De envenenamento a desorientação durante o voo, como os agrotóxicos afetam pássaros e abelhas:
Organismos da mesma família das pragas, por exemplo, por serem biologicamente similares, também podem ser atingidos pelos defensivos agrícolas e ter o mesmo destino.
É o que acontece com a lagarta da soja – centenasmariposas parentes dela são envenenadas. Mas o mais grave é que muitos herbicidas, inseticidas e fungicidas atuamprocessos comuns aos seres vivos.
"Algumas moléculas agem no processo da divisão celular, outras no processo da respiração celular e outras no transporteíons através da membrana celular. Existe um potencial enormemoléculas (das substâncias químicas) afetarem as espécies não-alvo porque todos os organismos necessitam desses três processos", explica.
Encontrar espécies não-alvo mortas, inclusive predadores naturais das pragas, faz parte da rotinaquem trabalhacampos agrícolas pulverizados com agrotóxicos. Mesmo quando a dose é insuficiente para matá-las, elas podem ter sequelas como a diminuição da fecundidade, malformações no desenvolvimento, alterações comportamentais e perturbações hormonais.
"Um pesquisador da Universidade da Califórnia descobriu anos atrás que o herbicida Atrazina, um dos mais usados no mundo, é capaztransformar girinos geneticamente machosfêmeas numa concentraçãouma parte por bilhão. Mesmo que aquele indivíduo não morra no curto prazo, a população morre no médio prazo porque, se deixater reprodução, entracolapso", afirma Schiesari.
No entanto, fabricantes garantem que esses produtos, principalmente os mais novos, passam por pesquisas minuciosas para que sejam eficientes no controlepragas, doenças e ervas daninhas, e ambientalmente seguros.
"Vários estudos são realizados desde o início do descobrimento, verificandoviabilidade atravésestudos preliminares. As empresas começam com cerca160 mil moléculas, mas no finalquatro anos restam apenas cinco que seguirão os próximos estágiosdesenvolvimento", afirma Andreia Ferraz, gerenteciência regulatória da Associação NacionalDefesa Vegetal (ANDEF).
"Essas moléculas, para seguirem, passam por diversos estudos toxicológicos e crônicos, e por outros que permitem caracterizar tanto o destino ambiental, bem como os efeitos para organismos não-alvo."
Cerco fechado para as abelhas
O fenômeno do declínio populacionalabelhasconexão com o usoagrotóxicos vem sendo acompanhadoperto por vários países e comprovado por pesquisas como o relatório divulgado pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) no início2018.
Após analisar mais1,5 mil estudos sobre os neonicotinoides (agrotóxicos derivados da nicotina), o órgão afirmou que os danos que o agrotóxico causa nas abelhas variamacordo com a espécie, a utilização e a viaexposição, masmodo geral representa riscos para todas.
Pesquisas anteriores tinham revelado que o composto químico neurotóxico danifica a memória do inseto – ao sair para buscar alimento, ele se perde e não consegue voltar para a colmeia – alémprovocar a morte precoceabelhas rainhas e operárias.
A substância também foi considerada vilã das abelhas por pesquisadores da UniversidadeNeuchâtel, na Suíça,estudo publicado na revista Science. Foram encontrados traçospelo menos um tiponeonicotinoide75% das amostrasmel coletadastodo o mundo.
Diante das evidências, recentemente a União Europeia proibiu três inseticidas da classe desse agrotóxico: imidacloprido, clotianidina e tiametoxam.
Fungicidas também podem ser fatais para o inseto, segundo pesquisadores, já que alguns fungos mantêm relações simbióticas com as abelhas.
Outros fatores, como doenças comuns e o desmatamento também podem ameaçar as colônias. Neste último caso, quando abre-se caminho para o plantiograndes planações, as abelhas acabam se alimentando apenasum tipopólen enéctar disponível nesses cultivos. Por causa disso, acabam enfraquecendo por deficiência nutricional.
Pesquisa inédita com abelhas no Brasil
No Brasil, cientistas também observaram a mortalidadeabelhas intoxicadas por defensivos agrícolas.
"Os inseticidas foram desenvolvidos para matar insetos, e a abelha é um inseto. Se ela se aproxima, vai ocorrer mortalidade. É um problema bastante sério no EstadoSão Paulo. Não que não aconteçaoutros Estados do Brasil, masSão Paulo nós temos registro", adverte Roberta Nocelli, professora da Universidade FederalSão Carlos (UFSCar), que desenvolve pesquisasecotoxicologiaabelhas.
O registro que ela menciona é uma pesquisa inédita no Brasil realizada pelo Projeto Colmeia Viva com participação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da UFSCar. Para fazer o MapeamentoAbelhas Participativo (MAP), especialistas estiveramapiários entre agosto2014 e agosto2017, com o objetivoaveriguar a relação da agricultura e apicultura e a aplicaçãoagrotóxicos.
Das 107 visitas feitascampo, 88 possibilitaram essa análise. Foi encontrada a presençainseticidas neonicotinoides,pirazol etriazol59 casos, dentro e fora das culturas agrícolas (por exemplo, quando as abelhas buscam água e alimentoáreascriaçãogado).
Os casosmortalidade do inseto por uso incorretoagroquímicos nas lavouras representaram 35,59% das amostras coletadas.
Esses dados se referem à espécie Apis Mellifera africanizada (uma misturasubespécies europeias e africanas), conhecida como "abelha que produz mel". As abelhas que têm origem brasileira não foram analisadas.
"Não podemos mensurar o impacto das abelhas que estão nas matas. Mas, pelas medições que fazemos com a Apis Mellifera, estimamos que a mesma coisa esteja acontecendo com as colmeias das colôniasabelhas nativas. São aproximadamente 3 mil espécies não pesquisadas", afirma Nocelli.
O perigoextinção das abelhas assusta porque o inseto desempenha um papel fundamental na produçãoalimentos. "É importante pensarmos que a produção depende do polinizadorboa parte das culturas. E a abelha é o polinizador mais importante, porque é responsável pela polinizaçãomais70% das plantas com flores."
Mudanças na legislaçãoagrotóxicos
Quando os agrotóxicos causam o enfraquecimento ou a morteanimais polinizadores, as colheitas são menos fartas. Por outro lado, se eles forem retirados das lavouras, as pragas são capazesdestruir safras inteiras.
Por isso, não é o fim completo do usoagrotóxicos que a maioria dos biólogos e grupos ambientais defende, mas sim um uso mais responsável desses produtos e a adoçãoformascontrole que não agridam o meio ambiente, como o manejo integradopragas, sempre que possível.
O Brasil é o país um dos países que consome o maior volumeagrotóxicos no mundo. E, para os ambientalistas, o consumo tende a aumentar com o ProjetoLei 6.299/2002, que muda as regrasfiscalização e aplicação das substâncias.
Se aprovado, o projeto centralizará a responsabilidadeliberar ou não novos agrotóxicos – que hoje é dividida entre os ministériosAgricultura, Meio Ambiente (por meio do Ibama) e Saúde (pela da Anvisa) – no Ministério da Agricultura. O Ibama e a Anvisa continuarão fazendo análises sobre o meio ambiente e a saúde humana, mas a decisão final caberá à pasta.
Segundo Marisa Zerbetto, coordenadora-geralAvaliação e ControleSubstâncias Químicas do Ibama, isso seria um golpe duro para a fauna, a flora e a saúde humana.
"A mudança proposta pode trazer inúmeros riscos ao meio ambiente ao tornar ineficaz uma políticaminimização dos efeitos da utilização dos agrotóxicos. O projetolei sobrepõe interesses econômicos aosproteção à vidatodas as suas formas, à saúde pública e à qualidade ambiental."
Mas, para Marcelo Morandi, chefe da Embrapa Meio Ambiente, o projetolei traz avanços para resolver problemas da legislação atual. Um deles é a dependênciaprotocolos distintos do Ministério da Agricultura, do Ibama e da Anvisa para o registronovos agrotóxicos, o que, segundo ele, faz com que o processo caminheforma muito lenta.
O PL estabelece um prazo máximodois anos para que essa análise ocorra, diferentemente da lei atual, que permite que a avaliação seja concluídaaté oito anos. "A questãounificar o processo é um ganho muito importante. Não é tirar o papelnenhum dos três órgãos. Isso vai continuar acontecendo. O grande avanço é a unificação desse processo no sentido do trâmite."
Para ele, outro ponto positivo é a substituição da análiseperigo, adotada hoje, pela análiserisco, proposta no projetolei. Em vezproibir os produtos pela simples identificação do perigouma substância (de causar câncer, por exemplo), haverá a possibilidaderegistro após uma avaliação que aponte possíveis doses seguras. Pelo texto, serão proibidos produtos que apresentem "risco inaceitável" para o ser humano e o meio ambiente.
"A análiserisco dá um panorama muito maiorqual é a segurança dos produtos. Em relação ao grauconservadorismo que será adotado, cada país estabelece o seu."
Como agrotóxicos são aprovados?
Mas enquanto o PL não é votado no plenário da Câmara dos Deputados, as regras antigas continuam valendo. Atualmente, os agrotóxicos passam por uma longa avaliação antesserem liberados para a comercialização.
"A partir do conhecimento que obtemos sobre o agente químico, físico ou biológico destinado ao controleum organismo considerado nocivo, são delimitadas as doses, o modo e a frequênciaaplicação dele e os cuidados a serem adotados para a minimização dos efeitos sobre organismos não-alvo durante e após aaplicação. Também são estabelecidas as restrições ao uso que se fizerem necessárias", explica Marisa Zerbetto.
Para determinar o grautoxicidade dessas substâncias, são examinadas espécies não-alvo e realizados estudospersistência ambiental do agrotóxico esua mobilidadesolo - ou seja, quando tempo ele permanece na natureza e se pode ser levado para lençóis freáticos, por exemplo.
Os testes são feitos com espécies padronizadas internacionalmente, algo que o Ibama quer mudar buscando parcerias para pesquisar organismos específicos da fauna brasileira nas diferentes regiões agrícolas.
Feita a análise, os agrotóxicos recebem classificação 1, 2, 3 ou 4, sendo os enquadrados na classe 1 os mais perigosos. A fiscalização desses produtos é feita tanto pelos Estados quanto por órgãos federais.
O mal que os agroquímicos podem causar dependesua toxicidade, da dose aplicada e da duração deles no ambiente, ressalta Zerbetto.
Por isso, ela diz, é importante seguir as informações contidas nos rótulos e bulas e não utilizar o controle químicocultivos onde as pragas ainda não estão presentes. Bom senso também é importante. No caso das abelhas, por exemplo, jamais se deve pulverizar defensivos agrícolas durante a florada ou quando elas estiverem buscando alimento nas lavouras.
Marcelo Morandi diz que os agrotóxicos novos que estãofaseanálise são menos nocivos que os utilizados atualmente no país. "Eles são menos tóxicos e mais eficientes do que os antigos, que não são tirados do mercado por não terem substitutos."
Segundo Silvia Fagnani, diretora-executiva do Sindicato Nacional da IndústriaProdutos para Defesa Vegetal (Sindiveg), é importante que os agrotóxicos sejam usados corretamente para a praga e a cultura.
"O setordefesa vegetal acredita no equilíbrio entre usodefensivos agrícolas, a produção agrícola e as espécies não-alvo. Ou seja, é possível que insetos e as práticas agrícolas convivam sem danos às espécies não-alvo."