A conturbada vidabet365 botJoão Cândido, líder da Revolta da Chibata preso, expulso da Marinha e internado como louco:bet365 bot

João Cândido

Crédito, Arquivo Geral da Cidade do Riobet365 botJaneiro

Legenda da foto, João Cândido liderou uma revoltabet365 botmaisbet365 bot2.300 marinheirosbet365 bot1910

Aos gritosbet365 bot"Viva a liberdade!" e "Abaixo a chibata!", a marujada içou bandeiras vermelhasbet365 botinsurreição, apontou 80 canhões na direção do Riobet365 botJaneiro e ameaçou bombardear a então capital da República, caso suas exigências não fossem cumpridas: melhores salários, anistia aos revoltosos e, principalmente, o fim dos castigos.

Por essa razão, o motim, que durou apenas cinco dias,bet365 bot22 a 27bet365 botnovembro, entrou para a História como a Revolta da Chibata. "Não podíamos admitir que, na Marinha do Brasil, um homem ainda tirasse a camisa para ser chibatado por outro homem", declarou João Cândido,bet365 botdepoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio,bet365 botmarçobet365 bot1968.

Chibata, nunca mais!

Um tirobet365 botcanhão,bet365 botadvertência, chegou a ser disparado. Atingiu um cortiço e matou duas crianças. Enquanto parte da população fugia apavorada, a outra parte, curiosa, corria para o cais, para assistir ao vaivém dos navios.

Pressionado por políticos da oposição, o recém-empossado presidente da República, o marechal Hermes da Fonseca, aceitou as condições e pôs fim à rebelião.

"João Cândido e os outros marujos, até então anônimos e subalternos, viraram notícia e obrigaram os poderosos a ceder. Durante cinco dias, a capital do Brasil esteve sobbet365 botposse e, na medidabet365 botque conquistaram seu principal objetivo, que era o fim dos castigos corporais, saíram vitoriosos", afirma o historiador Marco Morel, professor da Universidade do Estado do Riobet365 botJaneiro (UERJ), organizador do livro A Revolta da Chibata (2016), escrito pelo seu avô, Edmar Morel, e autor do livro João Cândido - A Luta pelos Direitos Humanos (2008).

Os marinheiros assumiram o comandobet365 botquatro navios

Crédito, Arquivo Geral da Cidade do Riobet365 botJaneiro

Legenda da foto, Os marinheiros assumiram o comandobet365 botquatro navios

Apontado como o líder do movimento, João Cândido passou a conceder entrevistas para os principais jornais da época. "As carnesbet365 botum servidor da pátria só serão cortadas pelas armas dos inimigos, mas nunca pela chibatabet365 botseus irmãos. A chibata avilta", declarou,bet365 bot1910, ao jornal Correio da Manhã.

A trégua, porém, durou pouco. Já no dia seguinte, logo que os rebelados começaram a desembarcar, Hermes da Fonseca voltou atrás. E, por decreto, começou a perseguir todos os que participaram do levante.

"Fisicamente, João Cândido era um gigante, mas nunca abusoubet365 botsua superioridade física. Hábil no uso das palavras, sempre cumpria o que prometera, ao contrário do presidente que, logo que recuperou os navios, traiu os compromissos assumidos", afirma o escritor Alcy Cheuiche, autor do livro João Cândido, o Almirante Negro (2010).

Memórias do cárcere

Dos 2.379 marujos revoltosos, 1.216 foram expulsos da Marinha. Outros 600 foram presos e 105 obrigados a embarcar nos porões do navio Satélite, rumo à Amazônia, para trabalhos forçados na produção da borracha. Catorze deles nunca chegaram ao destino. Foram fuzilados durante a viagem e tiveram seus corpos jogados ao mar.

"A revoltabet365 bot1910 teve o mais infame dos desfechos", escreveu o jornalista Oswaldbet365 botAndrade,bet365 botUm Homem Sem Profissão - Sob as Ordensbet365 botMamãe (1958).

João Cândido foi preso, interrogado e, às vésperas do Natalbet365 bot1910, levado para a Fortalezabet365 botSão José, na Ilha das Cobras (RJ), onde ficava o Batalhão Naval.

Em um calabouço onde só cabiam seis prisioneiros, dividiu a solitária com 17 companheiros. Ali, os marujos ficaram por três dias, sem ter o que comer ou beber e debaixobet365 botum sol escaldante. Sob o pretextobet365 botdesinfetar a cela, imundabet365 botfezes e urina, os carcereiros jogaram cal lá dentro. Apenas dois dos 18 encarcerados sobreviveram: João Cândido e João Avelino Lira,bet365 bot26 anos. Os demais morrerambet365 botfome oubet365 botasfixia.

A odisséiabet365 botJoão Cândido não terminou ali. Em abrilbet365 bot1911, foi mandado para o Hospital Nacional dos Alienados, onde permaneceu por dois meses. Logo, o diretor da instituição, Juliano Moreira, atestou que,bet365 botlouco, João não tinha nada. Liberado, voltou à prisão, onde sobreviveu a uma tentativabet365 botassassinato.

Um ano e meio depois, no dia 29bet365 botnovembrobet365 bot1912, foi levado a julgamento. Apesarbet365 botabsolvido das acusações, foi expulso da Marinha. O apelidobet365 bot"Almirante Negro" quem lhe deu foi o escritor João do Rio, que trabalhava no jornal Gazetabet365 botNotícias.

Um líder nato

Filhobet365 botescravos, João Cândido Felisberto nasceu no dia 24bet365 botjunhobet365 bot1880,bet365 botuma fazendabet365 botEncruzilhada do Sul (RS), a 170 kmbet365 botPorto Alegre. Aos 14 anos, ingressou na Marinha, como grumete (recruta). Como marinheiro, João Cândido navegou por três continentes — Europa, América e África — e aprendeu a operar quase todos os instrumentos a bordo, do leme ao canhão.

"De origem muito pobre, João Cândido não estudou. Mas tinha uma sabedoria e um espíritobet365 botliderança que permitiram que se destacasse na Marinha. Aprendia tudobet365 botolhar", afirma o jornalista Fernando Granato, autor dos livros O Negro da Chibata (2000) e João Cândido (2010), da coleção Retratos do Brasil Negro.

Entre outras expedições, João Cândido participou da missão que,bet365 bot1903, disputou com a Bolívia o território do Acre. À época, contraiu tuberculose e chegou a ficar internado por três meses no Rio. Recuperado, foi mandado para a Inglaterra,bet365 botjulhobet365 bot1909, para aprender a operar o encouraçado Minas Gerais,bet365 botfabricação britânica.

Ao voltar da Europa, depoisbet365 botconversar com marujos ingleses, os mais politizados do mundo, tentou negociar o fim da chibata com o então presidente Nilo Peçanha. Não teve sucesso.

'Quando morreu,bet365 bot1969, João Cândido ainda inspirava medo nas autoridades', afirma o jornalista Fernando Granato

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, 'Quando morreu,bet365 bot1969, João Cândido ainda inspirava medo nas autoridades', afirma o jornalista Fernando Granato

'Velhos amigos'

Ao sair da prisão,bet365 bot30bet365 botdezembrobet365 bot1912, João Cândido passou a fazer biscates e a vender peixes para sobreviver. Durante muitos anos, saíabet365 botcasa à noitinha e só voltava na manhã seguinte.

Foi carregando cestosbet365 botpeixe na Praça 15 que,bet365 bot1937, anônimo e pobre aos 57 anos, conheceu o jornalista Edmar Morel, então repórter do jornal O Globo, que decidiu escreverbet365 botbiografia, A Revolta da Chibata (1959).

"O livro ressuscitou João Cândido, que voltou a ser notícia meio século depoisbet365 botseu feito nas águas da baía da Guanabara. Quando João Cândido faleceu, meu avô foi um dos que carregou seu caixão, sob forte temporal e cercadobet365 botpoliciais. Mais que amigos, tornaram-se parceiros, cúmplices e solidários", afirma Morel.

Em marçobet365 bot1953, quando soube que o Minas Gerais seria vendido como sucata para a Itália, João Cândido subiubet365 botseu modesto caiaque, o Três Marias, e remou até o ancoradouro. Lá, deu um longo beijobet365 botdespedida no seu casco enferrujado.

João Cândido se casou três vezes, com Marieta, Maria Dolores e Ana, e teve 11 filhos. Viveu seus últimos anosbet365 botvidabet365 botSão Joãobet365 botMeriti, na Baixada Fluminense, numa rua sem asfalto, luz elétrica ou água encanada.

"Embora nunca tenha sido castigado na Marinha, meu pai não aceitava que os companheiros fossem torturados. Não foi um atobet365 botheroísmo o que ele fez. Foi um atobet365 bothumanidade", relata o filho Adalberto Cândido, o Candinho,bet365 bot81 anos.

"A maior lição que meu pai deixou foi não abaixar a cabeça para ninguém. E assumir as consequências do que faz", acrescentou.

No dia 6bet365 botdezembrobet365 bot1969, João Cândido, então com 89 anos, deu entrada no Hospital Getúlio Vargas, no Rio, onde morreu dois dias depois,bet365 botcâncer no intestino. No dia do enterro, um grupobet365 botpoliciais, à paisana, compareceu ao cemitério do Caju para fotografar quem estava lá.

"Quando morreu,bet365 bot1969, João Cândido ainda inspirava medo nas autoridades. Passados 50 anos, não teve o reconhecimento merecido. Embora signifique um marco históricobet365 botruptura contra um sistema racista e opressor, a Revolta da Chibata é praticamente desconhecida para a maioria dos brasileiros", afirma Granato.

'O dragão do mar'

João Cândido não foi o único a ser perseguido. Todos aqueles que,bet365 botalguma maneira, prestaram homenagens ao Almirante Negro tiveram que arcar com as consequências.

O humorista Apparício Torelly, o Barãobet365 botItararé, foi um deles. Em outubrobet365 bot1934, decidiu transformar a vidabet365 botJoão Cândidobet365 botfolhetim, A Insurreição dos Marinheirosbet365 bot1910, e publicá-labet365 botsérie no jornal Folha do Povo.

Por volta do 10º capítulo, foi sequestrado e espancado por homens encapuzados. Debochado, passou a pendurar na portabet365 botsua sala na redação do jornal uma placa onde se lia: "Entre sem bater".

O compositor Aldir Blanc passou por perrengue parecido. Em 1970, ele e o parceiro, João Bosco, compuseram a música O Mestre-Sala dos Mares, sucesso na vozbet365 botElis Regina. Os censores implicaram com a letra e levaram Aldir para depor no antigo Palácio do Catete, hoje Museu da República.

"Lá, um policial negro sempre arranjava um jeitobet365 botparar bem pertobet365 botmim: eu, sentado, e ele,bet365 botpé, com o coldre da arma quase encostadobet365 botmeu nariz", recorda o compositor.

Aldir Blanc fez o impossível para a censura liberar a música: "marinheiro" virou "feiticeiro", "negros" cedeu lugar para "santos" e "almirante" foi substituído por "navegante".

"O samba só passou por um truque: um funcionário da então gravadora RCA ensinou que, se mudássemos radicalmente o título, eles não leriam a letra e ela passaria com algumas pequenas alterações, bem doidas. Bolamos, então, 'Mestre-Sala dos Mares' e, como não tinha a palavra negro no título, metemos a bola entre as canetas da censura", gaba-se o compositor.

Turmalina 18-50

De lá para cá, o Almirante Negro já inspirou samba-enredo da União da Ilha, ganhou estátua na Praça 15, recebeu anistia póstuma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, desde o mês passado, é reconhecido como herói do Estado do Riobet365 botJaneiro.

"Por mais que tentassem derrubarbet365 bothistória, João Cândido foi sempre lembrado e festejado como o líderbet365 botcentenasbet365 botmarinheiros negros que deram um basta aos desumanos castigos corporais", afirma o historiador Álvaro Pereira Nascimento, professor da Universidade Federal Rural do Riobet365 botJaneiro (UFRRJ) e autor do livro Cidadania, Cor e Disciplina na Revolta dos Marinheirosbet365 bot1910 (2008).

"Ainda faltam mais biografias e, também, a reparação financeira à famíliabet365 botJoão Cândido e às dos demais marinheiros. Não receberam um centavo após serem ilegalmente perseguidos e expulsos da Marinhabet365 botGuerra entre 1910 e 1912".

A mais recente homenagem a João Cândido partiu do dramaturgo Vinícius Baião. Ele é autor e diretor do espetáculo Turmalina 18-50 - Os Últimos Dias do Almirante Negrobet365 botterra.

O título da peça, encenada pela Cia. Cerne, faz alusão ao último endereço do marinheirobet365 botSão Joãobet365 botMeriti: Rua Turmalina, Lote 18, Quadra 50.

"O reconhecimentobet365 botJoão Cândido está aquém do que deveria ser. Até hoje, os livros didáticos comentam muito superficialmente a Revolta da Chibata e, por esse motivo, muitos brasileiros não sabem quem é e o que fez João Cândido. Ele precisa ser colocado no mesmo panteão dos grandes heróis como Zumbi, Tiradentes ou Dandara", afirma o dramaturgo.

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