Max Born, o físico quântico que alertou o mundo sobre 'a causatodos os males':
Mas se o nome dele soa familiar, talvez seja porque está muito presente na física, e também porque foi um grande amigoAlbert Einstein.
Desta amizade, ficou como legado uma fascinante coleçãocartas que abrangem quatro décadas e duas guerras mundiais.
"Minha mãe (Irene) as traduziu (do alemão para o inglês)", contou a atriz e cantora.
Emvasta correspondência, eles discutiam sobre tudo,teoria quântica ao papel dos cientistasum mundo conturbado, sobre suas famílias e a paixãoambos pela música.
Aliás, foi numa dessas cartas — datada4dezembro1926 — que Einstein escreveu uma das frases mais famosas da história da ciência:
"A mecânica quântica é certamente impressionante. Mas uma voz interior me diz que ainda não é satisfatória. A teoria rende muito, mas dificilmente nos aproxima do segredo do 'criador'. De qualquer forma, estou convencidoque Ele não joga dados."
Einstein se recusava a aceitar a visão probabilística que favorecia essa teoria que descreve como se comporta a matéria que compõe o pequeno universo das partículas atômicas e subatômicas.
A incerteza que este ramo da física postulava, pensava ele, na verdade revelava a incapacidadeencontrar as variáveis com as quais se construiria uma teoria completa.
Seu amigo Born, no entanto, foi um dos principais impulsionadores da interpretação probabilística.
Para ele, Deus joga dados.
Convencido, ele continuou a explorar o mundo infinitamente pequeno que essa revolucionária e recém-nascida ciência buscava compreender.
Assim, ele estabeleceu muitas das bases da física nuclear moderna.
Apesar disso, e injustamente, apontam os especialistas, foi ofuscado por expoentes como Werner Heisenberg, Paul Dirac, Erwin Schrodinger, Wolfgang Pauli e Niels Bohr.
Tanto que a Fundação Nobel só concedeu o prêmio a ele1954 — 28 anos depoisele ter concluído o trabalho pelo qual foi premiado.
Há, inclusive, quem reclame que, embora a razão pela qual finalmente o reconheceram fosse justa — uma nova formadescrever os fenômenos atômicos —, não era suficiente, pois consideram que Born deveria compartilhar o títulopai da mecânica quântica com Niels Bohr.
Uma ponte
A vidaBorn fez dele uma ponte entre três séculos.
Ele nasceuuma família judiaBreslau, reino da Prússia na época (atual Wroclaw ou Breslávia, na Polônia),1882. Por isso, se formou nas tradições clássicas da ciência do século 19.
Assim como tantos outros cientistas judeus, ele teve que fugir dos nazistas, o que o privouseu doutorado e atésua cidadania. Masseu lar adotivo, o Reino Unido, ele contribuiu para o desenvolvimento da ciência do século 20.
O que ocupavamente, no entanto, eram as consequências da ciência moderna para o século 21.
Ele acreditava que nenhum cientista poderia permanecer moralmente neutro diante das consequênciasseu trabalho, independentemente do quão sólida fosseTorreMarfim, porque ficava horrorizado com a grande quantidadeaplicações militares da ciência que ajudara a desenvolver.
"A ciência na nossa época", escreveu ele, "tem funções sociais, econômicas e políticas, e por mais distante que o próprio trabalho possa estar da aplicação técnica, é um elo na cadeiaações e decisões que determinam o destino da raça humana".
Esse destino, disse ele, se encaminha para um pesadelo porque "o intelecto distingue entre o possível e o impossível; a razão distingue entre o sensato e o insensato. Até o possível pode carecersentido".
Não era estranho que o cientista que postulou que só se podia determinar a probabilidade da posiçãoum elétron no átomoum dado momento — descartando as leisNewton e abrindo a porta para a física atômica — se preocupasse com tais questões.
Born seguiu durante todavida um conselho que seu pai lhe deu quando jovem: nunca se especialize.
Por isso, nunca deixouestudar música, arte, filosofia e literatura.
Tudo isso alimentava seu pensamento ético.
Em umseus ensaios finais, ele escreveu sobre o que considerava a única esperança para a sobrevivência da humanidade.
"Nossa esperança", disse ele, "se baseia na uniãodois poderes espirituais: a consciência moral da inaceitabilidadeuma guerra degenerada no assassinatomassa dos indefesos e o conhecimento racional da incompatibilidade da guerra tecnológica com a sobrevivência da raça humana."
Se o homem queria sobreviver, deveria renunciar à agressão.
A incerteza necessária
Em 1944, Einstein escreveuoutra carta a Born:
"Nós nos convertemosantípodasrelação às nossas expectativas científicas. Você acreditaum Deus que joga dados, e eu, na lei e ordem absolutasum mundo que existe objetivamente, e que,forma insensatamente especulativa, estou tentando compreender [...]."
"Nem sequer o grande sucesso inicial da teoria quântica me faz acreditarum jogodados fundamental, embora eu esteja cienteque nossos jovens colegas interpretam isso como um sintomavelhice."
"Sem dúvida, chegará o diaque veremos qual instinto estava certo."
Poucos meses antesEinstein morrer, Born escreveu:
"Nós nos entendemosassuntos pessoais. Nossa diferençaopinião sobre a mecânica quântica é muito insignificantecomparação."
No fim das contas, parece que Einstein estava errado.
Esse jogodados que envolve incerteza constante ainda parece necessário para entender o mundo infinitamente pequeno.
E, para Born, a incerteza também era fundamental para a vidaum mundo infinitamente maior do que aquele que ele explorou.
"Creio que ideias como certeza absoluta, precisão absoluta, verdade suprema, etc. são produtos da imaginação que não deveriam ser admissíveisnenhum campo da ciência", declarou.
"Por outro lado, qualquer afirmaçãoprobabilidade é correta ou incorreta do pontovista da teoria na qual se baseia."
"Este relaxamento do pensamento me parece a maior bênção que a ciência moderna nos deu."
"Porque a crençaque existe apenas uma verdade, eque você próprio estáposse dela, é a raiztodos os males do mundo."
- Este texto foi originalmente publicado emhttp://vesser.net/geral-62476283
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