Cenoura branca e melancia amarela: como humanidade modificou vegetais ao longo dos séculos:bet 365 www

Nos primórdios, a observação dos animais

Há milharesbet 365 wwwanos, nossos antepassados eram nômades e dependiam da caça e da coleta para sobreviver.

Isso significa que eles não ficavam num único lugar e se moviam para uma outra região quando os recursos se tornavam escassos.

Mas como eles sabiam quais plantas poderiam ser consumidas — e quais eram venenosas ou faziam mal?

"Eles se baseavam na observação dos animais. Se os seres humanos vissem que determinada espécie comia uma fruta, uma raiz ou uma folha e não morria, isso era um indicativobet 365 wwwconsumo seguro", responde a engenheira agrônoma Rumy Goto, professora aposentada da Faculdadebet 365 wwwCiências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Botucatu.

E esse conhecimento prévio foi extremamente valioso para o desenvolvimento da agricultura. Vários grupos foram aprendendo aos poucos, ao longobet 365 wwwmilharesbet 365 wwwanos, os ciclosbet 365 wwwdeterminada espécie vegetal na natureza, e como seria possível cultivá-la numa escala maior para a geraçãobet 365 wwwalimentos a toda uma comunidade.

Não à toa, o advento da agricultura há cercabet 365 www10 mil anos é considerado uma revolução: a criação das técnicasbet 365 wwwplantio, cultivo e colheitabet 365 wwwgrãos, frutos e hortaliças representou um controle maior sobre os recursos e os nutrientes necessários para a sobrevivência. Daí, com mais certezabet 365 wwwque teriam alimentos suficientes, nossos antepassados não precisaram mais se deslocar e puderam fixar residência num local estratégico (com acesso à água e terras férteis, por exemplo).

"Os seres humanos foram aprendendo a diferença entre os vegetais e as formasbet 365 wwwcultivá-los. Algumas plantas dependiambet 365 wwwsementes para nascer, outras podiam ser multiplicadas por meiobet 365 wwwbrotos e estacas. Assim, surgiram as primeiras comunidades e as hortas ao redor delas", resume Goto.

E, já na origem desses povoados primitivos, é possível detectar as primeiras modificações nos alimentos. Afinal, as pessoas já foram naturalmente selecionando aquelas variedades que traziam algum tipobet 365 wwwvantagem — seja na horabet 365 wwwcultivar e colher, ou no momentobet 365 wwwpreparar e consumir.

Vamos a um exemplo: o milho é originário do México Central. Há cercabet 365 www7 mil anos, ele era apenas uma gramínea selvagem, chamada teosinto.

Na natureza, o teosinto chega no máximo a 2 centímetros. Já o milho que temos hoje tem cercabet 365 www20 centímetros, um tamanho dez vezes maior — e isso sem falar na facilidadebet 365 wwwcozimento e no sabor.

Nessa transição, ele também se tornou uma grande fontebet 365 wwwcarboidratos, que são essenciais para dar energia para o corpo funcionar bem.

E isso tudo só foi possível graças ao trabalhobet 365 wwwcultivo, cruzamento e seleçãobet 365 wwwespécies com características desejáveis ao longobet 365 wwwgerações.

Ou seja, aos poucos, os agricultores do passado deram preferência às plantasbet 365 wwwmilho que nasciam com algum atributo interessante — como espigas maiores, mais saborosas ou que cresciam com rapidez. Essas variedades eram cruzadas com as outras, ou plantadas na safra da próxima temporada.

O milho, portanto, evoluiu ao longobet 365 wwwmilharesbet 365 wwwanos e chegou nas formas e nas variedades que conhecemos hoje. O mesmo aconteceu com diversos outros ingredientes do mundo vegetal, como você verá a seguir.

Choquebet 365 wwwmundos

Um outro capítulo muito importante dessa história aconteceu na virada do século 15 para o 16, com as grandes navegações e a chegada dos europeus ao continente americano.

Começava ali uma trocabet 365 wwwsaberes e sabores nunca antes vista — apesar do intercâmbio alimentar que já existia entre Europa, África e Ásia há muito tempo.

Alimentos típicos das Américas, como a batata, o tomate, o feijão, o abacate, o cacau e pimentas, cruzaram o Atlântico.

Alguns deles se tornaram símbolos da culináriabet 365 wwwpaíses muito distantes. A batata, originalbet 365 wwwPeru e Bolívia, virou a base da dieta no Reino Unido — e uma das variedades mais consumidas no mundo todo é ironicamente chamadabet 365 www"batata inglesa".

O tomate, típico do norte do Chile e do Equador, virou ingrediente básico do molho que acompanha muitas das macarronadas italianas.

"A história do tomate é curiosa, pois no passado os europeus acreditavam que era venenoso e evitavam o consumo. Ele era apenas usado como planta ornamentalbet 365 wwwjardins", lembra o engenheiro agrônomo Derly José Henriques da Silva, professor da Universidade Federalbet 365 wwwViçosa,bet 365 wwwMinas Gerais.

"Inclusive, durante o século 17, na região da Sicília [atual Itália], os homens que queriam pedir a mãobet 365 wwwuma moçabet 365 wwwcasamento precisavam passar por um testebet 365 wwwvirilidade, que consistiabet 365 wwwmorder um tomatebet 365 wwwpraça pública, diante do pai da noiva. Isso era uma formabet 365 wwwmostrar coragem e provar que se estava disposto a arriscar a própria vida por aquele casamento", conta.

Independentemente dos costumesbet 365 wwwcada local, o fato é que muitas dessas plantas se adaptaram bem às condições climáticas variadas — a batata, por exemplo, pode ser produzida rapidamente durante o curto verão europeu,bet 365 wwwapenas três meses, e não estraga facilmente mesmo depoisbet 365 wwwcolhida.

Na contramão, muitos produtos cultivadosbet 365 wwwhortas europeias e mediterrâneas também foram parar nas Américas. Entre os exemplosbet 365 wwwplantas que se deram bem do outro lado do mundo, estão a couve-flor, o repolho, o alho, a cebola, o brócolis, a berinjela, a cenoura e a alface.

Todas elas foram trazidas aos poucos e, graças ao trabalhobet 365 wwwmelhoramento e adaptação dos agrônomos e agricultores, também proliferaram e se tornaram ingredientes da dieta daqui.

A arte imita a vida

Mas será que os frutos e as hortaliças permaneceram iguais ao longo desses últimos séculos?

Uma pistabet 365 wwwcomo eram os vegetais do passado pode ser observada nas obrasbet 365 wwwarte. Esse é o trabalhobet 365 wwwuma área do conhecimento chamada etnobotânica iconográfica pictórica.

Em resumo, os especialistas tentam ver como os grandes pintores do passado representavam plantas e ingredientesbet 365 wwwnaturezas mortas e representaçõesbet 365 wwwcenas cotidianasbet 365 wwwmercados públicos e cozinhas. A partir dessas informações, é possível comparar e encontrar pistas sobre o passado e o presente desses cultivares.

O engenheiro agrônomo Paulo Cesar Tavaresbet 365 wwwMelo, professor aposentado da Escola Superiorbet 365 wwwAgricultura Luizbet 365 wwwQueiroz da Universidadebet 365 wwwSão Paulo (Esalq-USP), tem se debruçado sobre este tema nos últimos anos.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele explicou que é possível encontrar representaçõesbet 365 wwwfrutos e hortaliças desde a época dos egípcios e, posteriormente, entre gregos e romanos.

Mas foi a partir do fim da Idade Média e do início do Renascimento, na transição entre os séculos 14 e 15, que as técnicasbet 365 wwwpintura evoluíram e permitiram retratar com mais fidelidade os formatos e as características dos vegetais.

"Já é possível verbet 365 wwwalgumas obrasbet 365 wwwRafael Sanzio, um dos grandes mestres italianos, representações do melão, desse mesmo tipo amarelo que consumimos até hoje", cita. Os melões também são presença constantebet 365 wwwoutras obras, como aquelas pintadas pelo espanhol Diego Velázquez.

Já nos painéis Os Quatro Elementos, feitos pelo flamengo Joachim Beuckelaerbet 365 www1569, há uma cenabet 365 wwwduas mulheres cercadas por vegetais.

"Nela, é possível observar alfaces, frutas vermelhas, repolho roxo, couve flor, alcachofra, uvas…", destaca Melo.

Na imagem, não há brócolis ou couvebet 365 wwwbruxelas, variedades que pertencem à mesma família da couve-flor e do repolho. Isso porque elas só foram desenvolvidas por especialistas alguns anos depois.

Na parte inferior, o pintor também retratou cenouras brancas, roxas e amarelas que, com o passar dos anos, praticamente sumiram e foram substituídas pelas versões laranjas que encontramos hojebet 365 wwwfeiras e mercados.

Nessa primeira fase das representaçõesbet 365 wwwfrutas e hortaliças mais realistas, também é muito raro encontrar os ingredientes que vieram das Américas — os primeiros tomates só aparecem nos quadros das décadas posteriores, aponta o professor.

As demandas (e desafios) da atualidade

Durante o século 20, o avanço da ciência permitiu entender mais a fundo aquilo que era feitobet 365 wwwmodo empírico, ao longobet 365 wwwmilharesbet 365 wwwanos.

Foi nessa época que os pesquisadores descobriram, por exemplo, que o licopeno é o responsável pela cor vermelha do tomate, enquanto o betacaroteno confere o laranja das cenouras. Alémbet 365 wwwinfluenciar nos aspectos visuais, essas substâncias são potentes antioxidantes, que combatem o envelhecimento das células e previnem doenças.

As técnicas também ajudaram a identificar algumas espécies vegetais com atributos muito importantes, como resistência a pragas. Assim, elas podem ser cruzadas com outras mais vulneráveis,bet 365 wwwmodo a afastar fungos, vírus e outros patógenos.

"As plantaçõesbet 365 wwwbanana do mundo todo estão sob risco por causabet 365 wwwum fungo chamado fusarium. Ele está dizimando os bananais da Ásia e já chegou na América do Sul", informa o agrônomo Raul Rosa, pesquisadorbet 365 wwwfruticultura orgânica da Embrapa Agrobiologia.

"Nós temos trabalhosbet 365 wwwcruzamento da banana maçã com uma variedade africana, que é resistente a esse fungo. A ideia é ir melhorando e modificando, até que tenhamos uma nova versão ideal para o cultivo e o consumo", complementa.

Goto dá outro exemplo bem-sucedidobet 365 wwwadaptação: a alface. "Antes, ela era cultivada apenasbet 365 wwwtemperaturas amenas. Tê-la à disposição no verão brasileiro era algo praticamente impossível no passado", conta.

Isso mudou a partir dos anos 1950 e 1960, quando pesquisadores cruzaram espécies mais resistentes, capazesbet 365 wwwaguentar o clima tropical.

Embora parte desse melhoramento ainda seja feitobet 365 wwwforma clássica, misturando pólens e outros materiaisbet 365 wwwespécies vegetais para a criaçãobet 365 wwwhíbridos, o século 20 também testemunhou a chegada da engenharia genética e da transgenia.

Essas técnicas permitiram inserir genes específicosbet 365 wwwvariedadesbet 365 wwwsoja, milho, feijão e outros produtos,bet 365 wwwmodo que elas se tornassem mais resistentes a pragas ou ganhassem novos atributos nutricionais, como é o caso da mandioca biofortificada, que traz um teor mais altobet 365 wwwferro e zinco.

Na visãobet 365 wwwRosa, a agricultura do futuro dependerábet 365 wwwuma aliançabet 365 wwwvárias técnicas — das mais tradicionais às modernas. "Existem ferramentasbet 365 wwwbiologia molecular e biotecnologia, mas o que ainda hoje prevalece é o uso da biodiversidade", destaca.

Silva fornece outro exemplobet 365 wwwcomo estudar os atributosbet 365 wwwplantas específicas pode representar um ganho nutricional.

"Nós encontramos algumas pimentas que não são ardidas e trazem 2 mil ppm [partes por milhão]bet 365 wwwvitamina C, enquanto uma laranja tembet 365 wwwtornobet 365 www50 ppm", destaca.

"Ou seja: estamos falandobet 365 wwwuma hortaliça que tem aproximadamente 40 vezes mais vitamina C. Com o uso das técnicas disponíveis hoje, seria possível transformar esse produto num lanche barato ebet 365 wwwexcelente qualidade", pontua.

O professor da Universidade Federalbet 365 wwwViçosa também destaca que as demandas do mundo moderno modificaram a forma com que muitos vegetais são cultivados no campo.

"Por um lado, hoje temos famílias pequenas ou pessoas que moram sozinhas. Para elas, não faz sentido comprar um repolhobet 365 wwwtrês quilos, que vai acabar estragando na geladeira antesbet 365 wwwser consumido. Para esse público, precisamosbet 365 wwwfrutas e hortaliças pequenas, que possam ser comidos frescos ebet 365 wwwuma só vez", diz.

"Mas há também muitos indivíduos que não fazem mais refeiçõesbet 365 wwwcasa. Os restaurantes que preparam a comida para eles, por outro lado, vão se beneficiarbet 365 wwwvegetais maiores, pois eles rendem mais", completa.

O engenheiro agrônomo explica que, com o conhecimento acumulado até hoje, é possível atender a esses dois mercados — e produzir frutas e hortaliças grandes ou pequenas.

Segundo o pesquisador, a própria forma como esses produtos são cultivados, com mais ou menos água, adubo, luminosidade e tempo, já é suficiente para influenciar o tamanho que eles terão.

Mais ou menos nutrientes?

Mas será que depoisbet 365 wwwtantas alterações, as plantas que a gente come carregam a mesma quantidadebet 365 wwwvitaminas, minerais e outros compostos benéficos à saúde?

A resposta depende da perspectiva. Se compararmos com as versões "selvagens"bet 365 wwwmilharesbet 365 wwwanos, muitas frutas e hortaliças ficaram mais nutritivas e diversas.

James Kennedy, um professorbet 365 wwwquímica da Austrália, publicoubet 365 www2014 uma sériebet 365 wwwinfográficos que ilustram essa questão.

O especialista mostra, por exemplo, que a melancia ancestral tinha 5 centímetrosbet 365 wwwdiâmetro, era extremamente amarga, compostabet 365 www80%bet 365 wwwágua e só cresciabet 365 wwwNamíbia e Botswana, na África.

A melancia "domesticada"bet 365 wwwhoje tem até 30 centímetrosbet 365 wwwdiâmetro, é doce, possui 91%bet 365 wwwágua e é cultivadabet 365 www15 países (incluindo o Brasil). E isso sem contar o aparecimento mais recentebet 365 wwwversões sem caroço ebet 365 wwwdiferentes tamanhos e formatos, como cubos e "diamantes".

Nesse processobet 365 wwwtransformação e crescimento, claro, ela ganhou mais nutrientes e volumebet 365 wwwágua.

Um processo parecido pode ser observado com várias outras culturas muito comuns, como o próprio milho e a cenoura, citados anteriormente.

Então, dessa perspectiva histórica, muitos desses alimentos se tornaram mais ricos do pontobet 365 wwwvista nutricional.

Mas e nas últimas décadas? Será que frutas e hortaliças perderambet 365 wwwparte a riquezabet 365 wwwvitaminas, minerais e afins?

As evidências aqui ficam um pouco mais nebulosas. Alguns trabalhos até mostram uma perdabet 365 wwwcompostosbet 365 wwwalguns desses produtos.

Uma das pesquisas mais importantes nessa área foi feita pelo Departamentobet 365 wwwAgricultura dos Estados Unidos, que avaliou a possível mudança nutricionalbet 365 www43 culturas diferentes entre 1950 e 1999.

Os especialistas observaram uma baixa no teorbet 365 wwwseis nutrientes (proteína, cálcio, fósforo, ferro, vitamina B2 e vitamina C). Porém, para outros sete elementos, não foram observadas diminuições.

O tamanho da queda também variou bastante: foi observado um enxugamentobet 365 www6% nas proteínas ebet 365 www38% na vitamina B2.

Um outro estudo, feito no Institutobet 365 wwwAgrobiotecnologia da Espanha, avaliou o conteúdo nutricionalbet 365 wwwgrãosbet 365 wwwtrigobet 365 wwwdiferentes épocas guardados entre 1850 e 2016 (ou 166 anos no total).

Os dados revelam um aumento na quantidadebet 365 wwwcarboidrato e uma redução nos minerais e nas proteínas.

Os autores chamam a atenção para o fatobet 365 wwwque "o desbalanço entre carboidratos e proteínas ficou especialmente marcado a partir dos anos 1960, o que coincide com fortes aumentos na temperatura ambiental e a introduçãobet 365 wwwvariedades mais curtasbet 365 wwwtrigo".

Mas, segundo os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, ainda não está claro os efeitos práticos dessas mudanças — e se esse é um fenômeno quebet 365 wwwfato afeta a saúde das pessoas ou não.

Até porque, por outro lado, nesse mesmo período houve um avanço considerável nas técnicasbet 365 wwwmelhoramento genético das plantas, com a possibilidadebet 365 wwwobter frutos e hortaliças mais resistentes ou com uma carga extrabet 365 wwwnutrientes. E isso, porbet 365 wwwvez, garantiu a ofertabet 365 wwwalimentos para as pessoas.

Pode ser então que, no final das contas, uma coisa acaba compensando a outra. Ainda assim, não há dúvidas entre os especialistasbet 365 wwwque o tema merece ser estudado a fundo.

Com tantas mudanças ao longobet 365 wwwmilênios, uma coisa parece certa. As frutas e hortaliças do futuro serão diferentes das que comemos no presente — até por causa das mudanças climáticas e das alterações do trabalho no campo.

"Cada vez mais precisaremos do auxíliobet 365 wwwmarcadores moleculares, que detectam os genes capazesbet 365 wwwexpressar certas qualidadesbet 365 wwwfrutas e hortaliças", antevê Rosa.

"Isso será cada vez mais essencial para lidar com a diminuição da mãobet 365 wwwobra na agricultura e o impacto do aquecimento do planeta nas plantações", conclui.

- Este texto foi publicadobet 365 wwwhttp://vesser.net/geral-64268557