Naufrágio do Bateau Mouche: dor, traumabet7k comRéveillon e impunidade marcam 30 anos da tragédia:bet7k com
"Pra ser sincero, não salvei ninguém. Foi Deus quem salvou. Foi ele quem me colocou ali, naquele momento. Qualquer um, no meu lugar, faria o que eu fiz", diz o pescador que,bet7k com2012, viveu outra históriabet7k comnaufrágio – no dia 1ºbet7k commaio, seu barco foi a piquebet7k comPiratininga, depoisbet7k comcolidir contra as pedras, com dez pessoas a bordo.
Sua traineira,bet7k com36 pés (cercabet7k com10 metros), não foi a única a prestar socorro às vítimas do Bateau Mouche IV. Pouco depois, o iate Casablanca, do empresário Oscar Gabriel Júnior, também começou a recolher náufragos. Por ser maior – 130 pés (ou 40 metros) –, conseguiu salvar mais gente.
"Não fosse a traineira do Jorge e o iate do Oscar, a tragédia teria sido ainda maior", garante o escritor Ivan Sant'Anna, autorbet7k comBateau Mouche - Uma Tragédia Brasileira (2015). "Outro herói quase anônimo foi o garçom Heleno, do Bateau Mouche III. Quando a embarcação chegou ao local, ele pulou na água para resgatar outros três sobreviventes, que estavam prestes a ser engolidos pelas ondas."
Númerobet7k compassageiros
A jornalista Elane Maciel, então com 38 anos, ebet7k comirmã, a professorabet7k comeducação física e fisioterapeuta Heloísa Helena, com 44, foram duas das maisbet7k com30 pessoas que Jorge resgatou na noite do naufrágio.
Repórter do Jornal do Brasil, Elane ganhou os convitesbet7k comcortesia do jornalista José Carlos Tedesco, assessorbet7k comimprensa da Itatiaia Turismo, patrocinadora do evento.
Com saída prevista para as 21h, o passeio custava Cz$ 150 mil (algobet7k comtornobet7k comR$ 780 pelos valoresbet7k comhoje) e dava direito à ceia – peru, farofa, tender e fiosbet7k comovos – e música ao vivo. No convés principal, Elane e Heloísa não encontraram lugar para sentar. Todas as mesas já estavam ocupadas. Subiram para o deque superior, mas, lábet7k comcima, tiveram que ficarbet7k compé, espremidas ao lado dos músicos do conjunto Café com Leite. "Que programabet7k comíndio!", reclamou a jornalista.
Por volta das 22h15, o Bateau Mouche IV foi interceptado por uma lancha da Marinha. O primeiro-sargento Antônio Bragabet7k comVasconcelos subiu a bordo e, comobet7k compraxe, verificou a documentação do barco e a habilitação do mestre-arrais, Camilo Faro.
Tudo indica que o barco teria sido liberado ali mesmo se Camilo não tivesse dito ao oficial que desconfiavabet7k comsuperlotação. Na dúvida, o Bateau Mouche IV teve que regressar ao restaurante Sol & Mar, na Enseadabet7k comBotafogo,bet7k comonde partira. "Ali, tive um mau pressentimento. Por que voltamos? Ninguém explicava", relata Elane.
Ao encostar, outro oficial da Marinha, o sargento José Reinaldo Franco, subiu a bordo e, na base do "olhômetro", começou a contar os passageiros. Da primeira vez, contabilizou 145. Da segunda, 149. Até hoje, ninguém sabe ao certo quantas pessoas o Bateau Mouche IV transportava na noite da tragédia. Pudera. Não havia listabet7k compassageiros ou checagembet7k comnomes. Muitos sobreviventes – embet7k commaioria, turistas estrangeiros – não se apresentaram à Justiça.
Aflitas, Elane e Heloísa pediram para saltar. Mas, o mestre-arrais, Camilo Faro, não chegou a atracar o barco. "Não pode", avisou um dos quatro tripulantes. "Procurem relaxar, o passeio é lindo!", aconselhou. Passados 20 minutos, o barco foi liberado. "Segundo testemunhas, os militares teriam sido subornados pelo pessoal da Itatiaia Turismo. Mas, durante o inquérito, essa acusação jamais foi provada", afirma Ivan Sant'Anna.
Pesadelos
Lá pelas tantas, Elane foi ao banheiro, que ficava no pavimento inferior, e não gostou do que viu: estava totalmente inundado. Quando a descarga era acionada, a água do mar,bet7k comvezbet7k comescoar, subia pelo interior do vaso. "Não pensei que o barco fosse afundar. Mas tive a certezabet7k comque havia algo errado", diz.
Ao voltar para o deque superior, tentou se segurar na amurada. Não conseguiu. Num dos muitos solavancos do barco, foi arremessada longe.
Em alto-mar, a jornalista teve a cabeça atingida por um destroço do barco. Por sorte, se agarrou a uma cadeira como tábuabet7k comsalvação – nenhum dos móveis era afixado ao convés. A certa altura, entre uma braçada e outra, prestou socorro a Samanta Schanzer,bet7k com12 anos, que estava se afogando. Por mais que gritasse, ninguém ouvia. A queimabet7k comfogos, para comemorar a chegadabet7k com1989, já havia começadobet7k comCopacabana.
Pouco depoisbet7k comadernar, o Bateau Mouche virou com o casco para cima. Quando finalmente emborcou, os passageiros que estavam no convés superior se jogaram ou foram lançados ao mar. Já os que estavam no salão principal ficaram aprisionados no interior do barco. Por volta da 0h10 do dia 1ºbet7k comjaneirobet7k com1989, o Bateau Mouche IV foi a pique.
"Ainda hoje tenho pesadelos horríveis. Durante muito tempo, tive verdadeiro horror a barco. Até a travessia Rio-Niterói me recusava a fazer. Sempre tive vontadebet7k comfazer cruzeiro, sabe? Hojebet7k comdia, nembet7k comgraça!", confessa Elane que, na noite do naufrágio, só veio a descobrir quebet7k comirmã, Heloísa, também conseguira se salvar ao chegar ao cais do Sol & Mar.
Desistências
Ao todo, 55 pessoas morreram. A atriz Yara Amaral,bet7k com52 anos, foi uma delas. Ela ebet7k commãe, Elisa,bet7k com73, ganharam os convitesbet7k comum casalbet7k comamigos, Silvio e Dirce Grotkowski. Yara chegou a convidar os filhos para acompanhá-la no passeio, mas, Bernardo e João Mário,bet7k com16 e 14 anos, preferiram passar o Réveillon na casabet7k comamigos.
Bernardo Amaral, hoje com 46, recorda que foi seu pai, o também ator Luiz Fernando Goulart, quem lhe deu a notícia.
"Entreibet7k comchoque. Custei a acreditar que havia perdido,bet7k comuma só vez, minha mãe e minha avó", relata o empresário que,bet7k com1992, criou a associação Bateau Mouche - Nunca Mais para defender as famílias das vítimas e acompanhar os processos na Justiça. "As feridas fecharam, mas as cicatrizes ficam. Desde então, evito viajar no Réveillon. Gostobet7k comficarbet7k comcasa, recolhido. Não quero estragar a festabet7k comninguém", explica.
O númerobet7k comvítimas poderia ter sido maior. Muitos convidados desistiram do passeiobet7k comcima da hora. É o caso do artista plástico Georges Bombet7k comAlmeida,bet7k com58 anos. Filhobet7k compai carioca e mãe gaúcha, era donobet7k comuma pré-escolabet7k comPorto Alegre e, desde garoto, gostavabet7k compassar Natal e Réveillon no Rio. Naquele ano, ganhou convite,bet7k comum amigo, para curtir a virada do anobet7k comalto-mar.
Ao chegar ao Sol & Mar, se decepcionou: "Imaginava que o barco fosse maior e mais glamouroso. Um transatlântico ou algo do tipo", recorda. "Quando vi o Bateau Mouche, achei pequenininho. Para piorar, havia muita gente a bordo, começara a chuviscar e o barco balançava muito".
Por via das dúvidas, seguiu, a pé, para Copacabana. No dia seguinte, quando chegoubet7k comcasa,bet7k comIcaraí, todos levaram um susto. "Acharam que eu tivesse morrido", conta.
Fuga
Dois laudos – um da Marinha e outro da Polícia Civil – apontaram que o Bateau Mouche IV estava com excessobet7k compassageiros e uma sériebet7k comoutras irregularidades, como furos no casco, escotilhas abertas e coletes salva-vidas fora do prazobet7k comvalidade.
Não bastasse, uma reforma no convés superior, que incluía a instalaçãobet7k comum pisobet7k comcimento e a colocaçãobet7k comduas caixas-d'água, totalizando quatro toneladas, comprometeu a estabilidade do barco.
"Todos têmbet7k comparcelabet7k comculpa: desde o mestre-arrais, Camilo Faro, que se aventuroubet7k commar aberto apesar das péssimas condições do mar, até os vistoriadores da Capitania dos Portos, que aprovaram o barco para levar até 153 pessoas", afirma Ivan Sant'Anna.
Quando foi construído, no início dos anos 1970, a lotação máxima do Kamaloka, o nomebet7k combatismo do Bateau Mouche IV, erabet7k comapenas 20 pessoas, entre passageiros e tripulantes.
Muitos sobreviventes – além das famíliasbet7k comquem morreu na tragédia – entraram na Justiça. Na maioria dos casos, os réus são três: a empresa Bateau Mouche, proprietária da embarcação; a agênciabet7k comviagens Itatiaia Turismo, patrocinadora do passeio; e a União, por faltabet7k comfiscalização e socorro.
Elane é das muitas que, até hoje, não viu a cor do dinheiro. "Será que estão esperando eu morrer para pagar a indenização?", quer saber.
O advogado João Tancredo,bet7k com61 anos, cuida do caso dela ebet7k commais quatro vítimas do Bateau Mouche. Famoso por defender causasbet7k comgrande repercussão, como os pedidosbet7k comindenização para familiaresbet7k comvítimas das chacinasbet7k comVigário Geral (1993) e Costa Barros (2015) e do pedreiro Amarildo (2013), afirma que,bet7k comtermosbet7k commorosidade, o caso Bateau Mouche é "imbatível".
"O problema do Judiciário brasileiro não está numa suposta quantidade excessivabet7k comrecursos, mas na demora no julgamento dos casos", explica o advogado.
Por causa da "extrema lentidão" da Justiça, o patrimônio das empresas foi "esvaziado" ou "ocultado". Pior: condenados a quatro anosbet7k comprisãobet7k comregime semiaberto por homicídio culposo, sonegação fiscal e formaçãobet7k comquadrilha, os três sócios majoritários da Bateau Mouche – os espanhóis Faustino Puertas Vidal e Avelino Rivera e o português Álvaro Pereira da Costa – fugiram para a Europa,bet7k com1994. Desde então, nunca mais se ouviu falar deles.
"Ainda tivemos anulaçõesbet7k comsentença, que fizeram tudo voltar à estaca zero. O processo movido por Carmelita Guimarães, que perdeu a filha na tragédia, já teve três sentenças. Infelizmente, Carmelita morreu sem receber qualquer reparação", lamenta o advogado.
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