'Tenho saudadeslots daily cashsentir o sol': as pessoas que seguemslots daily cashlockdown desde o início da pandemiaslots daily cashcovid:slots daily cash
"Eu tenho muita saudadeslots daily cashsentir o sol,slots daily cashpassar no supermercado,slots daily cashir ao shopping…", diz.
Ele guarda até hoje várias garrafasslots daily cashálcool que comprou para higienizar os alimentos ou os objetos — e mantém uma bolsa onde acumula a maioria dos fiosslots daily cashcabelo que começaram a cair da cabeça com muita frequência durante este período.
Ao procurar a BBC News Brasil para contarslots daily cashhistória, Rafael esperava fazer uma espécieslots daily cashdesabafo, alémslots daily cashajudar outros indivíduos espalhados pelo mundo, que estãoslots daily cashsituações parecidas.
"Quantas pessoas podem estar presasslots daily cashcasa nesse momento, se sentem sozinhas e não têm o apoio necessário para sair desta?", questiona.
Mudançaslots daily cashhábitos
Aos 38 anos, Rafael relata que já fazia acompanhamento psicológico muito tempo antesslots daily casha pandemia estourar — e conseguia sairslots daily cashcasa normalmente.
Outras crises sanitárias recentes — como a gripe H1N1slots daily cash2009 e a zikaslots daily cash2015 — não chegaram a impactar tanto a rotina ou a mudar hábitos dele.
Rafael trabalha como freelancer: dá assistência e suporte a um indivíduo com autismo, a quem ajudaslots daily cashquestões burocráticas e nos afazeres do dia a dia. Com a pandemia, todas as tarefas passaram a ser feitas por meio remoto, com trocasslots daily cashmensagens e ligações.
Aliás, com a necessidadeslots daily cashlockdown a partir do espalhamento do vírus, o próprio indivíduo com autismo passou a ajudar bastante o próprio Rafael, ao dar suporte emocional e auxiliá-lo com tarefas básicas, como na entregaslots daily cashalgumas comprasslots daily cashsupermercado.
Antes do espalhamento da covid, Rafael dividia o apartamento com a mãe e dois sobrinhos.
Porém, o agravamento da pandemia, a necessidadeslots daily cashficarslots daily cashcasa e as exigênciasslots daily cashredobrar os cuidados com a higiene geraram alguns conflitos entre eles, o que fez os outros três familiares eventualmente mudaremslots daily cashendereço aindaslots daily cash2020.
No período, Rafael desenvolveu todo um sistema para adaptar o dia a dia. No hallslots daily cashentrada do apartamento, que dá acesso à sala, ele colocou um pequeno baú que delimita até onde entregadores e familiares podem entrar.
Ao lado do baú, ele instalou uma mesa. É ali que as encomendas do mercado e da farmácia são deixadas. No local, também ficam os sacosslots daily cashlixo reciclável que se acumulam e só são descartados quando algum conhecido passa pelo local.
No momento dessas visitas, porém, Rafael nunca fica no mesmo ambiente. Ao saber que alguém está chegando, ele deixa a portaslots daily cashentrada aberta e se tranca no quarto até a pessoa ir embora.
No início, a preocupação com a higiene era tão grande que ele até pedia refeições por aplicativosslots daily cashentrega, mas, com medo do coronavírus, colocava a comida no forno novamente.
"Várias vezes comi lanches e batatas fritas queimadas porque deixava a temperatura muito alta ou por tempo demais", relata.
"Hoje, já melhorei um pouquinho e não sinto mais necessidadeslots daily cashchegar nesse ponto", complementa.
Passagens marcantes
Ao longo desses dois anos e meioslots daily cashpandemia, alguns episódios reforçaram ainda mais os temoresslots daily cashRafael.
Um dos principais foi a morte por covid-19 do humorista Paulo Gustavo,slots daily cashmaioslots daily cash2021.
"Eu sempre fui muito fã do trabalho dele e pensei: 'Se um cara rico desses morreu, imagina o que pode acontecer comigo, que não tenho dinheiro?'", se recorda.
Outro momento decisivo teve a ver com a vacinação contra a covid-19.
Quando as doses estavam disponíveis para a faixa etária dele, Rafael passou por um verdadeiro dilema: por um lado, ele sabia que os imunizantes garantiriam uma melhor proteção contra o coronavírus; por outro, não se sentia nada confortávelslots daily cashsairslots daily cashcasa, se expor e ir até um postoslots daily cashsaúde.
Teve início, então, uma verdadeira epopeia,slots daily cashque tanto Rafael quanto colegas e familiares tentaram convencer algum profissionalslots daily cashsaúde a ir até o apartamento e aplicar a vacina lá mesmo.
Depoisslots daily cashmuita procura,slots daily cashdezembroslots daily cash2021, duas enfermeirasslots daily cashuma clínicaslots daily cashsaúde da família do bairro finalmente foram até a moradiaslots daily cashRafael, que as recebeu vestido com uma roupa especial, daquelas usadas por cientistasslots daily cashsituações emergenciais e com alto riscoslots daily cashcontágio.
O processo se repetiu algumas semanas depois,slots daily cashjaneiroslots daily cash2022, quando ele precisava tomar a segunda dose.
"Fiquei com medoslots daily cashter alguma reação e precisar ir a um hospital, mas felizmente não senti nada", conta.
E é justamente pelo medoslots daily casheventos adversos — somado à dificuldadeslots daily cashconvencer a equipeslots daily cashalgum postoslots daily cashsaúde a ir até o apartamento — que Rafael ainda não tomou a terceira dose do imunizante que protege contra a covid.
Qual o limite?
Rafael se sente agoniado ao ver que as pessoas estão retomando a vida e abandonando todas as restrições que marcaram os últimos dois anos, como o usoslots daily cashmáscara, a higiene das mãos e o distanciamento físico.
"A pandemia não acabou", constata.
"No carnaval, eu viaslots daily cashlonge, pela janela do apartamento, as pessoas festejando, todas muito alegres. Não consigo entender", admite.
Questionadoslots daily cashque situação ele acha que fará sentido sairslots daily cashcasa e retomar a rotina, Rafael diz que checa as notícias e os gráficos sobre as mortes por covid registradas no Brasil todos os dias.
"Para mim, o número ideal seria zero. Mas acho que talvez me sinta um pouco mais confortável para sair quando ver entre cinco e dez mortes por covid", estima.
Além do acompanhamento psicológico semanal, ele conta que também chegou a fazer consultas com o psiquiatra, que recomendou o usoslots daily cashremédios para aplacar a ansiedade.
Mas o medoslots daily cashsofrer algum efeito colateral — e precisar ir ao pronto-socorro — fez com que ele desistisse da ideiaslots daily cashiniciar um tratamento medicamentoso.
Mais comum do que se imagina
Apesarslots daily cashchamar a atenção, a históriaslots daily cashRafael se repete,slots daily cashmaior ou menor grau, com outras pessoas, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Embora não exista uma estatística oficialslots daily cashquantos sentem dificuldadeslots daily cashsairslots daily cashcasa e retomar a rotina num "novo normal", o psiquiatra Rodolfo Furlan Damiano, que não lida diretamente com Rafael, admite que "essas narrativas aparecem no dia a dia do consultório".
"São casos muito individuais, ligados a um aumento da prevalênciaslots daily cashtranstornos mentais ao longo dos últimos anos", contextualiza o médico, que faz doutorado no Institutoslots daily cashPsiquiatria (IPq) da Faculdadeslots daily cashMedicina da Universidadeslots daily cashSão Paulo.
Damiano explica que, nos primeiros meses da pandemia, houve até uma diminuiçãoslots daily cashquadros como ansiedade e depressão. "Quando a gente está dianteslots daily cashum grande problema coletivo, a tendência inicial é esquecermos das demais dificuldades da vida e focarmos só naquilo. Issoslots daily cashcerta maneira agrega e gera uma sensaçãoslots daily cashpertencimento."
"Só que, conforme a pandemia vai passando, acontece outro fenômeno. Nós resgatamos as dificuldades anteriores, que ficaram dormentes, e adicionamos todos os dilemas extras relacionados àquele momento", acrescenta.
E, para indivíduos que já têm algum tiposlots daily cashvulnerabilidade, isso tudo representa uma carga emocional muito alta, explica Damiano. "Algumas pessoas podem enfrentar uma dificuldadeslots daily cashse adaptar novamente e desenvolvem quadros como ansiedade, depressão ou fobias", conclui.
'Maior confinamento da história'
O professor Paul Crawford, do Institutoslots daily cashSaúde Mental da Universidadeslots daily cashNottingham, no Reino Unido, que também não tem nenhum contato com Rafael, concorda que o confinamento prolongado e o isolamento social têm diversos efeitos deletérios no bem-estar — mas existem antídotos que ajudam lidar com essa condição.
Aindaslots daily cash2020, ele escreveu um livro chamado Cabin Fever: Surviving Lockdown in the Coronavirus Pandemic (Febre da Cabine: Sobrevivendo ao Lockdown na Pandemiaslots daily cashCoronavírus,slots daily cashtradução livre),slots daily cashque explorou esse tópicoslots daily cashdetalhes.
Na obra, ele descreve os momentos que vivemos nos últimos dois anos e meio como "o maior confinamento da história".
"Para alguns, ficarslots daily cashcasa foi bem-vindo e deu uma oportunidade para aprofundar relacionamentos com pessoas próximas, como parceiros e filhos. Para outros, a faltaslots daily cashcontato físico e a comunicação digital sem fim tiveram um impacto emocional muito negativo", compara.
Ao lembrarslots daily cashsituações e episódiosslots daily cashque as pessoas também ficam isoladas — comoslots daily cashprisões, sequestros, viagens ao redor do mundo ou voos espaciais —, Crawford cita algumas estratégias que podem funcionar e fazem bem à mente.
"Nesses contextos, ter uma estrutura, estabelecer metas e criar propósitos para cada dia são fatores cruciais", diz à BBC News Brasil.
"Também é importante ter acesso a áreas verdes, aceitar psicologicamente o 'novo normal', ajustar as necessidades à realidade, se conectar com outras pessoas, mesmo que nos meios digitais, perceber a própria casa como um santuário — e não como uma prisão —, prestar atenção à saúde, principalmente à alimentação e à práticaslots daily cashexercício físico, e se engajarslots daily cashatividades criativas e artísticas", completa.
Sobre o alívio das restrições e o retorno às ruas, Crawford compreende a dificuldade que alguns podem sentir.
"Muitos permanecerão tensos com a possibilidadeslots daily cashter contato com o vírus, seja por alguma vulnerabilidadeslots daily cashsaúde ou pela morte traumáticaslots daily cashconhecidos, amigos ou familiares", descreve.
"Outros, porslots daily cashvez, transformaram o lar num santuário tão confortável e duradouro que, talvez, prefiram continuar a viver ali dentro."
O pesquisador acredita que a "ainda não está estabelecida uma linha claraslots daily cashquando um comportamento desses, baseado num lockdown voluntário, é compreensível ou patológico".
"O que a pandemia e 'o maior confinamento da história' fizeram foi intensificar e tornar mais palpáveis as maneiras pelas quais o isolamento social pode levar ao declínio mental e à calamidade, e como o sofrimento e os desafios mentais geralmente levam as pessoas a se isolarem ou a se esconderem socialmente", conclui o especialista.
Não é coisa daslots daily cashcabeça
Para Rodolfo Damiano, que faz doutorado na Faculdadeslots daily cashMedicina da USP, dianteslots daily cashuma dificuldadeslots daily cashretomar a rotina, o limiar entre saúde e doença é definido pela perdaslots daily cashliberdade.
"Quando a pessoa não consegue mais tomar as próprias decisões e o contextoslots daily cashque ela vive é fonteslots daily cashsofrimento e aflição, chegou a horaslots daily cashbuscar um profissionalslots daily cashsaúde", indica.
A consulta com o psiquiatra e com o psicólogo é essencial para diagnosticar o transtorno, investigar as origens do problema e, claro, iniciar o tratamento mais efetivo.
Em alguns casos, a psicoterapia dá conta do recado. O método envolve sessões estruturadasslots daily cashconversas com um especialista, que vai analisar os comportamentos, as emoções e os pensamentos para modificar aquilo que foge do ideal.
Em outros, a medicação também é primordial para complementar esse processo e estabilizar o quadro.
Damiano reforça que, assim como acontece com qualquer outra doença, os transtornos mentais precisam ser tratados com respeito — ter depressão ou ansiedade não é "só coisa da cabeça" ou "algo que passa com forçaslots daily cashvontade", como alguns insistemslots daily cashdizerslots daily cashforma absolutamente equivocada.
"São problemas que qualquer um pode ter, e é importante que as pessoas busquem ajuda quando sentirem necessidade", pontua.
Entre medos e adaptações, Rafael segue tocando a vida, com a esperançaslots daily cashum dia voltar a sentir o sol.
"Eu não sou louco. Não rasgo dinheiro. Não faço mal às pessoas. Sei conversar direito", afirma.
"Mas minha situação sempre me faz pensar nas outras pessoas que podem estar numa situação parecida, ou nos portadoresslots daily cashansiedade, bipolaridade ou esquizofrenia, que podem não ter apoioslots daily cashninguém", finaliza.
*O sobrenomeslots daily cashRafael foi ocultado para preservar a sua identidade.
- Este texto foi publicadoslots daily cashhttp://vesser.net/geral-62834973
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