A freira francesa que desafiou o nazismo e escondeu 83 crianças judias:betano l

Denise Bergon

"Eu estava segurando a mão da minha irmã, mas ela não queria vir junto", relembra Hélène. "Ela queria voltar para a minha mãe. Eu conseguia escutar os alemães falando. Soltei a mão dela, e ela correubetano lvolta."

A mãebetano lHelene e Anne, Cecile Bach
Legenda da foto, A mãebetano lHelene e Anne, Cecile Bach
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Sozinha, Hélène se escondeu até achar que estavabetano lsegurança.

Quando voltou para a casa, encontrou um poucobetano ldinheiro deixado pela mãebetano lcima da mesa.

"Ela sabia que eu ia voltar", diz.

Hélène mudou-se para a casabetano luma amiga ali perto. Ela nunca mais viubetano lmãe oubetano lirmã mais nova.

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Enquanto isso, Annie, 16, também escapava por um triz. Depoisbetano lum ano no campobetano ldetençãobetano lTours, ela fugiu por uma cerca e conseguiu chegar à casabetano luma tiabetano lToulouse. Mas tampouco encontrou segurança: a família da tia não era oficialmente registrada como judaica e podia fingir ser católica, mas esse não era o casobetano lAnnie.

Em um diabetano loutonobetano l1942, a polícia bateu à porta, pedindo os documentosbetano ltodos os presentes.

"A sorte da minha vida é que minha prima havia saído para comprar pão", conta Annie, que pôde se passar pela prima ausente. Na mesma época, chegou uma cartabetano lHélène, ainda escondida com a amiga. A família conseguiu organizar o resgate da menina, com a ajuda da Resistência Francesa, que foi buscá-la.

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'Somos todos da raça humana'

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A situação ficava mais difícil na França. O chamado governobetano lVichy, regime político instaurado no país após a ocupação alemã durante a Segunda Guerra, estabeleceu leis que permitiram que judeus fossem detidos e tivessem seus bens confiscados.

Em 23betano lagostobetano l1942, o cardealbetano lToulouse, Jules-Geraud Saliège, escreveu uma carta para seus clérigos, pedindo que ela fosse recitada nas congregações.

"Na nossa diocese, tem havido cenas comoventes", escreveu. "Crianças, mulheres, homens, pais e mães são tratados como um rebanho. Membrosbetano luma mesma família são separados e enviados a destinos desconhecidos. Os judeus são homens, as judias são mulheres. Eles são parte da raça humana; são nossos irmãos, como tantos outros. Um cristão não pode esquecer isso."

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O cardeal protestavabetano lum momentobetano lque grande parte da cúpula católica francesa permaneciabetano lsilêncio:betano lcem bispos do país, apenas seis falaram publicamente contra o regime nazista.

Mas as palavrasbetano lSaliège ressonaram com uma freirabetano lparticular: Denise Bergon, a jovem madre superiora do Conventobetano lNotre Damebetano lMassipbetano lCapdenac, a 150 kmbetano lToulouse.

"Aquele chamado nos comoveu. (...) Uma resposta favorável àquela carta era um testamento da força da nossa religião, acimabetano lpartidos ebetano lraças", escreveria Denise depois da guerra,betano l1946. "Era também um atobetano lpatriotismo, já que defendendo os oprimidos estávamos desafiando os perseguidores."

Esconderijo para crianças

O convento tinha um colégio interno, e Denise sabia que seria possível esconder as crianças judias entre seus alunos católicos. Seu medo erabetano lcolocarbetano lrisco a vida das demais freiras.

Ela escreveu a Saliège pedindo conselhos. Em seu diário, ela anotou a resposta do cardeal: "Vamos mentir, vamos mentir, minha filha, enquanto estivermos salvando vidas humanas".

Denise Bergon com uma garota, possivelmente Annie
Legenda da foto, Annie e irmã Denise
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No inverno francêsbetano l1942, Denise começou a receber crianças judias que estavam se escondendo na região dos bosques, vales e desfiladeiros próximos a Capdenac, conhecida como L'Aveyron.

Foram, no total, 83 crianças abrigadas no convento, entre elas Annie — depois quebetano ltia achou que não era mais seguro ela ficarbetano lToulouse — e, pouco depois, Hélène, levada diretamente ao local pela Resistência Francesa.

'Ela era como uma mãe'

Hélène finalmente se sentiu segura, embora fortemente emocionada.

"No começo, a senhora Bergon me levou para um quarto e tentou me fazer sentir como se meus pais estivessem lá. Ela era como uma mãe", relembra.

Ao mesmo tempo, Hélène não conseguia pararbetano lpensar na irmã mais nova, Ida.

The courtyard now

"Todo fimbetano ldia, fazíamos primeiro nossa liçãobetano lcasa e daí podíamos sair para brincar. Eu sempre pensava que, se minha irmã não tivesse largado da minha mão, poderia estar ali no convento comigo."

Outro menino judeu abrigado no convento era Albert Seifer, alguns anos mais velho que as irmãs.

"Rodeadosbetano lgrandes muros, nós nos sentíamos como se estivéssemosbetano luma fortaleza", conta ele. "Éramos muito felizes ali. Não sentíamos (que havia) uma guerra, apesar do fatobetano lque estávamos cercados pelo perigo."

Pais e responsáveis pelas crianças costumavam mandar dinheiro, joias ou outros bensbetano lvalor para ajudar a manter as crianças. Denise mantinha registros detalhadosbetano lcada caso.

"Desde 1944, os recolhimentosbetano ljudeus (pelos nazistas) se tornaram mais numerosos", ela escreveriabetano l1946.

"Pedidos vinhambetano ltodos os lados, e recebemos 15 menininhas, algumas das quais haviam escapado miraculosamente da Gestapo (polícia nazista). (...) Elas simplesmente nos tornaram as nossas crianças, e nos comprometemos a enfrentar tudo para que pudéssemos devolvê-lasbetano lsegurança para suas famílias."

Janelabetano ldormitório infantil
Legenda da foto, Uma janela no local que já foi o dormitório infantil

Além da irmã Denise, apenas a diretora da escola, Marguerite Rocques, o capelão e outras duas freiras sabiam da verdadeira origem judaica das crianças. O fatobetano lelas não terem familiaridade com rituais católicos era uma ameaça, mas uma explicação para isso foi inventada.

"Éramos do leste da França, onde havia muitas cidades industriais e trabalhadores comunistas", conta Annie. "Então nos passamos por crianças comunistas que não sabiam nadabetano lreligião."

Quando mais a guerra se prolongava, no entanto, mais perigosa ficava a situação. Denise começou a se preocupar com possíveis desfechos.

"Embora todos os documentos comprometedores e todas as joias das famílias das crianças estejam escondidas nos cantos mais secretos da casa, não nos sentíamos seguras", ela escreveubetano lseu diáriobetano l1946. "Então, tarde da noite, quando todos dormiam, cavamos um buraco no jardim do convento para esconder as coisas, o mais fundo possível."

'Fomos denunciados'

Em maiobetano l1944, membros da elite da SS (ramo militar do Partido Nazista alemão) chegaram à região. Na mesma época, Annie lembra que um membro da Resistência apareceu com um aviso alarmante.

"A campainha tocou, e eu abri", conta ela. "Um jovem apareceu pedindo para falar urgente com a diretora, dizendo que havíamos sido denunciados. Havia corrido a informaçãobetano lque o convento escondia crianças judias."

Annie ao lado do alçapão da capela
Legenda da foto, Annie ao lado do alçapão da capela

Denise elaborou um plano com a Resistência, que concordoubetano lfazer disparosbetano lalerta quando os inimigos estivessem se aproximando. "As crianças iriam dormir, uma mais velha fazendo par com uma mais nova, e, à primeira detonação ouvida durante a noite,betano lsilêncio mas com pressa, elas devem correr para as florestas e deixar a casa para os invasores", escreveu Denisebetano l1946.

Mas, no fim das contas, ela decidiu esconder as crianças, sem esperar os tirosbetano laviso. Um grupo, obetano lAnnie, seria levado à capela, para um pequeno esconderijo subterrâneo.

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Sete crianças permaneceram cinco dias ali, sem poder ficarbetano lpé ou deitadas. Durante algumas horas da manhã, elas conseguiam sair para comer e usar o banheiro. O ar vinhabetano lum pequeno dutobetano lventilação.

"Depoisbetano lcinco dias, não era mais possível aguentar", conta Annie.

Aqueles dias ali marcaram Annie para a vida toda — ela só consegue adormecerbetano lambientes com luz. Hélène teve mais sorte: passou aqueles dias abrigada com uma família local.

Porbetano lvez, a SS acabou não entrando no convento, mas deixou um rastrobetano ldestruição ao redor. Membros da Resistência foram mortos e largados nas ruas.

Denise quis prestar homenagem às vítimas, e pediu a Annie que a ajudasse a levar flores para cada um dos corpos.

Em junhobetano l1944, aquela divisão da SS foi enviada ao norte, para ajudar no combate às tropas dos Aliados que desembarcavam na Normandia. No caminho, ajudaram a promover dois massacresbetano lmembros da Resistência. Depois, ao chegarem à Normandia, foram derrotados por uma divisão do Exército americano.

Helene e Annie
Legenda da foto, Hélène e Annie na entrada do convento
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Depois que o sul da França foi liberado,betano lagostobetano l1944, as crianças judias aos poucos foram deixando o convento. Albert Seifer voltou a se reunir combetano lfamília, incluindo seu pai, que conseguiu sobreviver a Auschwitz.

Annie e Hélène não tiveram a mesma sorte.

Emborabetano ltia tenha sobrevivido, seus pais e a irmã caçula, Ida, foram mortosbetano lAuschwitz.

Annie se mudou para Toulouse, casou-se, teve filhos e recentemente se tornou bisavó. Ela mantém contato regular com Albert, hoje com 90 anos.

Hélène se casou, teve um filho e estabeleceu-sebetano lRichmond, no sulbetano lLondres.

Aos 94 e 90 anos, respectivamente, as duas irmãs viajam entre Toulouse e Londres sempre que podem, para se visitar.

Elas se referem à irmã Denise como "notre damebetano lla guerre" — nossa senhora da guerra. Contam que foi difícil se despedir dela, e a visitaram regularmente atébetano lmorte.

Memorial
Legenda da foto, Hélène (esquerda), Annie (direita) com a Irmã Denise e o memorial - Albert Seifer está parado atrás

Quando os filhosbetano lAnnie eram pequenos, ela os levava para visitar o convento,betano lforma a manterbetano lhistória viva — e ensiná-los sobre o sofrimento vivido pelo povo judeu.

Denise permaneceu no convento após a guerra e trabalhou até morrer,betano l2006, aos 94 anos. Ao longo da vida, ajudou também crianças vulneráveis e imigrantes do norte da África.

Em 1980, ela foi honrada pelo Museu do Holocausto,betano lIsrael, como um dos Justos Entre as Nações, reconhecimento dado a não-judeus que ajudaram judeus durante o período nazista. Seu nome batiza uma ruabetano lCapdenac, mas, fora isso, o único memorial para ela fica no solo do convento.

Uma placa ali diz: "Esta árvorebetano lcedro foi plantadabetano l5betano labrilbetano l1992,betano lmemória à salvaçãobetano l83 crianças judias (de dezembrobetano l1942 a julhobetano l1944) por Denise Bergon… a pedido do monsenhor Jules-Geraud Saliège, arcebispobetano lToulouse".

A árvore fica perto da área onde Denise havia enterrado as joias, dinheiro e itensbetano lvalor que paisbetano lalgumas crianças deixaram com elas — e que Denise devolveu, intocados, depois da guerra, para ajudar aquelas famílias a se reerguerem.

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