A história do brasileiro negro e nordestino que impressionou Ho Chi Minh:
Ele narra que, após uma sérieprotestos no país, foi realizado um novo julgamento no qual Pernambuco foi absolvido.
"O veredicto foi recebido com uma torrenteaplausos. E José, o grevista negro, deixou-se cair nos braçosseus companheiros e defensores, os delegadostrabalhadores brancos. Pois, apesar da multiplicidadecores, existem apenas duas raças no universo: a dos exploradores e a dos explorados. E há apenas uma verdadeira fraternidade: a fraternidade proletária", escreveu Ho sobre José Leandro da Silva.
Greve dentroum navio
O início do século 20 no Brasil foi um período marcado por grandes conflitos nas relações sociais. A chegadaestrangeiros para substituir a mãoobra escrava nas fazendas e, posteriormente, nas cidades também trouxe ao país novas ideias políticas que acabaram por mudar as relações trabalhistas na época.
"Esses estrangeiros vêm ao Brasil com uma experiênciamovimento socialista e encontram aqui espaço para desenvolver esse trabalho. Tanto que as forçasrepressão do Estado brasileiro vão dizer que o movimento não é brasileiro", disse Silvio Gallo, professor-doutor da Universidade EstadualCampinas (Unicamp).
Nesse contexto, trabalhadoresum dos navios da CompanhiaNavegação Lloyd Brasileiro, estacionado no RioJaneiro, decidiram entrargreve1921 por melhorias das condiçõesvida a bordo. Estavam fartostolerar "um regimeescravos" dentro dos navios, afirma Hamilton Santos, doutorandohistória pela UFRJ.
Em fevereiro, a paralisação dos trabalhadores do navio ganhou força e se alastrou. "Numerosos operários da Companhia Cantareira abandonaram o trabalho e declararam-se solidários ao movimento", noticiou a Folha da Noite.
O governo brasileiro recomendou à polícia força máxima para conter os grevistas. Enviou o navioguerra Piauí para intimidar o movimento.
José Leandro da Silva era taifeiro - responsável pela limpezacamarotes eáreas comuns dos navios.
Comoção nos movimentos sociais
No dia 4março1921, ele tentou convencer outros marítimos a paralisar as atividades. Pernambuco acabou entrandoconfronto com policiais que tentavam o impedir, jogando um deles ao mar. Ao se defender, também feriu outros com uma faca.
O grevista foi espancado por demais agentes e acabou gravemente ferido com cerca17 projéteis no corpo, segundo o texto escrito por Ho Chi Minh.
Apesar dos ferimentos, Pernambuco conseguiu sobreviver e foi preso. A notícia do ocorrido ocupou as manchetes do país, reforçando a ótica policial e desfavorável a José Leandro.
"O taifeiro [José Leandro] foi apresentado como uma figura ameaçadora da ordem social harmônica. [Ele era representado como uma figura] bestial, descontrolada, com poderviolência superior ao dos agentes da repressão estatal", diz Hamilton Santos.
Pernambuco foi condenado a 30 anosprisão pelo ocorrido. A condenação do grevista, no entanto, causou comoção entre os movimentos sociais.
Diversos esforços para arrecadaçãorecursos para o pagamentoadvogados foram feitos e, cercatrês anos após o ocorrido, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu um habeas corpus a José Leandro.
Logo depois, um novo julgamento foi marcado no Tribunal do Júri no qual Pernambuco foi absolvido pela Justiça1924. Movimentos sociais comemoraram o resultado nas ruas.
Ho Chi Minh no Brasil
Não há dados oficiais ou registros históricos, mas biógrafos dizem que Ho Chi Minh (1890-1969) esteve no Brasil provavelmente1912.
Ainda com o nomeNguyen Tac Thanh (Ho Chi Minh quer dizer "aquele que ilumina" e foi adotado anos depois), o líder da unificação do Vietnã e das guerras contra a França e EUA viuperto os conflitos sociaisum país que ainda respirava os aresum longo períodoescravidão e era influenciado pelos novos ventosdisputas sociais no começo do século 20.
Ho trabalhava na época como ajudantecozinhaum navio francês chamado Admiral Tréville. Durante uma viagem à América do Sul, ficou doente e foi deixado no Brasil pela tripulação para trataruma doença que não foi especificada por historiadores.
Nos cercatrês mesesque aguardou a nova passagem do navio, Ho sobreviveu atuando como ajudantecozinhaum restaurante que ficavaum hotel da Lapa.
"Ho Chi Minh moravaSanta Teresa,uma pensão, trabalhava na Lapa e constantemente ia para o porto do Rio para ter notícias do navio que o levaria a continuar viagem", disse Ariel Seleme, emissário diplomático brasileiro que morouHanói e estudou a passagemHo pelo Brasil.
Não há registros, porém,um encontro entre Ho e Pernambuco - mesmo que possam ter frequentado os mesmos locais no RioJaneiro na mesma época.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o mais provável é que Ho Chi Minh tenha ficado sabendo da mobilização dos trabalhadoresprolJosé Leandro por meioAstrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Ho e Pereira se encontraramMoscou para discussões acerca do movimento revolucionário1924.
"O artigo do Ho Chi Minh foi publicado1924, justamente depois do desfecho vitorioso [de José Leandro] e na ocasiãoque Ho encontrou-se com o Astrojildo Pereira na União Soviética, porque os brasileiros estavam lá para oficializar o PCB. Muito provavelmente eles é que levaram a notícia do que tinha acabadoocorrer no Brasil. Nesse momento Ho publicava crônicas sobre a luta dos trabalhadorestodo mundo, e publicou essa sobre os marinheiros do Rio", afirmou o historiador Rafael Galante.
Segundo Pierre Brocheux, biógrafo francêsHo Chi Minh, as viagens do líder vietnamita, incluindo ao Brasil, moldarampersonalidade.
"Ho Chi Minh viajou ao redor do mundo não como turista, mas como marinheiro e descobridor. Portanto, ele observou atentamente o mundo e os povos, mas ao mesmo tempo construiu laços abertos e amigáveis. Ele se comportou assim não apenas com os trabalhadores, mas também com os intelectuais e artistas", disse Brocheux.
"Depoissuas viagens, ele não se tornou um extremista, mas um pragmático com uma visão mais clara das coisas e dos homens. Portanto, ele estava convencidoque o socialismo era o futuro da humanidade, mas também disse que 'para construir o socialismo deve haver socialistas'", completou.
Intervenção artística
O pesquisador e produtor Pedro Rajão pretende reviver a figuraJosé Leandro por meio da arte na cidade - mais especificamentealgum muro próximo dos Arcos da Lapa, onde tanto José Leandro quanto Ho Chi Minh estiveram.
Rajão comanda o projeto Negro Muro, que busca homenagear personagens negros históricos com intervenções artísticas no Rio.
"José Leandro é uma figura negra completamente desconhecida e com uma história cinematográfica. Queria fazer uma homenagem ao Pernambuco, na qual Ho Chi Minh aparecesse também como líder e pessoa influente que foi", disse.
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