‘Aos 37 anos, nunca fiz sexo consensual’: as imigrantes que não podem denunciar estupros e assédio sexual:site palpite

Vítimasite palpiteviolência sexual

Crédito, Emma Lynch/BBC

Legenda da foto, Vítimassite palpiteviolência sexualsite palpitesituaçõessite palpitefragilidade têm poucas condiçõessite palpitedenunciar abuso

Pela primeira vez na vida, as irmãs não tinham que se preocupar com o que iriam comer – mas outras preocupações surgiram. "Não era uma vida boa. Eu sofri muito", diz Grace. Ela esite palpiteirmã sofriam abuso físico, verbal e sexualsite palpiteseu marido constantemente. Também foram obrigadas a participarsite palpitecerimônias rituais que, segundo ele acreditava, iriam ajudar emsite palpitecarreira política – como tomar sanguesite palpiteanimais.

As jovens podiam contar apenas com elas mesmas. Tinham medosite palpiteque, se falassem sobre isso,site palpitefamília fosse sofrer consequências. "Nosso marido era um homem poderoso", diz Grace.

Depoissite palpitedois anossite palpitecasamento, Grace esite palpiteirmã não aguentavam mais. Elas então pediram socorro a um tio, que prometeu ajudá-las a sair do país. Ele conseguiu vistos temporários e passagenssite palpiteida para Londres, e as levou para o aeroporto.

Na chegada à capital da Inglaterra, um velho amigo do tio as recebeu no aeroporto, cuidou delas e as apresentou a amigos seus da igreja - a maioria, imigrantes do oeste da África. Sem dinheiro nem lugar para ficar, sem visto e sem poder exercer nenhum trabalho legal, as duas irmãs acabaram indo morar com famílias que conheceram através dessa igreja.

Vítimasite palpiteviolência sexual

Crédito, Emma Lynch/BBC

Legenda da foto, Grace esite palpiteirmã continuaram sofrendo abusos depoissite palpitemigrarem para a Inglaterra

Abuso no Reino Unido

"Famíliassite palpiteimigrantes, que também são pobres e trabalham por muitas horas, procuram por jovens mulheres solteiras para cuidarem das crianças e da casa", diz Grace. "Minha irmã e eu morávamos com famílias diferentes. Dependíamos deles para comer, vestir, para tudo."

Grace não tinha um quarto. Tinha que esperar todos irem dormir para então poder se deitar no sofá da sala. Tinha pouca privacidade e faziasite palpitetudo para não incomodar a família.

Rapidamente, descobriu que não estava segura. "O chefe da família ia para a sala à noite, quando todo mundo estava dormindo. E começou a abusar sexualmentesite palpitemim. Ele sabia que eu não tinha nada e nenhum lugar para ir. Na época eu não sabia nada sobre a legislação inglesa. Não podia procurar a polícia, porque tinha medosite palpiteser presa ou deportada. Ele dizia: 'para quem você vai contar?'."

Quando as crianças da família atingiram a idade escolar, Grace foi informadasite palpiteque não era mais necessária na casa e que teria que sair. Então, foi para a casasite palpiteoutra família. Ao longosite palpitevinte anos, viveusite palpitemaissite palpiteuma dúziasite palpitelares –site palpitequase todos, foi estuprada. "Eu dormia no chão ousite palpitesofás. Os homens me visitavam à noite e me tocavam. E quase sempre me estupravam", diz ela.

"À noite, quando possível, eu tentava bloquear a porta do cômodo com móveis, para impedir os homenssite palpiteentrarem. Às vezes funcionava, às vezes não. De manhã, na frente da mulher e das crianças, eles agiam como se nada tivesse acontecido."

Sua irmã estavasite palpitesituação similiar. Em 2008, foi se encontrar com um homem que conheceu na internet, mas nunca mais voltou. "Foi o inferno para mim", diz Grace, que ligou para hospitais e pediu para amigos preencherem um registrosite palpitedesaparecidos na polícia - como não tinha documentos, Grace tinha medosite palpiteir até a polícia ela mesma. Até agora, dez anos depois, ela ainda não conseguiu encontrar a irmã.

Se sentindo mais sozinha do que nunca, Grace continuou pulandosite palpitecasasite palpitecasa. Até que, cinco anos atrás, não encontrou mais emprego. "Eu estava sem casa. Por muitas semanas, dormisite palpitebancossite palpitepraça. Ou, quando sentia medosite palpiteficar sozinha, eu ia para um ônibus noturno e ficava nele a noite inteira. Eu passava o dia pedindo trocados ou sentadasite palpitelivraria ou parques".

Até que um dia, diz Grace, um milagre ocorreu. "Um homem veio até mimsite palpiteum parque. Eu o tinha conhecido logo que me mudei para o Reino Unido. Ele disse: 'Você envelheceu, Grace'. Eu respondi: 'É, eu sei'. 'Então ele disse que havia pessoas que poderiam me ajudar. E que existem lugares que podiam sim me dar apoio. E falou que me levaria a um deles".

O velho conhecido levou Grace para um centrosite palpiterefugiados no centrosite palpiteLondres. Lá, a história dela foi ouvida cuidadosamente pela equipe, que ofereceu ajuda para resolver os seus problemas.

Vítimasite palpiteabuso doméstico

Crédito, Emma Lynch/BBC

Legenda da foto, A maioria das mulheres que procuram a organização 'Mulheres para Mulheres Refugiadas' sofreram algum tiposite palpiteabuso.

#MeToo inspirou mudança

Em uma sala com 35 mulheres africanas que buscavam asilo no Reino Unido, entre elas Grace, Marchu Girma contou que atrizessite palpiteHollywood estavam acusando o promotorsite palpitecinema Harvey Weinsteinsite palpiteassédio sexual. Depois da revelação do caso, milharessite palpitemulheres -site palpitetodas as profissões - começaram a compartilhar suas próprias históriassite palpiteabuso e assédio sexual com a hashtag #MeToo.

"Eu me lembrosite palpitequando contei para elas do #MeToo. Foi um momentosite palpitesurpresa. Subitamente, elas perceberam que não estavam sozinhas. Afinal, até mulheres brancas, poderosas e famosas tinham sofrido assédio", fala Girma. "Depois disso, (suas experiências) não eram mais um segredo vergonhoso que precisavam guardar para si mesmas". Girma é diretora da organização Mulheres para Mulheres Refugiadas, que trabalha com mulheres que estão buscando asilo no Reino Unido. Nascida na Etiópia, Girma também passou buscou asilo quando tinha 11 anos.

"As mulheres nos encontram pelo boca a boca, via igrejas, centrossite palpitedetenção, instituiçõessite palpitecaridade. Somos um espaçosite palpiteproteção para essas mulheres". Uma vez por semana, as imigrantes vão até a organizaçãosite palpitebuscasite palpiteconselhos, almoço, aulassite palpiteinglês, artesanato, teatro e empoderamento.

O bate-papo sobre o #MeToo surgiusite palpiteuma dessas reuniõessite palpiteempoderamento. Pela primeira vez, aquelas mulheres puderam falar sobre os abusos que tinham sofrido. Uma delas relatou ter feito faxina para um cliente que ordenou que ela se despisse e ficasse apenas com roupasite palpitebaixo antessite palpitecomeçar o trabalho. Outras, como Grace, tinham históriassite palpiteviolência sexual. "Essa mulheres têm suportado um longo e contínuo ciclosite palpiteabuso - fugindo da violência sexual (nos seus paísessite palpiteorigem) e chegando a uma vidasite palpiteabuso na própria Inglaterra".

"Nós temos ouvido casossite palpiteque mulheres vão reportar abusos e acabam detidas ou mesmo deportadas aos seus paísessite palpiteorigem - e, consequentemente, para as situações difíceis das quais estavam tentando escapar. O sistema impede essas mulheressite palpitereportar a violência e seus predadores sabem disso", fala Girma.

"O processosite palpiteasilo é falho e dificulta,site palpitevezsite palpiteajudar, a vítimasite palpiteabuso e assédio sexual", fala Girma. "Se você ainda não tem os documentos, você não é considerada uma pessoa aos olhos da Justiça". A situação é ainda pior para aqueles que estão vivendo no país e ainda nem pediram asilo. De acordo com o Observatóriosite palpiteMigraçãosite palpiteOxford, há centenassite palpitemilharessite palpitemigrantes irregulares ou ilegais no Reino Unido.

Marchu Girma, da organização Mulheres para Mulheres Refugiadas.

Crédito, Emma Lynch/BBC

Legenda da foto, Marchu Girma, da organização Mulheres para Mulheres Refugiadas, tratou do tema do assédio com imigrantes.

Estupro coletivo na África e assédio no Reino Unido

Já faz dez anos, mas Yanelle ainda tem pesadelos com a pior noite dasite palpitevida. Dissidente política no Oeste da África, ela foi presa e vítimasite palpiteum estupro coletivo por um gruposite palpitepoliciais, sob a mirasite palpiteuma arma.

Depois que foi solta, amigos do seu grupo político a ajudaram a migrar para Londres. Lá, encontrou emprego com famíliassite palpiteuma igreja local. Assim como Grace, Yanelle recebeu um teto e comidasite palpitetroca do trabalhosite palpitefaxineira e babá das crianças da casa.

Mas, ao contráriosite palpiteGrace, Yanelle não foi estuprada. No entanto, seus patrões passaram a mão no corpo dela e a assediaram. "O que você vai fazer? Para quem você vai contar? Se você me acusar, a polícia vai lhe prender e lhe mandarsite palpitevolta para o seu país", disse um deles. Ao longosite palpiteanos, Yanelle teve que repelir tentativas como essa. Mas, na época, não imaginava que isso fosse assédio sexual.

Até que,site palpiteoutubrosite palpite2017, Yanelle participou do bate-papo do grupo Mulheres para Mulheres Refugiadas sobre o #MeToo. A jovem percebeu, então, que as abordagenssite palpitehomens sem seu consentimento e as passadassite palpitemãosite palpiteseu corpo não eram insignificantes.

"Eu nunca tinha falado sobre abuso antes do movimento #MeToo. Na minha cultura, não é comum falar sobre assédio tão livremente. Mas, quando vi mulheres importantes falarem sobre isso, minha cabeça mudou. Nós aprendemos que também tínhamos vivido experiênciassite palpiteassédio", fala Yanelle, que está tentando obter o refúgio outra vez.

"Parece que nós mulheres estamos vivendo um momento da história onde a mudança é possível. E é importante que essa mudança seja estendida para as mulheres mais vulneráveis da nossa sociedade", fala Marchu Girma. "Nós precisamossite palpitevontade coletiva. A irmandade e a solidariedadesite palpitegênero também devem chegar até mulheres como Grace e Yanelle".

*todos os nomes foram trocados para proteger a identidade das entrevistadas.