumenta.
O objetivo, prossegue a advogada, é tentar mudar a sentençahomicídio doloso para culposo (sem a intençãomatar) ou pedir um novo julgamento.
O fatoque os próprios filhos defendem a liberdadeSally - eque, até o momento, nenhum parenteRichard tenha se manifestado publicamente contra isso - é significativo, diz Wistrich. Mas a advogada também admite que o fatoSally ter um martelo na bolsa naquele dia sugere premeditação - e pode fazer com que a condenação por homicídio culposo se mantenha.
David, porvez, argumenta que o tratamento que Richard dispensava à mãe se encaixa exatamente na definiçãocontrole coercitivo.
"Era como se ela fosse um robô e ele apertasse o controle (para decidir) o que ela tinha que fazer", diz ele.
O filho conta que Richard era controlador desde quando conheceu Sally, quando ela tinha 15 anos e ele, 22.
O pai frequentemente "mantinha casos com outras mulheres e ia a bordéis", prossegue o filho. E se fosse confrontado a respeito, dizia: "'Sally, você está louca'. Era como um mantra dele."
"Havia uma panelapressão. (...) O mundo dela revolvia ao redor do dele, e ele sabia disso - sabia que ela estava presa". "Meu pai e o modo como ele se comportava eram as únicas referências que ela tinha", tem dito Daviddiversas entrevistas à imprensa britânica,meio acampanha pela libertação da mãe.
David conta que a família era regida por regras rígidas, sobretudo Sally.
"Ele não gostava que a minha mãe tivesse qualquer independênciatermosamigos; apenas amigos que eles tivessem juntos. Era controle total."
Insultos
Se ela fizesse algo que o desagradasse, Richard determinava que ela só poderia usar o carro para ir trabalhar - uma vez que o trabalho dela é que sustentava a família. Vizinhos dizem que Richard tratava a mulher como uma propriedade.
E Sally era insultada pelo marido por supostamente estar acima do peso. "Era algo que eu e meu irmão ouvíamos o tempo todo", diz David. "(Falava) não só diantenós, mas dianteamigos também."
Durante o julgamento, Sally foi retratada como uma mulher que atacou Richardum ataquefúria, depoisdescobrir que ele havia telefonado para uma namorada. Mas David acha que a mãe estava forasi naquele momento.
"Ela pegou um martelo e matou meu pai. Reconheço que isso aconteceu, mas temos que reconhecer os efeitos do controle psicológico. Não sei por que ela levou aquele machado. Nem ela entende por quê", diz ele.
Ele afirma, ainda, que a mãe ainda diz amar o pai - algo que ele e o irmão "não conseguem entender".
"Não sei como interpretar isso. Meu pai nem está mais vivo e ainda exerce controle sobre ela."
Sua esperança éque o recursoSally seja capaz"reconhecer o abuso mental (a que ela foi submetida) e o que ela sofreu na vida".
"A questão não é que ela era uma esposa ciumenta", argumenta ele. "Ela foi manipulada psicologicamente toda a vida dela, presa por esse homem, o meu pai. Ela merece seu direito à liberdade. Merece que seu abuso seja reconhecido."
*Colaboraram June Kelly e Sally Graham
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