A polêmica sobre problema matemático com demonstração 'impenetrável' que quase ninguém consegue verificar:77 casino

Arte abstrata inspirada77 casinoShinichi Mochizuki

Crédito, Getty Images / BBC

Legenda da foto, Em 2012, o japonês Shinichi Mochizuki anunciou que havia resolvido um dos maiores mistérios da teoria dos números: a conjectura abc. Mas77 casinodemonstração é tão complexa que quase ninguém é capaz77 casinodizer se está certa ou errada

Os quatro artigos acadêmicos77 casinocerca77 casino500 páginas foram publicados no próprio site77 casinoMochizuki e, embora fosse estranho que um pesquisador77 casinosua estatura não tivesse publicado um trabalho tão importante77 casinouma revista científica77 casinorenome, naquele momento isso não importava.

Ali estava a tão esperada demonstração, disponível a apenas um clique77 casinodistância para qualquer pessoa baixar e ler.

Mas rapidamente os matemáticos perceberam que nem todo mundo conseguiria entender.

A demonstração foi escrita77 casinoum estilo enigmático que era estranho para a maior parte da comunidade e foi classificada pela revista científica Nature como "impenetrável".

O matemático Jordan S. Ellenberg, pesquisador e professor da Universidade77 casinoWisconsin-Madison, nos EUA, foi além e afirmou:

"Ao olhar para ela, você se sente um pouco como se estivesse lendo um artigo do futuro ou do espaço sideral."

O problema é que, se ninguém conseguia entender a demonstração, ela tampouco podia ser verificada.

Shinichi Mochizuki

Crédito, Universidade77 casinoKyoto / Raymond Terhune

Legenda da foto, Mochizuki já era reconhecido globalmente na comunidade matemática quando publicou77 casinodemonstração da conjectura abc77 casino2012

Levou 5 anos para que personalidades77 casinopeso ao redor do mundo declarassem publicamente que haviam conseguido compreender a demonstração. Entre eles, estava outro gênio da área, o jovem alemão Peter Scholze, mas o que ele tinha a dizer não agradaria Mochizuki.

Em entrevista exclusiva à revista Quanta, Scholze e seu colega Jakob Stix afirmaram que a demonstração continha um erro "sério e insolúvel", e que a conjectura abc permanecia portanto77 casinoaberto.

Agora, o que a Quanta descreveu como um "duelo77 casinotitãs da matemática" acaba77 casinoganhar um novo capítulo.

Quando a + b = c

A conjectura abc parte77 casinouma equação muito simples: a + b = c.

No entanto, essa aparente simplicidade contém uma ligação profunda e até agora desconhecida entre a soma e a multiplicação77 casinonúmeros inteiros.

(Se você está se perguntando onde está a multiplicação, já que só consegue ver uma soma, vá para o final desta reportagem, onde encontrará uma explicação mais detalhada da conjectura.)

Diferentemente77 casinooutros problemas famosos, essa conjectura foi formulada há relativamente pouco tempo,77 casino1985, e somente com o passar dos anos os matemáticos foram percebendo suas enormes consequências.

É que, se for demonstrada, desencadearia a solução para uma série77 casinoproblemas matemáticos77 casinouma só vez.

Menina escrevendo multiplicação77 casinoum quadro negro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A conjectura abc expressa uma ligação entre a soma e a multiplicação77 casinonúmeros inteiros que é tão elementar quanto profunda

No entanto, a maioria dos especialistas77 casinoteoria dos números estava convencida77 casinoque provar essa conjectura era uma tarefa tão colossal que nem sequer tentou.

Não foi o caso77 casinoMochizuki.

De talento precoce a referência mundial

Mochizuki nasceu77 casinoTóquio77 casino1969, mas se mudou para os Estados Unidos com a família quando era criança.

"Seu talento precoce rendeu a ele uma vaga na graduação do Departamento77 casinoMatemática da (Universidade de) Princeton quando tinha apenas 16 anos", diz reportagem na revista Nature.

"Rapidamente ele se tornou uma lenda por seu pensamento original e foi direto para o doutorado", acrescenta o texto publicado77 casino2015.

Após completar o doutorado, Mochizuki passou dois anos77 casinoHarvard e, aos 25 anos, voltou ao Japão para assumir um cargo no Instituto77 casinoPesquisa77 casinoCiências Matemáticas (RIMS) da Universidade77 casinoKyoto, onde trabalha até hoje.

Uma vez ali, ele resolveu uma conjectura apresentada por Alexander Grothendieck, que costuma ser descrito como o maior matemático do século 20.

Foi com este trabalho77 casino1996 que Mochizuki consolidou o seu prestígio internacional. Mas havia algo nele que estava mudando.

"Seu trabalho estava atingindo níveis mais altos77 casinoabstração, e ele estava escrevendo artigos cada vez mais impenetráveis ​​para seus pares", explica a Nature.

Sua demonstração da conjectura abc é a prova final desse processo.

"Tentei ler e,77 casinoalgum momento, desisti. Não entendo o que ele está fazendo", disse à Nature o matemático alemão Gerd Faltings, que não só ganhou uma medalha Fields ("o Nobel" da matemática), como também foi orientador da tese77 casinograduação e doutorado77 casinoMochizuki nos EUA.

10 anos para entender

A demonstração77 casinoMochizuki da conjectura abc é baseada77 casinodécadas77 casinopesquisa77 casinouma área da geometria aritmética chamada geometria anabeliana, que é famosa por77 casinoextrema dificuldade (e falta77 casinoespecialistas).

Na verdade, as mais77 casino500 páginas que publicou77 casino2012 fazem referência a centenas77 casinooutras páginas77 casinotrabalhos anteriores dele.

Sua complexidade é tanta que o próprio Mochizuki estimou que um estudante77 casinopós-graduação77 casinomatemática levaria 10 anos para entendê-la.

Os pesquisadores, por77 casinovez, devem desativar "os padrões77 casinopensamento que instalaram77 casinoseus cérebros e que adotaram por tantos anos" para compreendê-la, escreveu o japonês77 casinoseu site.

"A demonstração é difícil ao extremo", reconhece o doutor77 casinomatemática espanhol Francisco R. Villatoro77 casinoentrevista à BBC News Mundo, serviço77 casinoespanhol da BBC.

Professor da Universidade77 casinoMálaga, na Espanha, ele explica que "este tipo77 casinodemonstração está repleta77 casinoneologismos para se referir a conceitos muito, muito semelhantes entre si, mas que, segundo o autor, são diferentes, e é importante perceber a pequeníssima diferença. "

Oxford, no Reino Unido

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, No fim77 casino2015, Oxford sediou um encontro77 casinomatemáticos que tentavam entender a demonstração77 casinoMochizuki, que não compareceu ao evento

Na verdade, são necessárias tantas palavras novas que acabam usando palavras "divertidas e exóticas".

"Assim, depois77 casinocentenas77 casinopáginas com definições77 casinonovos termos, começam a aparecer resultados77 casinoque todas as palavras são novas", diz Villatoro, reconhecendo que "isso torna muito difícil seguir a linha77 casinoraciocínio".

No fim77 casino2015, foi organizado um workshop na Universidade77 casinoOxford, no Reino Unido, onde matemáticos77 casinotodo o mundo se reuniram para tentar entender a demonstração. Mochizuki recusou o convite, mas vários77 casinoseus colaboradores compareceram para falar por ele.

A ideia era que eles explicassem os artigos para a comunidade científica e tirassem suas dúvidas. Mas isso não aconteceu.

"Não basta que haja pessoas que declarem que leram o argumento e que está tudo bem; alguém tem que ser capaz77 casinoexplicá-lo", escreveu77 casino2017 o matemático Frank Calegari, da Universidade77 casinoChicago, nos EUA,77 casinoseu blog pessoal.

Cinco anos depois77 casinopublicada, a demonstração77 casinoMochizuki ainda estava no limbo, sem ser descartada ou aceita por falta77 casinouma voz qualificada e independente capaz77 casinofazer pender a balança.

Até que Scholze decidiu se manifestar.

Corolário 3.12

Segundo a revista Quanta, o matemático alemão foi um dos primeiros a ler o trabalho77 casinoMochizuki.

"Scholze, que tinha apenas 24 anos na época, acreditava que a demonstração era falha. Mas77 casinogeral ele se mantinha fora das discussões sobre artigos acadêmicos, exceto quando questionado diretamente sobre o que pensava", explica.

Peter Scholze

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Peter Scholze exibindo77 casinomedalha Fields77 casino2018. Ele tinha 30 anos quando ganhou o principal prêmio do mundo77 casinomatemática

Mas, depois77 casinoler a postagem77 casinoCalegari, ele decidiu escrever uma mensagem na seção77 casinocomentários afirmando: "Sou completamente incapaz77 casinoseguir a lógica após a figura 3.8 na demonstração do corolário 3.12."

"Aqueles que asseguram que compreendem a demonstração não estão dispostos a admitir que nesse ponto é preciso explicar mais", acrescentou.

O comentário provocou um rebuliço na comunidade científica.

A falha no corolário 3.12 não só derrubava toda linha77 casinoraciocínio da demonstração, como também estava sendo apontada por Scholze, que já era considerado uma autoridade77 casinogeometria aritmética e que logo depois acabaria ganhando a prestigiada medalha Fields.

Tamanha foi a polêmica que o alemão foi convidado a se encontrar com Mochizuki no Japão. Ele viajou para lá77 casino2018 com Stix, um especialista77 casinogeometria anabeliana da Universidade Goethe77 casinoFrankfurt, na Alemanha.

Mas o encontro77 casinotitãs foi um fracasso.

Scholze e Stix saíram frustrados com a falta77 casinoreceptividade do japonês77 casinoreconhecer o erro. Mochizuki, por outro lado, garantiu que o problema dos alemães é que eles não entenderam seu trabalho.

Mas a balança da comunidade matemática pendeu para o lado77 casinoScholze e Stix.

"Acredito que a conjectura abc ainda está77 casinoaberto", afirmou Scholze à revista Quanta. "Qualquer pessoa tem a oportunidade77 casinoprová-la."

A nova polêmica

A questão parecia resolvida até março deste ano, quando a PRIMS, revista científica do RIMS, publicou os quatro artigos acadêmicos77 casinoMochizuki com alterações mínimas, diz Villatoro.

Em outras palavras, sem corrigir o corolário 3.12.

Último número da PRIMS

Crédito, PRIMS

Legenda da foto, A edição77 casinomarço da PRIMS é dedicada à demonstração da conjectura abc77 casinoMochizuki

"Agora temos a situação ridícula77 casinoque abc é um teorema77 casinoKyoto, mas uma conjectura no resto do mundo", escreveu Calegari quando ainda havia rumores77 casinoque a PRIMS publicaria o trabalho77 casinoMochizuki.

"A revista científica para esse tipo77 casinoresultado é a Annals of Mathematics", explica Villatoro, observando que a publicação é "muito, muito rigorosa" com a revisão por pares.

E como Scholze é um dos maiores especialistas mundiais77 casinogeometria aritmética, acrescenta o espanhol, seria77 casinose esperar que ele fosse um dos pares escolhidos para revisar os artigos77 casinoMochizuki.

Tendo esse "não" garantido, "a Annals of Mathematics nunca o publicaria", afirma.

Mas a escolha da revista também não ajuda a dissipar as dúvidas77 casinorelação a Mochizuki. Além77 casinotrabalhar no RIMS, ele é editor-chefe da revista.

Mochizuki não participou da revisão77 casinopares, algo usual nesse tipo77 casinosituação77 casinoconflito77 casinointeresses. No entanto, a comunidade matemática está pressionando o PRIMS para revelar quem participou e que argumentos deram para77 casinoaprovação, explica Villatoro.

Shinichi Mochizuki

Crédito, Universidade77 casinoKyoto / Raymond Terhune

Legenda da foto, Mochizuki é membro do Instituto77 casinoPesquisa77 casinoCiências Matemáticas da Universidade77 casinoKyoto e editor-chefe77 casinosua revista científica, a PRIMS

De acordo com seus cálculos, há algumas centenas77 casinopesquisadores77 casinogeometria aritmética no mundo, enquanto deve haver cerca77 casino50 especialistas77 casinogeometria anabeliana.

"Neste momento, pode haver umas cinco pessoas no mundo a favor77 casinoMochizuki", diz ele. "E todos estão sob seu guarda-chuva acadêmico."

Por outro lado, acrescenta, "a grande maioria da comunidade abandonou a ideia77 casinotentar compreender a demonstração por considerar falha. Enquanto o contra-argumento não for claro, ao que já se sabe que está errado, não vale a pena perder tempo nisso. "

Pode parecer que é a história77 casinoum gênio incompreendido "lutando contra o sistema, contra uma espécie77 casinoconspiração contra ele", afirma Villatoro. Mas não é o caso, ele garante.

Faltings, o mentor77 casinoMochizuki, foi contundente a esse respeito.

"As pessoas têm o direito77 casinoser tão excêntricas quanto quiserem", disse ele à revista Nature na época. No entanto, ele acrescentou, na matemática "não basta ter uma boa ideia: também é preciso saber explicá-la aos outros".

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A conjectura abc explicada por um doutor77 casinomatemática

Se você chegou até aqui, é porque quer saber mais a fundo o que é a conjectura abc, então passamos a palavra ao pesquisador Francisco R. Villatoro para explicar a matemática sem interrupções jornalísticas:

A conjectura abc é muito útil para abordar um problema importante na teoria dos números: resolver as equações diofantinas por um procedimento77 casinobusca sistemática.

Chamamos77 casinoequação diofantina uma equação cujas soluções devem ser números inteiros; costumam ser polinômios (somas77 casinoprodutos)77 casinovárias incógnitas. O exemplo mais conhecido é o teorema77 casinoPitágoras para triângulos retângulos, que afirma que a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa, ou77 casinosímbolos a² + b² = c². A solução mais conhecida é a = 3, b = 4 e c = 5, uma vez que 9 + 16 = 25. Nesse caso, existem infinitas soluções, chamadas ternos pitagóricos.

No entanto, uma obra matemática muito famosa nos diz que a maioria das equações diofantinas tem um número finito77 casinosoluções ou não tem nenhuma. Graças a isso, se poderia pensar que todas as soluções podem ser encontradas usando um método77 casinobusca sistemática. Você começa testando com números pequenos e acabará encontrando todas as soluções.

O problema é que para fazer essa busca sistemática você tem que ter algum resultado matemático que limite o tamanho máximo das soluções, que diga a você: "Se você checou até aqui e não encontrou a solução, então não há solução". O que você precisa é77 casinoum limite superior e77 casinomuitas equações diofantinas ele pode ser obtido graças à conjectura abc.

Para explicar a conjectura abc, temos que lembrar a fatoração77 casinonúmeros inteiros. Todo número inteiro pode ser fatorado como um produto77 casinonúmeros primos, sendo estes os números cujo único divisor são eles próprios e, é claro, um, que descartamos.

Por exemplo, o número 12 pode ser fatorado como 2 · 2 · 3 = 2² · 3, ou o número 198 como 2 · 3 · 3 · 11 = 2 · 3² · 11. Muitos números têm muitos fatores primos pequenos repetidos muitas vezes.

A conjectura abc afirma que para três números tais que a + b = c, se os números a e b têm um grande número77 casinofatores primos pequenos, diferentes entre a e b, então o número c terá algum fator primo muito grande.

Por exemplo, na soma 2⁵ · 3¹⁸ + 5⁶ · 7¹⁰ · 23² = 11⁹ · 691 · 1433, o resultado tem um fator primo muito grande, 1433,77 casinocomparação com os fatores primos somados.

Este resultado permite limitar o tamanho das raízes77 casinomuitas equações diofantinas, pois permite limitar o tamanho dos fatores primos das somas a partir dos77 casinosuas parcelas.

Há outras maneiras77 casinoformular a conjectura abc. O mais relevante é que,77 casinogeral, é muito difícil relacionar o resultado77 casinouma soma com o produto77 casinoseus fatores primos. Os resultados que alcançam isso, como a conjectura abc, nos oferecem uma relação muito útil para resolver muitos problemas matemáticos.

Portanto, a demonstração da conjectura abc terá um grande impacto no campo da teoria dos números.

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