Dia do Trabalhador ou Dia do Trabalho? Como o Primeirojogo betâniaMaio foi 'apropriado' por Getúlio Vargas:jogo betânia
"No projeto getulista, a manifestação que era dos trabalhadores, revolucionários, para exigir direitos, se transformoujogo betâniauma festa do trabalho, na qual se homenageia não exatamente o trabalhador mas sim a categoria básica do mundo capitalista e do estado autoritáriojogo betâniaVargas: o trabalho", diz à BBC News Brasil o historiador, sociólogo e antropólogo Claudio Bertolli Filho, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autor de, entre outros livros, A República Velha e a Revoluçãojogo betânia30.
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"Aí passamos a ver celebrações com a bandeira nacional, não mais a bandeira internacional comunista, não mais a bandeira do anarquismo. O papel que Vargas exerceu dentro dajogo betâniaperspectiva populista foi instaurar o Primeirojogo betâniaMaio como uma formajogo betâniadomínio dos trabalhadores, sutilmente, subvertendo a ordem. O trabalhador, antes livre, a partirjogo betâniaentão passava a ser um trabalhador normatizado, legislado pelo Estado. Que, com isso, dominava o trabalho."
Argumentos para isso não faltavam ao governo federal. Foi no governo Vargas, afinal, ejogo betâniaum Primeirojogo betâniaMaio, que foi criada e sancionada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),jogo betânia1943.
Unificando e atualizando toda a legislação trabalhista então existente no Brasil, o decretojogo betânia922 artigos passou a abranger direitosjogo betâniaboa parte dos trabalhadores, com determinações sobre duração da jornada, férias, segurança do trabalho, previdência social e férias — além da fixação do salário mínimo.
Antes da lei
Os primeiros registrosjogo betâniacelebração aos trabalhadores no Brasil não ocorreramjogo betâniaum Primeirojogo betâniaMaio, mas simjogo betâniaum 14jogo betâniajulho. A explicação está na memória da Revolução Francesa.
Em artigo publicado pela Revista Brasileirajogo betâniaHistória,jogo betânia2011, a historiadora Isabel Bilhão, atualmente professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), escreveu que "no caso nacional, as primeiras comemorações da data, realizadas na cidade do Riojogo betâniaJaneiro, a partirjogo betânia1891, por iniciativajogo betâniamilitantes socialistas, mantinham essa postura e, não raras vezes, tornavam-se também atos patrióticos,jogo betâniaapoio à jovem República [proclamada dois anos antes]."
"Resumidamente", explicou ela, "poderíamos dizer que, numa primeira fase, situada entre a última década do século 19 e os anos iniciais do século 20, a exemplo da versão social-democrata internacional, as manifestações mesclavam caráter festivo ejogo betâniaprotestos, apresentando o dia como o grande feriado da confraternização universal, instituídojogo betânia14jogo betâniajulhojogo betânia1889, quando se comemorava o centenário da tomada da Bastilha."
Mas o Primeirojogo betâniaMaio também ecoava. Depois da fama alcançada pelos operáriosjogo betâniaChicago, manifestações na data passaram a se espalhar pelo mundo.
No Brasil, há indíciosjogo betâniaprotestos pontuais realizados ainda no fim do século 19. "Tem-se o registrojogo betâniaque a primeira celebração do tipo ocorreujogo betâniaSantosjogo betânia1895, por iniciativa do Centro Socialistajogo betâniaSantos junto aos trabalhadores portuários", afirma à BBC News Brasil Paulo Rezzutti, pesquisador do Instituto Histórico e Geográficojogo betâniaSão Paulo.
Na bagagem, os imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no processojogo betâniasubstituição da mão-de-obra escrava, a partir da Lei Áurea (1888) e até as primeiras décadas do século 20, trouxeram também as ideias anarquistas, comunistas e socialistas então pulverizadas no Velho Mundo.
"É o começo da questão trabalhadora no Brasil, com greves acontecendo, principalmentejogo betâniaSão Paulo", complementa Rezzutti.
O maior exemplo foi a Greve Geraljogo betânia1917, ocorridajogo betâniajulho daquele ano na capital paulista e considerada a primeira paralisação geral da história do Brasil, com adesão estimadajogo betânia70 mil pessoas.
Artur Bernardes
"O poder sempre quis cooptar os trabalhadores. Até final dos anos 1910, os trabalhadores — não havia a efetiva legalização dos sindicatos — iam para o enfrentamento com os patrões — e o Estado — com a cara e a coragem. É o grande momento dos anarquistas, vide as grevesjogo betânia1917 e 1919. Com a repressão, e expulsãojogo betâniaestrangeiros, o movimento arrefeceu", afirma à BBC News Brasil o historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federaljogo betâniaSão Carlos (Ufscar) e autor de, entre outros, O Nascimento da República no Brasil.
Presidente do Brasil entre 1922 e 1926, o mineiro Artur Bernardes "impôs uma reforma constitucional", conforme assinala Villa. E começou a tentar contornar, apaziguar e normatizar essas questões trabalhistas.
"Em 1923, por exemplo, foi decretada uma lei, resultadojogo betâniapressão por parte dos trabalhadores que começou a garantir caixajogo betâniaassistência médica e aposentadoria para os ferroviários", menciona Bertolli. "Sobretudo havia uma pressão,jogo betâniainspiração anarquista e comunista, dos trabalhadores ao governo."
A instauração do feriadojogo betâniaPrimeirojogo betâniaMaio veio nesse governo, por decretojogo betânia26jogo betâniasetembrojogo betânia1924.
"Artigo único: é considerado feriado nacional o dia 1jogo betâniamaio, consagrado à confraternidade universal das classes operárias e à comemoração dos mártires do trabalho; revogadas as disposiçõesjogo betâniacontrário", diz o documento.
"O governo Artur Bernardes deu umas guinadasjogo betâniafavor do trabalhador. Houve a regulamentaçãojogo betâniaférias remuneradas, mas tudo ainda muito incipiente, sem nem ter mecanismos para fiscalizar se as empresas cumpriam ou não", comenta Rezzutti.
"Mas foi no governo dele que acabou sendo criado o Dia do Trabalhador. A data era vista como formajogo betâniaprotesto, com piquetes, manifestações, greves, um montejogo betâniaquestões envolvendo os direitos dos trabalhadores, aquilo que os trabalhadores queriam reivindicar."
Vargas e as leis trabalhistas
Se Getúlio Vargas entrou para a história como o "pai das leis do trabalho", pode-se afirmar que,jogo betâniarelação ao trabalhador ele teve uma postura mais autoritária do que paterna. E isso se refletiu na maneira como ele lidou com o Primeirojogo betâniaMaio.
"Getúlio Vargas não mudou o decretojogo betânia1924, mas atribuiu outro sentido à data", explica à BBC News Brasil o historiador Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão.
"Ele incorporou a bandeira e rompeu com a oposição trabalhador-patrão, colocando todo mundo no mesmo feixe e trazendo para dentro do Estado as bandeiras do trabalho, como formajogo betâniaesvaziar o movimento trabalhista dissonante. O trabalhismo da época dele foi um sindicalismo alternativo ao anarcossindicalismo, às correntes socialistas. Justamente porque trazia para dentro do Estado essa indissociação entre governo e trabalhador."
"É importante salientar a tentativa dos governosjogo betâniaBernardes e Vargasjogo betâniater controle sobre a data,jogo betâniaum momentojogo betâniaexpansãojogo betâniamovimentos anarquistas e socialistas. Trazer a data para o calendário nacional era, obviamente, uma formajogo betâniaordenar o que comemorar, evitando e combatendo leituras dissonantes, do pontojogo betâniavista da ordem capitalista", acrescenta Galves.
"Com Vargas, a data se transformajogo betâniaespetáculo. Nesse sentido, talvez seja curioso ressaltar o fato de, a cada Primeirojogo betâniaMaio, Vargas anunciar o valor do novo salário mínimo, concedido pelo líder, e não negociado com instâncias sindicais. Esse caráterjogo betâniadádiva expressa o espíritojogo betâniaordenamento da data."
A inversão estava justamente no protagonismo. Populista, Vargas se colocou como alguém que concedia os direitos — como se esses não fossem, por essência, resultadojogo betânialutas e aspirações do povo. "Ele resolveu,jogo betâniacerta maneira, acabar com essa carajogo betâniareivindicação que havia no Dia do Trabalho. Para tanto, reforçou a datajogo betâniaforma a transformá-lajogo betâniaalgo chapa-branca", complementa Rezzutti.
"Virou um diajogo betâniafesta,jogo betâniadesfile, uma coisa cívica e não mais uma luta pelos direitos trabalhistas. Na cabeçajogo betâniaVargas, não fazia sentido lutar por direitos trabalhistas, afinal, 'ele já tinha dado um montejogo betâniacoisas' para o trabalhador. Há uma mudançajogo betâniasemântica:jogo betâniatrabalhador para o trabalho. 'É horajogo betâniahomenagear o trabalho, já que todo mundo tem trabalho', pensava-se."
É nesse contexto que surge o conceitojogo betâniapeleguismo, afinal, o meio que o governo usou para controlar as organizações sindicais.
"O projeto getulistajogo betâniamodernização do Brasil, incentivando a industrialização, baseava-se em,jogo betâniaum lado, enfatizar a importância e o papel do trabalhador; por outro, era preciso docilizar e manipular a massajogo betâniatrabalhadores que estava se constituindo", explica Bertolli.
Isso foi feito à moda do pão e circo. De um lado, o salário mínimo e a CLT. De outro, as festividades. "Emjogo betâniaperspectivajogo betâniadomar esse trabalhador, o governo começou a investir numa redefinição da festa dos trabalhadores. Se essas celebrações haviam começadojogo betâniaSão Paulo com os anarquistas,jogo betâniaforma livre, independente e patrocinada pelos próprios trabalhadores e suas associações, Getúlio Vargas começou com a ideiajogo betâniaeventos festivos. Ele domesticou o Primeirojogo betâniaMaio e o Estado passou a participar do evento", conta Bertolli.
"Um dos caras que cantavam muito nessas festas era um mocinho proletário que depois ganharia fama. Seu nome era Vicente Celestino."
Era um tempojogo betâniaconstruçãojogo betânianarrativas e reforços ao imaginário público, a propaganda era a chave. "Entre 1930 e 1945 circularam no Brasil, então governado por Getúlio Vargas, as mais diferentes formasjogo betâniapropaganda política que, produzidas pelo poder instituído, tinham como objetivo promover heróis e incriminar os inimigos do regime. Álbunsjogo betâniafigurinhas ejogo betâniafotografias exaltavam as lideranças brasileiras, assim como os feitos do Terceiro Reich, admirado por suas conquistas", descreve a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Universidadejogo betâniaSão Paulo (USP) no livro, ainda inédito, 'Panfletos Subversivos'.
"A narrativa oficial pautava-se pela presença jogo betâniaVargasjogo betâniatodos os círculos das esferas públicas, destacado inicialmente como revolucionáriojogo betânia1930, depois como 'trabalhador n.1 do Brasil' e, finalmente, como presidente eleito pelo povo, apesar do golpe ditatorialjogo betânia1937. Dessa forma vislumbramos nos impressos daquele período um conjuntojogo betânianarrativas e imagens que estavamjogo betâniasintonia com o ideário estadonovista."
Despolitização da data
Esse caráter apolítico da data foi se tornando praxe, cada vez mais. "Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, legalizou os sindicatos e atrelou os trabalhadores ao Estado — e a ele,jogo betâniaparticular. O Primeirojogo betâniaMaio foi transformadojogo betâniacerimôniajogo betâniaEstado. E, claro, do dirigentes sindicais pelegos", contextualiza Villa.
"Historicamente o Primeirojogo betâniaMaio é um diajogo betânialuta dos trabalhadores. A data, no Brasil foi perdendo força — na Europa, hoje, também. A mudança do padrãojogo betâniaacumulação capitalista pode explicar este fato, lá e aqui. E 'aqui' porque a decadência veio antes do auge, coisas do Brasil."
Nas últimas décadas isso ficou claro com festas do Primeirojogo betâniaMaio que mais se assemelhavam a show do que a manifestações operárias.
"O que Vargas fez se parece muito com aquilo que foi recuperado, sobretudo com o governo do PT: era festa", compara Bertolli. "Antes, a partir do fim dos anos 1990, houve esse resgate: tinha evento com sorteiojogo betâniacarro, essas coisas. O caráter despolitizante da festa é uma característica do festejo no Brasil das últimas décadas", complementa Galves.
"O Primeirojogo betâniaMaio é cada vez menos um festejo político e cada vez mais um feriadojogo betânialazer,jogo betâniadescanso", define Galves.