Um ano após ataqueescolaSuzano, túmuloassassino recebe visitasadmiradores:
Dias antes, Taucci agradeceu pelas dicas que obteve no fórum da deep web Dogolachan: "Nascemos falhos, mas partiremos como heróis".
Virtualmente impossívelser rastreado, é no Dogolachan que os autoproclamados incels fermentam seu ódio contra mulheres e figurasautoridade, como professores e parentes.
Incel é a contraçãoinglês para "celibatários involuntários", termo com o qual homens jovens, solitários, misóginos e rancorosos costumam se apresentar. Castro também escreveu no mesmo fórum: "Depois estaremos dianteDeus com nossas 7 virgens".
Armados com um revólver, uma machadinha, uma besta com dardos, coquetéis molotov e bombas falsas, os brasileiros estudaram o ataqueColumbine.
Depoiscerca15 minutos, prestes a serem cercados pela polícia, os jovens executaram a segunda parte do plano. Após atirar contra um policial militar à paisana que mora nas proximidades e ouviu os disparos, Taucci matou Castro e cometeu suicídio.
Foi o segundo maior ataqueescolas brasileiras. O maior ocorreu2011, quando 12 crianças foram mortas e 13 ficaram feridas na Escola Municipal Tasso da Silveira,Realengo, no RioJaneiro. O assassino, Wellington MenezesOliveira,23 anos, cometeu suicídio após ser baleado por um policial.
Tiros e golpes
O fascínio por Columbine surgiu2015, quando Taucci e um amigo, que hoje está apreendidouma instituição para menores, conheceram o episódio. Depois, Taucci e Castro elaboraram um ataque reproduzindoparte os passos dos criminosos da escola americana.
Em Columbine, a maioria das mortes ocorreu na biblioteca. Em Suzano, um dos alvos era o prédio do centrolínguas, que recebia jovensoutras escolas. Em Columbine, o professor Dave Sanders foi morto enquanto tentava salvar alunos.
Em Suzano, a professora JussaraMelo conseguiu barrar a entrada do centro enquanto Taucci gritava: "Hoje vai morrer todo mundo". Depois, enquanto recarregava a arma, falava para adolescentes que se abraçavam assustadas: "Não vão chamar a polícia? Estamos atirando".
DianteM.,16 anos, contra quem nutriria algum desafeto, apontou a arma para seu rosto e apertou o gatilho. A munição falhou e ela correu, escapando ilesa. Outros, como Claiton Antônio Ribeiro,17 anos, ficaram paralisadosmedo e acabaram baleados sem chancedefesa.
Dentro do prédio principal, Luiz Henrique Castro atingiu com o machado o aluno José Vitor Lemos, hoje com 19 anos. A lâmina ficou cravadaseu ombro e depois teveser removidauma cirurgia delicada — José Vitor fugiu sozinho da escola e caminhou até um hospital.
Desarmado, Castro tentou agredir R.,15 anos. Praticanteartes marciais, ela o enfrentou e conseguiu fugir pela porta da frente. Outros escaparam pelos fundos. A escola abrigava cerca400 alunos na hora do ataque.
Rede social
Após o atentado e a morte dos perpetradores, postagensrede sociais começaram a preocupar policiais e psicólogos. Em uma trocamensagens aberta, um suposto adolescente comentou com uma jovemSuzano que adotou o sobrenome Taucciseu perfil: "...N faz nem 1 ano que aconteceu e vc tá ameaçando pessoas que estudam la?...". "Só fui visitar", ela respondeu.
Em um post anterior,28maio, dois meses após o massacre, uma imagem feita no portão da escola Raul Brasil mostra a mensagem manuscrita: "F... da p... devem ser baleados". No perfil da jovem, imagensColumbine, da Raul Brasil eTaucci com uma bandanacaveira cobrindo o rosto e segurando o revólver adquirido ilegalmente para o ataque.
Essas atitudes foram o suficiente para alertar psicólogos e investigadorespolícia. A jovem e outros "fãs" do massacre passaram a ser discretamente monitorados, apesaras autoridades não confirmarem nada.
Alguns sãoSuzano e estãoacompanhamento psicológico desde o atentado — nenhum é da escola, apurou a reportagem. A maioria viveoutras cidades e atéoutros Estados. Nas conversas há sempre dois elos: Suzano e Columbine. Em outras mensagens, uma garota comenta, não está claro se sobre Taucci ou Castro: "Esse eu pegava".
Na manhãquarta-feira,Avaré, a 321 quilômetrosSuzano, a polícia deteve três adolescentes que pretendiam atacar a escola municipal do bairro Bonsucesso II no aniversárioum ano dos crimes na Raul Brasil.
A polícia monitorava os adolescentes, dois16 anos e um15 anos, nas redes sociais. Com eles foram encontradas uma carabina com silenciador, três facas, muniçõesrevólver, lâminasbisturi e uma máscara. As autoridades foram avisadas pela direção da escola, que desconfiou dos jovens.
Para o psiquiatra Rodrigo Leite, do InstitutoPsiquiatria do Hospital das ClínicasSão Paulo, é impossível afirmar que tanto os criminosos quanto seus admiradores soframalgum transtorno. "A cultura incel vai demorar para ser devidamente entendida", disse.
Porém, Leite aponta alguns caminhos para esses comportamentos. Os principais seriam a alienação social e o sentimentoforte ressentimento contra o mundo que os cerca, já que esses jovens não teriam habilidades sociais para lidar com a realidade. "Por isso Suzano é um marco para essa cultura. Os assassinos se tornaram célebres e admirados, um fenômeno que ainda é novo no Brasil."
Quem ficou
Enquanto isso,Suzano, as famílias tentam levar a vida. "Meu neto não fala nada, não quer psicólogo e não sei como ele está por dentro. Eu estoutratamento. Tomo remédios e vivo nervosa", diz a aposentada Marina da Conceição Nascimento,59 anos. Ela criou o garoto, hoje com 15 anos, desde que era bebê. Ele frequentava a escola para estudar espanhol e perdeu um amigo e um primo, Caio Oliveira, um ano mais velho.
Após o massacre ele foi viver com o paioutra cidade. O netoMarina foi um dos que ajudaram a professora JussaraMelo a segurar a porta, enquanto os atiradores tentavam entrar.
Esgotada, a professora entrou com pedidoaposentadoria e passou a cuidar da saúde. Ela é acompanhada por um psicólogo e um psiquiatra. "Entendo quem se calou", respondeu à reportagemaplicativomensagem. Ela diz que ninguém quer ficar relembrando, por isso quem esteve mais perto dos assassinos prefere se recolher. "Cada um enfrentouprópria dor", diz.
Essa dor e o receiooutro ataque fizeram com que parte dos alunos da Raul Brasil afirmasse que não iria à aula nem à missa programada para esta sexta-feira (13/03). Para muitos pais, as homenagens só farão os filhos reviver um acontecimento que desejam esquecer.
É uma repetição das críticas feitas um mês após o massacre, quando um show foi organizado. Os pais pedem mais segurança interna e policiamento na rua.
A escola Raul Brasil passa por reformas, deve ganhar portões reforçados, câmeras e ser reaberta entre abril e maio — por enquanto, os alunos foram deslocados para outro bairro. Mesmo assim, é provável que a sensaçãoinsegurança demore muito tempo para passar.
Defesa questiona julgamentoterceiro envolvido
O adolescente que sabia das intenções dos atiradoresSuzano segue apreendidouma instituição para menores infratores. Seu caso e julgamento estãosegredoJustiça, por se tratarum menoridade. Ele segue internado por período indeterminado e,tese, deve ganhar a liberdade ao completar 21 anos, daqui a três anos.
O jovem andaria na companhia dos dois atiradores e esteve com eles na garagem onde guardavam o carro alugado usado no dia. Ao saber do ataque, ele enviou mensagens para Guilherme Taucci:
"C… p… Taucci. Teve um tiroteio dentro d escola v… Mano dois adolescentes. E eles se mataram. Taucci, um dos atiradores tinha um machado igual ao seu. Agora sei que você nunca mais vai fazer aquelas perguntas chatasateu. (risadas) Te odeio."
A seguir,uma conversa com uma professora da escola onde estudava, falouColumbine e não mostrou empatia:
"Professora: O q vc achatd isto
Adolescente: Ele fez oq a gente vivia conversando sobre. Entrou pra história.
[…]
Adolescente: Mas foi o q ele fez. Ele queria imitar um massacre americano Columbine
Professora: Vc n se sente culpado?
Adolescente: Não"
Em trocamensagens18outubro2018, quase cinco meses antes, ele falouplanos:
"Adolescente: […] 1. Iríamos entrar como se nada tivesse acontecido e esperar pelo intervalo. Ai 9:35 meu amigosfora iriam entrar com quem não quer nada 2. eu e o taucci iríamos um pra cada lado com facas eu ia executar os namorados primeiro os que ficam mais escondidos) e ele o povão lá do meio do pátio. 3 - quando a multidão se tocasse os amigosfora iriam abrir fogo (pq a gente tinha um revólver com muita munição, e uma pistola que era do meu pai) 4 - a gente ia deixar as garotas nuas e executar algumas no meio do pátio e deixar o corpouma forma humilhante"
Esses diálogos comprometedores foram usados pela promotoria, porém o advogado do adolescente entrou com recurso junto a Superior TribunalJustiça (STJ), alegando falhas processuais. "O adolescente foi julgado45 dias para dar uma satisfação à sociedade. A defesa não teve acesso ao mesmo material que a acusação", diz seu representante Marcelo Feller, que atua junto à Defensoria Pública. "Sequer conhecemos os laudos", alega.
Não há data estimada para o recurso ser examinado.
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