'Minha aluna desmaioucaça niqueis gratisfome': professores denunciam crise urgente nas escolas brasileiras:caça niqueis gratis

Ilustração mostra uma aluna curvada sobrecaça niqueis gratismesa escolar, com um vazio na altura do estômago representando a fome

Crédito, André Valente/BBC Brasil

Legenda da foto, Desmaios por fome e pedidoscaça niqueis gratisdoaçãocaça niqueis gratisalimentos tornaram-se rotina nas escolas públicas,caça niqueis gratismeio ao desemprego elevado e avanço da insegurança alimentar no país

"Eu fiquei realmente sensibilizada por essa situação", conta a professora. "Por que é isso: a fome. Uma fome que a criança não sabe expressar a urgência. E que envolve muitas vezes a vergonha. Para ela é algo humilhante, por isso ela não consegue expressar."

O caso ocorrido na escola do Riocaça niqueis gratisJaneiro não é isolado. Professores da rede públicacaça niqueis gratistodo o Brasil relatam episódios semelhantes, num momentocaça niqueis gratisque o país soma 13,7 milhõescaça niqueis gratisdesempregados e a inflaçãocaça niqueis gratisalimentos consumidoscaça niqueis gratisdomicílio acumula altacaça niqueis gratismaiscaça niqueis gratis13%caça niqueis gratis12 meses, conforme o Instituto Brasileirocaça niqueis gratisGeografia e Estatística (IBGE).

Segundo estudo da Universidade Livrecaça niqueis gratisBerlim, a insegurança alimentar grave — como é chamada a fome na linguagem técnica — atingia 15% dos domicílios brasileiroscaça niqueis gratisdezembrocaça niqueis gratis2020. Esse percentual chegava a 20,6% nos lares com crianças e jovenscaça niqueis gratis5 a 17 anos.

Os professores ouvidos pela BBC News Brasil relatam que os alunos com fome sofrem com perdacaça niqueis gratismotivação e apresentam episódioscaça niqueis gratisagressividade com colegas e educadores.

Na volta às aulas presenciais, após o períodocaça niqueis gratisensino à distância forçado pela pandemia, os estudantes enfrentam os efeitos da perdacaça niqueis gratisemprego e renda dos pais e do falecimentocaça niqueis gratisavós que muitas vezes sustentavam a família com suas aposentadorias.

Conforme os professores, jovens estão abandonando os estudos para trabalhar e ajudar suas famílias na geraçãocaça niqueis gratisrenda e crianças moradorascaça niqueis gratisfavelas estão,caça niqueis gratisalguns casos, mudando para regiões ainda mais precárias das comunidades, devido ao custo do aluguel.

Nesse cenáriocaça niqueis gratiscrise social que bate à porta das escolas, os educadores fazem o que podem, organizando coletascaça niqueis gratisalimentos e direcionando as crianças e famílias que estão passando por necessidade à rede públicacaça niqueis gratisassistência social.

"Procuro manter meu coração sempre firme, não caircaça niqueis gratisdesespero", diz uma professoracaça niqueis gratislíngua portuguesa na rede estadual do Paraná, com quase 30 anoscaça niqueis gratisprofissão.

"A gente respira fundo e vai fazer campanha para cesta básica, para coletacaça niqueis gratisalimentos, para mantê-loscaça niqueis gratissalacaça niqueis gratisaula. Eu me sinto às vezes cansada, mas me sinto na obrigaçãocaça niqueis gratisme manter firme e fazer algo por essas crianças, para que eles sintam que podem contar conosco, que não seremos mais um a abandoná-los."

A BBC News Brasil optou por manter todos os entrevistados anônimos, como uma formacaça niqueis gratispreservar a privacidade das crianças citadascaça niqueis gratisseus relatos.

Agrediu colega, xingou professora: era fome

Um conselheiro tutelarcaça niqueis gratisum bairro da Zona Oeste do Riocaça niqueis gratisJaneiro foi chamado para atender o casocaça niqueis gratisuma meninacaça niqueis gratis7 anos.

"Havia um conflito dentro da escola, um nervosismo muito grandecaça niqueis gratisuma criança sem históricocaça niqueis gratisagressividade", conta o conselheiro tutelar.

"Ela havia agredido uma colega, depois desafiou a professora e, por fim, acabou tentando agredir a direção. A escola nos chamou para conversar com essa criança ecaça niqueis gratisfamília, para saber se se tratavacaça niqueis gratisuma reproduçãocaça niqueis gratisviolência (quando uma criança agredida reproduz a violência que sofre). Mas, conversando com essa criança, ela nos relata vontadecaça niqueis gratiscomer."

Ilustração mostra estudante chorando e gritando, cercada por adultos que tentam contê-la

Crédito, André Valente/BBC Brasil

Legenda da foto, 'Muitas vezes, quando falamoscaça niqueis gratisfome, as pessoas entendem que a pessoa não come nada. Mas a fome não é só isso, são necessidades para o desenvolvimento da criança que não estão sendo atendidas', diz conselheiro tutelar do Riocaça niqueis gratisJaneiro

Segundo o conselheiro tutelar, o caso da menina é comum a muitas famílias moradorascaça niqueis gratisbairros pobres:caça niqueis gratisfamília —caça niqueis gratissete pessoas, vivendo num domicíliocaça niqueis gratisdois cômodos — estava toda desempregada, vivendo com um benefício do Bolsa Família como única fontecaça niqueis gratisrenda.

"Não é que essa criança não come nada, ela tem acesso à merenda, a um almoço. Mas a alimentação a que ela tem acesso é irregular e insuficiente para esse núcleo familiar. É uma criança que tem a comida contada, às vezes uma vez só no dia e sem um prato ricocaça niqueis gratisnutrientes,caça niqueis gratissabores", explica o profissional.

"Muitas vezes, quando falamoscaça niqueis gratisfome, as pessoas entendem que a pessoa não come nada. Mas a fome não é só isso, são necessidades para o desenvolvimento da criança que não estão sendo atendidas. Na realidade, todo o núcleo familiar está passando fome. A verdade é essa."

Sem café da manhã, nem almoço, desmaiou na educação física

Uma professoracaça niqueis gratisfísica e matemáticacaça niqueis gratisSumaré, no interiorcaça niqueis gratisSão Paulo, viu umcaça niqueis gratisseus alunos desmaiarcaça niqueis gratisfome na aulacaça niqueis gratiseducação física.

"Não foi o primeiro caso. Com a volta às aulas presenciais, depois da pandemia, temos observado vários casoscaça niqueis gratisalunos passando por necessidade. Casoscaça niqueis gratisfome mesmo,caça niqueis gratisque o único alimento que o aluno tem é na escola", conta a professora.

"Nesse caso, nós percebemos na educação física, porque o aluno desmaiou na quadra. Aí, conversando, ficamos sabendo que ele ainda não tinha se alimentado naquele dia e já era o período da tarde", relata a educadora, explicando que, na escola estadual, há apenas uma refeição por turno, na hora do intervalo (10h para os alunos da manhã e 16h para os da tarde).

O menino tem outros irmãos. E a mãe dele, que cuida das crianças sozinha e moracaça niqueis gratisaluguel, estava desempregada.

A professora observa que as criançascaça niqueis gratissituaçãocaça niqueis gratisprivação têm dificuldadecaça niqueis gratisaprendizado.

"A criança com fome não consegue se concentrar. Falta energia nela. Crianças normalmente têm muita energia, então você percebe a apatia", diz a educadora.

Ela conta que, após o primeiro episódiocaça niqueis gratisum aluno que passou mal por fome, as professoras se organizaram para recolher doações. "Conseguimos muito alimento e passamos a distribuir às famílias. Você vê a diferença, o aluno vem mais ativo, com mais energia, e as mães ficam muito agradecidas."

"No caso do aluno que desmaiou, fomos à casa da família levar o que arrecadamos. Chegando lá, a mãe estava extremamente magra, muito abaixo do peso, porque ela estava tirando o pouco que tinha dela para dar para as crianças. Então você vê a gratidão da pessoa."

Ilustração mostra quatro estudantes com vazios no estômago e no cérebro representando a dificuldadecaça niqueis gratisaprendizado causada pela fome

Crédito, André Valente/BBC Brasil

Legenda da foto, 'A criança com fome não consegue se concentrar. Falta energia nela', diz professoracaça niqueis gratisSumaré, no interiorcaça niqueis gratisSão Paulo

Deixandocaça niqueis gratisestudar para trabalhar

A educadora afirma que outra preocupação das professoras é com o aumento da evasão escolar entre os alunos um pouco mais velhos, que deixam o estudo para ajudar suas famílias.

Neste cenário, o fim do auxílio emergencialcaça niqueis gratisoutubro e a incerteza quanto ao futuro do Bolsa Família,caça niqueis gratistransição tumultuada para Auxílio Brasil, é motivocaça niqueis gratisangústia.

"Todo mundo está muito preocupado, principalmente as famílias", diz a professoracaça niqueis gratisSumaré.

"Já estamos tendo uma evasão muito grandecaça niqueis gratisalunos, porque a prioridade deles é trabalhar e ajudar a levar o sustento para casa. Não é mais estudar, porque a fome é uma necessidade hoje", relata.

"A partir dos 13, 14 anos está acontecendo essa evasão, que é ainda mais grave no Ensino Médio. Acredito que, com o fim do auxílio emergencial, isso pode aumentar."

O auxílio emergencial foi pago a maiscaça niqueis gratis39 milhõescaça niqueis gratisfamíliascaça niqueis gratis2021. Já o novo Auxílio Brasil deve atender 17 milhõescaça niqueis gratisfamíliascaça niqueis gratisdezembro, conforme a expectativa do governo. O Bolsa Família, extintocaça niqueis gratisoutubro, atendia 14,6 milhões, segundo o Ministério da Cidadania.

Ou seja, embora o Auxílio Brasil deva atingir um público maior do que o Bolsa Família — casocaça niqueis gratisfato o governo consiga zerar a fila do programa, como planeja —, o númerocaça niqueis gratisassistidos ainda assim será menor do que ocaça niqueis gratisbeneficiários do auxílio emergencial pagocaça niqueis gratis2020 e 2021.

"É triste o aluno ter que deixar a escola para poder trabalhar, não conseguir conciliar", lamenta a professoracaça niqueis gratisfísica e matemática, acrescentando que a situação é agravada pelo encerramento do turno noturnocaça niqueis gratistrês das cinco escolascaça niqueis gratissua região ecaça niqueis gratiscursoscaça niqueis gratisEducação para Jovens e Adultos (EJA) no município.

"É devastador, porque o aluno está deixando para trás uma parte da vida dele que écaça niqueis gratisextrema importância. É um aluno que poderia ir para a faculdade e pode ser que acabe não indo, que poderia fazer outras coisas da vida e acabe não fazendo", diz a professora, ressaltando como a necessidade imediatacaça niqueis gratisrenda das famílias acaba comprometendo o futuro do jovem.

Criados pela avó, ficaram órfãos na pandemia

A professoracaça niqueis gratislíngua portuguesa da rede estadual do Paraná chama atenção para um outro aspecto da realidade das escolas na volta às aulas presenciais depois da pandemia: um grande númerocaça niqueis gratisalunos que ficaram órfãoscaça niqueis gratispais ou avós e passaram a viver sob cuidadocaça niqueis gratisoutros parentes.

"Tenho um aluno do 7º ano e a irmã dele está no Ensino Médio no mesmo colégio. Eles foram criados pela avó e, no ano passado, ela faleceu devido à covid. Eles simplesmente ficaram órfãos", conta.

"Eles não têm nenhum recurso, ficaram na casacaça niqueis gratisparentes. E nós temos vários casos assim, são muitos casos por turma. A escola está tentando monitorar para ver se essas crianças estão bem, quem ficou responsável por elas e se elas contam com alguma redecaça niqueis gratisproteção."

A professora da rede municipal do Riocaça niqueis gratisJaneiro cuja aluna desmaioucaça niqueis gratissalacaça niqueis gratisaula relata também a precarização na situaçãocaça niqueis gratismoradiacaça niqueis gratismuitos alunos, diante da perdacaça niqueis gratisrenda dos pais.

"A favelacaça niqueis gratissi é um lugar vulnerável, mas dentro dela tem lugares onde realmente não tem estrutura nenhuma, não tem saneamento básico, nada", diz a professora da Zona Norte carioca.

"Muitos alunos que antes moravam na favelacaça niqueis gratislocais considerados razoáveis tiveram que se mudar para esses locais mais vulneráveis, porque lá não paga aluguel, não paga nada. Mas as casas sãocaça niqueis gratismadeira,caça niqueis gratislugares muito complicados, como barrancos. Então está havendo uma migração interna, dentro da própria favela,caça niqueis gratisfamílias que não estavam conseguindo se manter nos lugares por conta dessa crise econômica toda."

'Solução do problema está além do nosso alcance'

Nesse cenáriocaça niqueis gratispauperização dos alunos na volta às aulas presenciais, os professores fazem o que podem para tentar minimizar o sofrimento dos estudantescaça niqueis gratisdificuldade.

Uma professoracaça niqueis gratisginástica acrobáticacaça niqueis gratisum centro públicocaça niqueis gratistreinamento desportivo localizadocaça niqueis gratisuma comunidade carente do Distrito Federal conta que a doaçãocaça niqueis gratiscestas básicas se tornou rotina no local.

"Teve o casocaça niqueis gratisuma aluna que começou a passar mal", conta a professoracaça niqueis gratisginástica. "Encaminhamos à assistência social e essa criança,caça niqueis gratis10 anos, contou que estava com fome, que não tinha jantado no dia anterior, nem tomado café da manhã naquele dia."

"A criança recebeu um lanche a mais e a mãe foi chamada para uma conversa com a psicóloga. Essa mãe relatou que estava sem o que comercaça niqueis gratiscasa, então começamos a distribuir cesta básica para a família", diz a professora, acrescentando que cresceu no período recente o númerocaça niqueis gratiscrianças que buscam o centrocaça niqueis gratistreinamento não pelo esporte, mas pelo lanche do intervalo, e como uma alternativacaça niqueis gratiscuidado para mães que precisam procurar emprego.

Uma professoracaça niqueis gratisRio Claro, no interiorcaça niqueis gratisSão Paulo, relata um caso semelhante.

"Dentro do processocaça niqueis gratistutoria,caça niqueis gratisque cada aluno é acompanhadocaça niqueis gratisperto por um professor, uma alunacaça niqueis gratis13 anos, com dois irmãos menores e uma irmã bebê, relatou que precisavacaça niqueis gratisajuda, que precisavacaça niqueis gratisalimento, porque não tinha comida dentro da casa dela", conta a professoracaça niqueis gratislíngua portuguesa.

"A equipecaça niqueis gratisprofessores se mobilizou, fizemos uma vaquinha e um dos professores foi ao mercado e fez uma compra. Eu levei até a casa dela, uma casa bem humilde. A recepção foicaça niqueis gratisgratidão, a mãe depois nos escreveu agradecendo a ajuda."

A professoracaça niqueis gratisRio Claro conta que, apesar da mobilização dos professores, há um sentimentocaça niqueis gratisimpotência com relação à crise social que se reflete nas escolas.

"É uma tristeza profunda, uma preocupação gigante. Há uma vontadecaça niqueis gratistentar fazer algo por essas pessoas, a gente tenta se mobilizar dentro das nossas possibilidades, mas sabemos que não é fazendo uma cesta básica hoje que a gente resolve o problema dessa família", diz a educadora.

"A gente atende uma necessidade emergencial, mas resolver o problema é uma questão muito maior, uma questão social e política, que vai além do nosso alcance."

'Não existe desenvolvimento infantil pleno com barriga vazia'

O conselheiro tutelar da Zona Oeste do Riocaça niqueis gratisJaneiro avalia que a fome das crianças nas escolas é um sintoma da ausência do Estado.

"O Estado não está cumprindo comcaça niqueis gratispartecaça niqueis gratisgarantir não só renda, mas que a economia gere empregos para essas famílias", avalia o profissional, que relata um aumento no númerocaça niqueis gratisatendimentos do conselho durante a pandemia, devido ao maior númerocaça niqueis gratiscasoscaça niqueis gratisviolência,caça niqueis gratisdecorrência da convivência das famíliascaça niqueis gratisespaços insuficientes ecaça niqueis gratisproblemas estruturais, como o estresse causado pela fome ou pelo desemprego.

"Não existe desenvolvimento infantil completo com barriga vazia. A fome não atinge apenas o estado emocional, ela é da carne, é do corpo. É muito difícil pensarmos que uma criança vai ter acesso a direitos, conseguir ter uma vida plena, se ela está sentindo fome. O acesso à cultura, à educação, ao lazer, tudo isso é impactado quando essa criança não está tendo o mínimo, que é se alimentar", afirma.

"Isso vai afetar não só o desenvolvimento pessoal dessa criança —caça niqueis gratisautoestima, seus valores — mas a forma como ela se relaciona com a sociedade", avalia o conselheiro.

"São crianças que, por causa da fome, estão tendo sentimentos e aprendendo sensações muito dolorosas e muito cruéis para o tempo delas nessa vida. Como vamos pedir que essa criança tenha concentração dentro da escola, se a barriga dela está roncando?"

Línea

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