Carne ainda mais cara e pecuária mais poluente: os efeitos da mudança climática:roletinha bet
Com isso, vai ser mais difícil engordar o gado, ou será preciso complementar a alimentação dos animais "a cocho" — expressão usada pelos pecuaristas para a nutrição do gadoroletinha betconfinamento, geralmente feita com grãos como milho, soja e sorgo — o que tende a reduzir a oferta ou encarecer ainda mais a carne bovina.
E talvez ainda mais grave: o pasto com menos proteína e mais lignina (um componente indigerível pelos animais) pode levar os bois a produzirem ainda mais metano no seu processo digestivo. Com isso, uma atividade que já é considerada atualmente uma "vilã" do clima pode contribuir ainda mais para as mudanças climáticas, num ciclo vicioso.
Em outro processo pernicioso, o aumentoroletinha bettemperaturas deve fazer o gado precisarroletinha betainda mais água para se refrescar, num ambiente onde a oferta do líquido será mais restrita.
Diante desse cenário, o recado dos cientistas é unânime: é preciso atuar já para mitigar as mudanças climáticas, melhorar o uso dos recursos hídricos pela agropecuária e desenvolver novas forrageiras (como são chamadas as plantas usadas na alimentação animal) mais resistentes ao calor e à faltaroletinha betágua.
A boa notícia, diz a Embrapa (Empresa Brasileiraroletinha betPesquisa Agropecuária), é que o país já tem experiência no assunto, pois produz proteína animal no semiárido, que é uma espécieroletinha bet"microcosmo" do que será um Brasil futuro mais quente e com menos chuva.
O gado e a grama
"Lá na USP Ribeirão Preto, nós temos uma estrutura montada para simular o clima futuro. Basicamente: o incremento do CO2 [gás carbônico, principal responsável pelo efeito-estufa], o aumento da temperatura e a faltaroletinha betágua", conta o professor Carlos Alberto Martinez Y Huaman, do departamentoroletinha betBiologia da USProletinha betRibeirão Preto, no interiorroletinha betSão Paulo.
"Nosso objetivo principal foi fazer uma simulaçãoroletinha betcomo as pastagens poderiam responder às mudanças climáticas — ao aumento da temperaturaroletinha bet2°C, ao aumento do CO2roletinha bet50% e à restrição hídrica", explica o pesquisador. "Escolhemos para começar duas forrageiras brasileiras, uma gramínea e uma leguminosa, que foram cultivadas nesses ambientes modificados."
E o que os pesquisadores encontraram nesses dez anosroletinha betestudos?
"Encontramos o seguinte: o aumentoroletinha bettemperatura e a faltaroletinha betágua são muito prejudiciais para os pastos. Não somente para a produçãoroletinha betbiomassa, mas também para a qualidade das folhas, que é a parte da planta que o gado come", diz Martinez, lembrando que os pastos ocupam no Brasil cercaroletinha bet160 milhõesroletinha bethectares — uma área equivalente ao Irã e maior do que todo o Estado do Amazonas, a maior unidade federativa brasileiraroletinha betterritório.
Tanto a produçãoroletinha betcarne, como aroletinha betleite, dependem do acesso do gado a pastosroletinha betboa qualidade eroletinha betboa quantidade. "Quando aumenta a temperatura e chove menos, as plantas vão produzir menos folhas e a qualidade da folha também muda: começa a cair o teorroletinha betproteína — nós encontramos uma queda entre 20% e 30%."
"Com menos proteína e mais lignina — um polímero que o gado não consegue digerir —, o aproveitamento do pasto pelo gado cai. Assim, ele ganha menos peso. Para compensar, o gado vai ter que comer mais folha, mais pasto, ou o pecuarista vai ter que dar suplemento alimentar, se não o gado não engorda", afirma.
"E se aumenta o teorroletinha betlignina, pode haver maior emissãoroletinha betmetano, um gás do efeito estufa que tem 20 vezes mais efeitoroletinha betaquecimento que o CO2. Então pode causar mais problemas para as mudanças climáticas", alerta o especialista.
Com a mudança climática também se altera a microbiota do solo — microbiota é o nome que se dá aos microrganismos que vivemroletinha betum ambiente. "Surgem fungos patogênicos que causam doenças nas plantas, isso é ruim para elas e para a produção pecuária."
Além da emissãoroletinha betmetano, também podem aumentar as emissõesroletinha betóxido nitroso, um gás que tem 300 vezes mais efeitoroletinha betaquecimento que o CO2.
"Quando se altera o ambiente e é aplicado, por exemplo, um adubo nitrogenado no pasto, pode haver uma perda granderoletinha betnitrogênio na formaroletinha betóxido nitroso. Isso tem impacto nas mudanças climáticas, contribuindo para o aquecimento global", explica o pesquisador.
Preço da carne e desigualdade social
Entre as soluções para mitigar o problema, Martinez enumera: o usoroletinha betplantas mais resistentes à seca, a fixação biológica do nitrogênio (feita atravésroletinha betbactérias colocadas junto com as sementes que fixam o componente químico no solo) e a recuperaçãoroletinha betpastos degradados para evitar o avanço do desmatamento.
Ele também defende o incentivo ao métodoroletinha betprodução chamado ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), que inclusive ajuda no controleroletinha bettemperatura na criação dos animais, que podem recorrer à sombra das árvores para se proteger, diminuindo consequentemente a necessidaderoletinha betconsumoroletinha betágua pelo gado num futuro que será mais quente.
"É preciso que a informação chegue aos produtores, aos tomadoresroletinha betdecisão, para que vejam que o problema já está acontecendo. As mudanças climáticas e os eventos extremos estão ocorrendo dia a dia", alerta.
"Se não tomarmos medidas para enfrentar essa situação, o preço da carne e do leite vai subir, para compensar o aumentoroletinha betcusto que os pecuaristas terão com a piora da qualidade do pasto. É um problema social, econômico e científico", conclui.
Ao se vislumbrar esse futuroroletinha betpreços ainda mais altos, é preciso levarroletinha betconta que o consumoroletinha betcarne é um importante marcadorroletinha betdesigualdade social no Brasil.
Segundo um estudoroletinha betpesquisadores do IFMG (Instituto Federalroletinha betEducação, Ciência e Tecnologiaroletinha betMinas Gerais), com baseroletinha betdados da POF do IBGE (Pesquisaroletinha betOrçamentos Familiares do Instituto Brasileiroroletinha betGeografia e Estatística), o consumo médio per capita anualroletinha betcarne bovina entre 2008 e 2009 eraroletinha bet17,61 kg para as classes com rendimento acimaroletinha betR$ 6,2 mil, sendo 11,33 kgroletinha betcarneroletinha betprimeira e 6,28 kgroletinha betcarneroletinha betsegunda.
Para as classes com renda até R$ 830, o consumo médio por pessoa anual eraroletinha bet8,88 kg, sendo 6,03 kgroletinha betcarneroletinha betsegunda e 2,85 kgroletinha betcarneroletinha betprimeira.
Ou seja: um futuroroletinha betque as mudanças climáticas torne as carnes ainda mais caras deve aprofundar a desigualdade no acesso às proteínas mais nobres.
"O que estava previsto para acontecer até 2050, 2100, agora se espera que aconteça até 2030, 2040. As estimativas mais pessimistas já falam que podemos chegarroletinha betcinco anos a [um aumentoroletinha bettemperatura de] 1,5°C, que é o limite do Acordoroletinha betParis", alerta Martinez.
"Normalmente, aqui no Brasil, a épocaroletinha betseca durava entre dois e quatro meses. Se a seca dura cinco, seis, oito meses, não há formaroletinha betcultivar plantas. Isso cria um cenário bastante pessimista na produção pecuária e agrícola. E temos que ter consciênciaroletinha betque isso é um problema sérioroletinha betsegurança alimentar."
Água como questão-chave
Gherman Araujo, pesquisador da Embrapa Semiárido, destaca que, com o aumento esperado da temperatura nos próximos anos, os animais podem demandar um consumoroletinha betágua entre duas e quatro vezes maior para manter a temperaturaroletinha betseus corpos sob controle.
Segundo ele, o consumoroletinha betágua pelos animais variaroletinha bet2% a 6% do seu peso vivo. Isso significa que um boiroletinha betcercaroletinha bet500 kg ingere pelo menos 20 litrosroletinha betágua por dia.
"O componente água é o principal dentro do sistemaroletinha betprodução agropecuário e o que mais será afetado [pelas mudanças climáticas]", destaca Araujo. "Sem água não há possibilidaderoletinha betse ter qualquer tiporoletinha betproduçãoroletinha betproteína animal ou vegetal."
Durante a elaboração do PNHS (Plano Nacionalroletinha betSegurança Hídrica), a ANA (Agência Nacionalroletinha betÁguas) identificou que os riscos diretos à produção animal por "fragilidades no balanço entre oferta e demandaroletinha betágua" já alcançam R$ 29,86 bilhões, podendo somar R$ 44,57 bilhõesroletinha bet2030, conforme informou o coordenadorroletinha betestudos setoriais da ANA, Thiago Fontenelle, durante simpósio promovido pela Embrapa no ano passado.
"Isso é muito sério e pode afetar todas as cadeiasroletinha betprodução animal, desde suínos, aves, até os ruminantes caprinos, ovinos e bovinosroletinha betleite eroletinha betcorte", diz o pesquisador. "Até porque esses animais dependem pararoletinha betnutriçãoroletinha betgrãos e a produçãoroletinha betgrãos será afetada — haverá uma competição natural entre a demandaroletinha betgrãos para consumo humano e para atender o consumo dos animais."
"É preciso que a zootecnia atue trazendo soluções tecnológicas para mitigar os efeitos da alteração do clima", defende o especialista da Embrapa. "A região semiárida pode ser uma referência para como se produzir e ser eficiente num ambiente onde haja aumentoroletinha bettemperatura e menor disponibilidade hídrica."
Segundo Araujo, o semiárido tem a ensinar técnicas diversasroletinha betcaptação e conservaçãoroletinha betágua; o usoroletinha betespécies vegetais altamente eficientes no uso do líquido, como a palma forrageira, um cacto utilizado na alimentação animal; alémroletinha betanimais tolerantes a altas temperaturas e eficientes no consumoroletinha betalimentosroletinha betbaixa qualidade.
"Nós temos muito o que ofertar como alternativasroletinha betum ambiente menos favorávelroletinha betrelação a temperatura e precipitação. O semiárido vai ser olhado na busca por soluções para a adaptaçãoroletinha betoutros biomas. Não tenha dúvida disso."
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