Cristo Redentor, 90 anos: como um monumentohomenagem à princesa Isabel quase foi erguido no Corcovado:
Em nota, a instituição diz que "após a abolição da escravatura, a Princesa Isabel rejeitou a propostaconstrução emhomenagem no monte Corcovado, e ordenou a construçãouma imagem ao Sagrado CoraçãoJesus que, para ela, era o verdadeiro redentor dos homens".
Esse projeto, contudo, foi cancelado com a Proclamação da República,1889, conforme ressalta a Arquidiocese.
"No contexto do movimento abolicionista foram propostas muitas iniciativas para homenagear a princesa Isabel como formacelebrar a memória da Lei da Abolição", acrescenta o historiador Paulo KnaussMendonça, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
"Já na época da aprovação da Lei do Ventre Livre,1871, houve também propostaerguer monumento público à memória dessa conquista social. O fato é que nenhuma dessas iniciativas prosperaram. A princesa só foi homenageada com uma estátua na cidade do RioJaneiro2003."
Autora do livro O CasteloPapel: Uma históriaIsabelBragança, princesa imperial do Brasil, e GastãoOrléans, conde d'Eu(Editora Rocco), a historiadora Mary Del Priore explica que essa ideiavalorizar a princesa foi capitaneada pelo IHGB, principalmentedecorrência do envolvimentoIsabel na promulgaçãoleis para a extinção da escravidão, como a Lei do Ventre Livre,1871 e a Lei Áurea,1888.
"A ideiavalorizar a princesa começou quando o IHGB, para firmar o projetoum possível Terceiro Reinado, sugeriu que se fizesse uma estátua louvando 'a Redentora'", pontua a historiadora.
Isabel era a sucessora natural do tronodom Pedro II (1825-1891), não fosse a República proclamada. Redentora seria o cognome justamente por ter sido ela, segundo a historiografia, a mulher que "libertou" os escravos.
"Ela recusou veementemente a dita homenagem", prossegue Del Priore.
"Aos amigos, disse que não era redentoracoisa alguma e que somente o Sagrado CoraçãoJesus era o redentor da humanidade. A princesa era muito católica, como se sabe."
Tal história, contudo, permite uma outra ilação, sem provas conclusivas — como frisa a historiadora. A da ideiaapresentar no monumento uma imagem do Cristo como redentor.
Isto porque,paralelo a esse movimentovalorização da Princesa Isabel havia outro: a ideiaum monumento cristão no alto do Corcovado.
O Corcovado como altar
Tudo começou com o padre lazarista francês Pierre-Marie Boss, que desembarcou no Rio1859 para atuar na Igreja e Colégio da Imaculada Conceição.
Logo depois passou a contar que havia tido um sonhoque o famoso morro era transformadoum altar para Jesus Cristo.
Mas não seria o Cristo Redentor, e sim uma imagem do Sagrado CoraçãoJesus.
"Cabe registrar que o morro do Corcovado sempre foi um símbolo da paisagem natural da terra do RioJaneiro. A ideia da construçãouma estátua do Cristo no morro é tributária da tradição religiosainstalar cruzeiros na paisagem, o que não é exclusividade do mundo católico do Brasil", contextualiza o historiador KnaussMendonça.
Há um poemaque o padre menciona a ideia da estátua.
"A igreja [onde ele trabalhava] localizada até hoje na PraiaBotafogo, marcou a paisagem local,primeiro lugar, pelaescala. Ao lado disso, a situação do edifício situado ao pé do morro, estabelece uma relação entre a igreja e o morro, o que é acentuado pela solução da arquitetura neogótica com torre única e pontiaguda. A solução formal na paisagem relaciona o edifício religioso ao morro e confere um sentido simbólico ao laço que une os dois elementos, pois tudo aponta para o céu. Um cruzeiro no alto seria uma formacomplementar a arquitetura da igreja pelarelação com a paisagem local", conta o historiador.
Mas não havia nada detalhado, claro.
"Ainda que o padre faleestátua, nada garante que ele tivesse um projeto concreto para ser desenvolvido. Por outro lado, no século 19, o pico do morro do Corcovado era cultivado como mirante da cidade, o que justificou a construção da EstradaFerro, inaugurada1884 e que existe até hoje", complementa o professor.
Nesse contexto, a princesa Isabel ascendia na sociedade brasileira, seja por seu papel nas lei abolicionistas, seja pela projeção natural como potencial sucessora do trono. Isabel, católica fervorosa, vale frisar.
"Os estudos correntes sobre a história da estátua do Cristo do Corcovado comentam a associação da princesa Isabel ao projeto do padre Pierre-Marie Boss, ora como apoiadora e ora como homenageada", acrescenta KnaussMendonça.
"De todo modo, é importante lembrar da associação da Igreja e do Estado que havia no tempo do Império do Brasil. Portanto, uma iniciativa eclesiástica precisaria ter aprovação do estado representando pelo imperador efamília."
RecusasIsabel
Conforme está relatado no livro Alegrias e Tristezas: Estudos Sobre a AutobiografiaD. Isabel do Brasil (Linotipo Digital Editora) — escrito pelo historiador e advogado Bruno da Silva AntunesCerqueira, fundador do Instituto Cultural D. Isabel A Redentora, e pela historiadora e arquivista MariaFátima Moraes Argon, pesquisadora aposentada do Museu Imperial — há pelo menos dois momentosque Isabel recusa ser homenageada com uma estátua.
Em 13fevereiro1872, seu marido GastãoOrléans (1842-1922), o Conde d'Eu, enviou uma carta a José Maria da Silva Paranhos (1819-1880), o Visconde do Rio Branco, então presidente do ConselhoMinistros.
No texto, conforme relata o livro, o conde esclareceu "que a esposa tomou conhecimentoque a Câmara Municipal da Corte desejava erguer estátua 'em memória da Regência da Augusta Princesa Imperial' e que ela recusava veementemente a homenagem, solicitando que fundos eventualmente angariados, por subscrição, ou destinados ao erário fossem empregados na instrução pública".
Dezesseis anos mais tarde, logo após a Lei Áurea, há um novo registro. Desta vez, Conde d'Eu escreveu para o filólogo e musicólogo Joaquim NorbertoSouza e Silva (1820-1891), que era membro do IHGB.
O texto dizia que Isabel "não permite que se lhe erija estátua como signatária da Lei Áurea, por diversos motivos, o principal dos quais o exemplo paterno".
Essa referência a dom Pedro II não foi aleatória. Após a Guerra do Paraguai, ocorrida1864 e 1870, aventou-se a ideiaque houvesse uma homenagem imperial ao triunfo brasileiro. O monarca jamais permitiu.
"Essa postura é típica dos Braganças", explica o pesquisador e escritor Paulo Rezzutti, autordiversos livros sobre a família imperial brasileira.
"Tanto dom Pedro II quanto a princesa Isabel não quiseram chamar a atenção para si por meiomonumentos. O que ela fezrelação ao Cristo Redentor foi a mesma coisa que o pai havia feito depois da Guerra do Paraguai."
A questão parecia encerrada com o fim da monarquia. Oficialmente desvinculado da Igreja, o Estado republicano não parecia preocupadobancar obratal vulto valorizando a figuraCristo. Ao mesmo tempo, defensoresum governoIsabel foram obrigados a se calar.
Aos pés do Cristo
No início do século 20, contudo, um grupoeminentes católicas da sociedade carioca decide retomar o plano do monumento. E,alguma forma, trazendo novamente à tona a presençaIsabel, então exilada na França.
Em cartanovembro1908, a princesa foi informada da criaçãoum grupo, denominado Comissão Executiva Isabel A Redentora, para que fossem captados fundos para a criaçãoum monumento a Cristo Redentor.
Com um detalhe: uma estátuaIsabel estaria presente, aos pés do principal homenageado.
"Uma carta da filha do Almirante Tamandaré comprova uma possível conexão", conta Del Priore.
"À frentecerta Comissão Executiva Isabel A Redentora, dona Maria Euphrasia Lisboa sugere a ereçãoum monumento à 'imagemNosso Senhor Jesus Cristo'."
A carta diz que "o povo brasileiro não é um povo ingrato, estou certaque Vossa Majestade nos hápermitir fazê-lo. Ao passar à posteridade aos pésNosso Senhor, Nosso Redentor, Vossa Majestade que foi aclamada Redentora."
A missiva enfatiza que no mundo todo não haveria possibilidademonumento "superior ao da Comissão Executiva Isabel A Redentora".
"Que pedestal o Corcovado! À noite terá por cúpula o Cruzeiro do Sul na abóboda do firmamento", diz o texto, enfatizando que Isabel poderia escolher a escultura que melhor a agradasse e que "a imagem será colossal para que debaixo pareça ter a estatura natural" e que "o monumento será a imagemNosso Senhor Jesus Cristos […] a seus pés Vossa Majestade".
Segundo registros que constam do livro Alegrias e Tristezas, essa carta ecoa a uma promessa que Isabel teria feito a bordo do navio que a levou para o exílio, após a Proclamação da República.
Ali, ela teria vislumbrado que "se ergueria no Corcovado o Cristo Redentor, já que somente ele, emvisão, redimia a humanidade inteira, o que evidentemente inclui o Brasil eescravidão trissecular", pontua o livro.
Para muitos historiadores, a negaçãoIsabelser ela a homenageada como "a redentora" justifica a troca da figura a ser erguida,Sagrado CoraçãoJesus para Cristo Redentor.
Para a coautora do livro Alegrias e Tristezas, a historiadora e arquivista Argon, "é ainda preciso uma pesquisa mais minuciosa sobre o assunto".
Isabel respondeu à carta da Comissão Executiva criada, aprovando a ideia e o fatoter sido aclamada como presidentehonra do grupo das senhoras católicas.
"Muito reconhecida a distinção da assembleia encarregada da ereçãoum monumento a Cristo Redentor […] da nossa querida pátria, a qual me aclamou. Mesmo Senhor peçotodo coração abençoe todos os que se dedicarem a tal atoamor a Deus", remeteu ela, via telegrama.
"A comissão saiu atráspatronos. Sublinho que tal imagem,bronze, seria do Cristo com Isabel aos pés", enfatiza Del Priore.
De acordo com a Arquidiocese do Rio, todavia, esse esforço não foi adiante.
A ideia da construção do monumento foi retomada apenas1921, quando um grupo chamadoCírculo Católico retomou o projeto, tendovista as celebrações do primeiro centenário da Independência, no ano seguinte.
No mesmo ano,reunião do grupo, foi "eleito o projeto do engenheiro carioca Heitor da Silva Costa", informa a arquidiocese.
Nada a ver com a imagem que acabaria sendo erguida. Era um "Jesus sobre um pedestal, segurando uma grande cruz com a mão esquerda e um globo com a mão direita", explica a nota.
Conforme relatado no documentário Christo Redemptor, quando publicada a imagem não foi bem compreendida pelos cariocas, que passaram a enxergar no planeta Terra carregado por Cristo uma bolafutebol, como se o monumento homenageasse o esporte preferido do Brasil. Logo, o apelido para o projeto se tornou "o Cristo da Bola".
Nos anos seguintes, respondendo a críticas, Costa alteraria o projeto para as feições que, enfim, seriam realizadas.
O Cristo Redentor só seria erguido após campanha, capitaneada pelo então cardeal-arcebispo do Rio, Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942). Sem nadaIsabel.
"A história do monumento do Cristo Redentor é muito bonita e envolve o isabelismo e o abolicionismo, mas isto é ignorado", lamenta o historiador AntunesCerqueira. No seu livro ele frisa que "inexiste,todo o Santuário do Cristo Redentor, […] um pequeno busto que sejahonradona Isabel".
"De outro lado, a história do monumento, que é belíssima, nunca foi escrita e publicada no Brasil, ao menos a história que envolve todos esses pormenores que associam o movimento abolicionista-isabelista ao erguimento da estátua. Algo que definitivamente deve ser feito", afirma.
AntunesCerqueira ressalta que,acordo com a própria tradição oral mantida pelos sucessores da família imperial brasileira, Isabel "relativizava e desvalorizava o cognome dela como redentora".
"Ela era ultracatólica", lembra ele.
Esse esquecimento da figuraIsabel na época da inauguração do Cristo Redentor pode ter explicação no próprio momento sociopolíticoentão.
"Considero importante lembrar que a iniciativaconstrução da estátua do Cristo Redentor se realizou na década1920, numa épocagrandes mudanças sociais no Brasil", nota KnaussMendonça.
"No contexto da cultura é a época da SemanaArte Moderna, e na ordem da política é a época da fundação do Partido Comunista Brasileiro e do movimento tenentista que emerge na cena social com o levante do forteCopacabana, também1922. O monumento religioso, traduz uma grande mudança do movimento católico no Brasil que confirma a separação da Igreja e do estado, e que dissemina o catolicismo no Brasil como movimento social,que a instituição eclesiástica busca se afirmar como representante da sociedade, independente do Estado", contextualiza o historiador.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 1
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 2
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 3