‘Um ídolo para eles’: investigação sobre neonazistas revela admiração a autormassacreSuzano:
Depoiscerca15 minutos da invasão à escola, prestes a serem cercados pela polícia, os jovens executaram a segunda parte do plano. Após atirar contra um policial militar à paisana que mora nas proximidades e ouviu os disparos, Taucci matou Castro e cometeu suicídio.
Conversas por aplicativocelular e e-mails encontradas pela Polícia Civil apontam que Taucci foi o idealizador do ataque.
Sua mãe, Tatiana, afirmou ao jornal O Globo após o episódio que o filho "sempre gostou dessas coisasnazismo".
Dias antes do crime, segundo as apurações, Taucci agradeceu pelas dicas que obteveum fórum extremista na deep webque há diversos tipospublicaçõesódio. "Nascemos falhos, mas partiremos como heróis", escreveu o rapaz.
Cercaum ano após a tragédia, uma reportagem da BBC News Brasil mostrou que o túmuloTaucci recebia admiradores que chegavam a acender velas emhomenagem.
Na investigação mais recente sobre grupos neonazistas, conta Gaspar, o nome do jovem apareceu estampadoperfis nas redes sociais, alguns com fotos. Segundo o promotor, são homenagens ao criminoso.
"A gente tá falandouma pessoa que matou alunos, estudantes e funcionáriosuma escola e se tornou ídolo para essas pessoas", lamenta Gaspar.
Diante da violência exaltada por esses grupos, Guilherme Taucci ganha statusídolo.
"Ele é uma espéciemártir para esses grupos, um exemploadoração por ter cometido esse ataque", afirma o promotor.
"É um indíciouma sociedade doente", completa.
Proliferação
Alémexaltar Taucci, a investigação sobre esses grupos também apontou idolatria a Adolf Hitler, compartilhamentosimagens e textoscunho racista, homofóbico, antissemita ou nazista. As apurações identificaram que os integrantes falam abertamente sobre a práticaviolência contra essas populações.
Esse cenário reforça um alerta que tem sido dado por pesquisadores sobre o tema nos últimos anos: o crescimentocélulas (pequenos grupos) neonazistas no Brasil.
Segundo um levantamento feito pela antropóloga Adriana Dias, que pesquisa sobre o tema há cerca20 anos, o númerocélulas nazistas no país teve um salto nos últimos anos: enquanto2015 eram 75,maio deste ano foram encontradas 530.
Dias afirma que essas células têm o objetivodistribuir discursoódio e defender ideologia contra diversos grupos.
"Pode ser contra mulheres, nordestinos, gays, judeu, negro, pessoa com deficiência, entre outros. O objetivo deles é tornar a violência que eles defendem como um fato natural", explica a pesquisadora.
Operação Bergon
Na última quinta-feira (16/12), alguns adolescentes e adultos suspeitosparticipargrupos neonazistas foram alvos da Operação Bergon, coordenada pelo Ministério Público do RioJaneiro (MPRJ), por meio do GrupoAtuação Especializado no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Polícia Civil do RioJaneiro.
Segundo o Gaeco, a investigação começourazãodescobertas feitas após o ataque a uma creche na cidadeSaudades, oesteSanta Catarina,4maio deste ano: três crianças e duas funcionárias foram mortas.
O celular do suspeito do ataque, um rapaz18 anos, foi encaminhado à Homeland Security Investigations (HSI), órgãosegurança dos Estados Unidos. O aparelho passou por perícia e posteriormente as informaçõesinteligência obtidas no telefone foram encaminhadas para as autoridadesSanta Catarina.
A SecretariaSegurançaSanta Catarina repassou os primeiros dados sobre os grupos neonazistas às autoridades do RioJaneiro.
O promotor ressalta que as investigações não confirmaram se o suspeito do massacre na creche, que continua preso, era membro desses grupos. No entanto, por meio da análise do celular dele, explica Gaspar, foi possível chegarmaneira indireta a uma célula neonazista.
"Essa célula não conversou diretamente com o autor do atentado, mas uma pessoa (de Minas Gerais) com quem ele mantinha contato conversava com um membrouma célula neonazista no RioJaneiro", explica o promotor.
Em maio, o suspeito do RioJaneiro foi preso.
"Analisamos o celular dele, com a autorização da Justiça, e verificamos vários gruposWhatsAppque os integrantes cometiam atos preconceituosos sobre religião, cor e tudo mais."
Esses grupos, que se declaram nazistas e ultranacionalistas, praticam e incitam atos criminosos contra diferentes populações. Eles passaram a ser monitorados pelo MPRJ e pela Polícia Civil do RioJaneiro.
As apurações apontaram que esses grupos são compostos por pessoasdiferentes idades, inclusive adolescentes. Os membros compartilham,redes sociais e aplicativosmensagens, diversos tiposconteúdos que divulgam ou instigam atosdiscriminação e preconceito. Há, segundo a investigação, até mesmo conversas sobre compraarmas.
"Não tem somente um modus operandi, porque não existe hierarquia. O nazismo defendido por essas células nem sempre vem com a mesma roupagem. Alguns grupos ultranacionalistas defendem o separatismo, enquanto outros são basicamente racistas. Um pontocomum entre todos é o antissemitismo. Eles realmente têm um ódio gigantesco contra o povo judeu e uma idolatria a Hitler", diz o promotor.
"Esse tipoapologia é considerado crime. A Constituição estabelece a liberdademanifestaçãopensamento, mas não é algo absoluto. Deixaser livre a partir do momentoque existe um abuso da manifestação do pensamento. Quando existe esse abuso através do ódio ou da violência contra populações, a manifestação do pensamento deixaser livre. A própria legislação fala isso", declara Gaspar.
Foram cercasete mesesinvestigação até a Operação Bergon, que recebeu esse nomealusão à freira francesa Denise Bergon, que desafiou o nazismo ao abrigar e salvar dezenascrianças judias durante a Segunda Guerra.
Foram cumpridos quatro mandadosprisão na Bergon: doiscidades do RioJaneiro (Campos dos Goytacazes e Valença) e doisSão Paulo (Campinas e Suzano).
Entre os elementos apreendidos nas casas dos suspeitosintegrar os grupos estavam itens como facas, arco e flechas e livros sobre nazismo.
Também foram cumpridos 31 mandadosbusca e apreensão nos Estados do RioJaneiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Norte.
Uma das características dessas células, segundo o Gaeco, é o aliciamentoadolescentes,muitos casos sem que os pais saibam. Dos mandadosbusca e apreensão cumpridos, oito foramcasajovens com menos18 anos. Nesses casos, os pais demonstraram surpresa ao descobrir que os filhos são suspeitosenvolvimento com grupos neonazistas.
"Isso reforça a necessidadeque os pais acompanhem o que os adolescentes postam nas redes. Os pais não têm conhecimentotudo o que os filhos fazem nas redes sociais", diz Gaspar.
As autoridades que apuram o caso acreditam que as perícias nos celulares apreendidos na quinta-feira devem indicar outros integrantes desses grupos pelo país.
O MPRJ opta por não comentar sobre possíveis ataques combinados por esses grupos. Já a Polícia Civil do RioJaneiro confirmou que um dos suspeitos presos durante a operação confessou que planejava cometer ataquefestasfimanoSão Paulo.
O delegado Adriano França, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) do RioJaneiro, disse durante coletivaimprensa que foram apreendidas armasfogo e bombas caseiras na casa do rapaz.
"O alvo disse que usaria as bombas caseirasuma festafinalano", comentou o delegado, segundo o G1.
As células nazistas no Brasil
As descobertas feitas pela investigação que deu origem à Operação Bergon acendem um importante alerta no Brasil sobre as células neonazistas, que crescemtodo o mundo e causam preocupação.
Em janeiro deste ano, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, apontou que gruposneonazistas, defensores da supremacia branca e os discursosódio estão ressurgindo.
Ele afirmou que esses movimentos estão "se organizando e recrutando, alémsuas fronteiras" e intensificando os esforços para "negar, distorcer e reescrever a história, incluindo o holocausto". Para conter o avanço dessas células, ele defendeu uma aliança global.
A antropóloga Adriana Dias aponta que o Brasil se tornou um solo fértil para esses grupos.
"O que torna o Brasil fértil atualmente? O processodesigualdade social. Não é que sem desigualdade não vai haver isso, mas esses grupos não cresceriam assim se não fosse a desigualdade, porque isso faz com que, principalmente, os membros da classe média baixa criem culpados convenientes para o desastre financeiro que enfrentam", diz.
"Esses culpados por eles,geral, são pessoas depositáriasprocessos governamentaisprioridade, como deficientes, negros, LGBTQIA+, idosos, entre outros. Essas pessoas (das células neonazistas) pensam que esses indivíduos têm mais direitos, mas isso não é verdade, porque na realidade a sociedade está tentando compensar essas minorias que não têm todos os seus direitos", afirma.
Ela acredita também que temas como guerras e o nazismo têm recebido menos atenção nas salasaula.
"No Twitter sempre recebo algum tipopergunta sobre esses temas. Muitas pessoas acham que a Segunda Guerra Mundial ocorreu só na Alemanha, não têm ideiaque a guerraHitler era contra judeus e todo o mundo civilizado", comenta.
A pesquisadora considera que a faltaconhecimento histórico torna os membros dessas células mais fáceisserem cooptados "por esses discursos (de neonazismo)".
A especialista afirma que discursos do presidente Jair Bolsonaro contra minorias, como a população LGBTQIA+ e indígenas, também podem ser apontados como motivos para o crescimento desses grupos no país.
"É um discursoódio contínuo, que funciona como uma fala inflamatória, porque ele tanto permite como legitima esse discurso, torna essas falas imputáveis", afirma Dias.
Por fim, a antropóloga avalia que a Justiça Brasileira não puneforma correta crimes relacionados ao nazismo.
"Embora seja contra a legislação, poucas vezes o nazismo foi criminalizado,fato, no Brasil", declara.
Para Dias, a tendência é que essas células continuem crescendo no país. A pesquisadora afirma que faltam medidas essenciais para conter essa expansão no país, como o ensino adequado sobre diversos temas. E ela ressalta que é preciso oferecer acompanhamento psicológico a crianças e adolescentes.
"Esses garotos jovens que entram nesses grupos têm, normalmente, uma questão muito fortenão adaptabilidade social desde muito jovens. No Brasil não há muito essa figurapsiquiatra infantil ou psicólogo. Os adultos alisam muito as crianças, mas não se preocupam com o acompanhamento delas. A saúde mental também envolve crianças", declara.
"As pessoas precisam levar a sério como elas observam os filhos", completa a pesquisadora.
O promotor Bruno Gaspar considera que ainda há uma longa missão no combate a esses grupos no país e avalia que a operação da semana passada foi uma formamostrar que as autoridades estão atentas ao tema.
"O Ministério Público continuará intransigente na defesa da liberdadeexpressão, sempre na medida da lei e com respeito a quem quer que seja", diz o promotor.
"É inconcebível qualquer tipodiscriminação2021. Ver essas pessoas idolatrando Hitler e o movimento nazista, responsável por milhõesmortes, é assustador", declara Gaspar.
*Colaborou André Vargas,São Paulo
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