Como devastação e aquecimento podem fazer Brasil deixar7gamesser potência agrícola global:7games
Nobre conversou com a BBC News Brasil para comentar os dados recém-divulgados pela organização MapBiomas, que mostram que a superfície7gamesárea com água no Brasil ficou 15% menor desde o início dos anos 1990 - esses 3,1 milhões7gameshectares perdidos equivalem a uma vez e meia à superfície7gameságua7gamestodo o Nordeste.
A maior perda (absoluta e proporcional)7gamessuperfície7gameságua na série histórica analisada pelo MapBiomas ocorreu no Mato Grosso do Sul, com uma redução7games57%.
Enquanto isso, o Instituto Nacional7gamesPesquisas Espaciais identificou que os focos7gamesincêndio neste ano até agora cresceram,7gamesrelação ao mesmo período no ano passado, na Mata Atlântica, no Cerrado e na Caatinga - neste último, o aumento foi mais7games100%.
Na Amazônia, o Instituto Imazon aponta que o acumulado do desmatamento na floresta nos últimos 12 meses até julho atingiu a pior marca dos últimos dez anos.
Todos esses dados estão interligados: quanto mais avança o desmatamento -7gamesconjunto com o aumento das temperaturas globais -, menores ficam as temporadas7gameschuva no Brasil.
"Há estudos que mostram claramente que as chuvas estão diminuindo7gamesáreas altamente desmatadas, e as estações secas estão mais longas", explica Nobre.
"No sul da Amazônia, as secas já estão7gamestrês a quatro semanas mais longas, com menos chuvas e temperaturas cerca7games3°C mais altas."
O grande problema é que,7gamesáreas desmatadas, perde-se a capacidade7gamesreciclar água, o que intensifica as secas. "Há menos vegetação e raízes para absorver a água, transpirá-la e jogá-la7gamesvolta à atmosfera", diz o cientista.
Portanto, quanto mais incêndios e florestas derrubadas, mais seco e quente o clima ficará no curto e no longo prazo.
Embora ainda não seja possível saber se esses efeitos serão permanentes, a secura do clima vivida neste momento7gamesgrande parte do Brasil - parte7gamesuma tendência já observada nos últimos anos - é uma espécie7games"fotografia do que será o clima do Brasil no futuro", observa Nobre.
No "melhor dos cenários", diz ele, a redução das chuvas será7games10%.
"Mesmo que consigamos manter o máximo7gamesaumento da temperatura (global)7games1,5°C, que é o plano mais ambicioso da Convenção das Mudanças Climáticas (o chamado Acordo7gamesParis), devemos estar preparados para uma estação7gameschuvas mais curta e uma estação7gamessecas mais longa na maior parte do Brasil."
Os impactos disso foram observados pelo coordenador do MapBiomas água, Carlos Souza Jr.
"As evidências vindas do campo já indicam que as pessoas já começaram a sentir o impacto negativo com o aumento7gamesqueimadas, impacto na produção7gamesalimentos, e na produção7gamesenergia, e até mesmo com o racionamento7gameságua7gamesgrandes centros urbanos", afirmou Souza no comunicado emitido pela organização.
Semi-deserto no Nordeste e savana na Amazônia
As regiões do Brasil a serem mais afetadas pelas secas prolongadas serão o Norte, o Centro-Oeste e o Nordeste, segundo Nobre.
No Nordeste, caso a temperatura global continue aumentando, o perigo é "mais7games50% da região virar um semi-deserto",7gamesvez do semiárido atual, explica o cientista.
O alerta já havia sido dado, no início7gamesagosto, pelo relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla7gamesinglês):
"O Nordeste brasileiro é a área seca mais densamente povoada do mundo e é recorrentemente afetado por extremos climáticos", destacou o texto.
O impacto será direto na vida7gamesao menos 10 milhões7gamespessoas que vivem atualmente na agricultura e pecuária nordestinas. Isso porque um Nordeste semi-desértico "não terá agricultura como se pratica hoje. Poderia haver só um pouco7gamesagricultura à beira do rio São Francisco, mas mesmo a vazão do São Francisco vai diminuir, afetando também o potencial7gamesgeração7gamesenergia elétrica", diz Nobre.
É um exemplo da crise hídrica vivida7gamestodo o Brasil e que já impacta a produção7gamesenergia pelas hidrelétricas do país, leva a aumento nos custos das contas7gamesluz pagas pelos consumidores e força o uso7gamesusinas termelétricas - que, por7gamesvez, são mais poluentes e contribuem para mais emissão7gamesgases do efeito estufa.
Enquanto isso, na Amazônia, o perigo identificado por pesquisadores como Carlos Nobre é com o iminente risco7gamesa região virar uma savana - perdendo, portanto, as características únicas7gamesuma floresta tropical.
"Vários estudos mostram que se continuarmos a desmatar, vamos passar do que chamamos7gamesponto7gamesnão retorno - um ponto irreversível7gamessavanização", diz Nobre. Espécies animais e vegetais únicas do Brasil serão perdidas no processo. "Antes, víamos uma mega-seca a cada 20 anos na Amazônia; agora são duas secas por década."
Em julho, um estudo publicado na revista Nature, que teve participação do Inpe, apontou que, por conta do desmatamento e das queimadas, a Amazônia já está emitindo mais CO2 do que consegue absorver.
"Precisamos zerar o desmatamento a jato (rapidamente),7gamespoucos anos, no que talvez seja o maior desafio que o Brasil pode enfrentar", opina Nobre.
Saúde humana e agricultura
Se sentimos (literalmente) no corpo os efeitos do clima mais seco na saúde, a produção agrícola também vai viver os impactos da escassez7gameságua, explica Nobre.
"(Produção de) grãos, pecuária - toda essa estrutura que são importantes elementos econômicos (do Brasil) já está sendo prejudicada pelo aumento dos extremos climáticos", afirma.
"Por mais que empresas7gamespesquisas, universidades e Embrapa (agência7gamespesquisas agrícolas) tentem desenvolver variedades7gamesgrãos mais adaptadas a secas prolongadas e a temperaturas mais elevadas, o clima está ganhando a guerra. A agricultura tem que se preparar para isso", prossegue.
"E temos que torcer para (o aumento global da) temperatura não passar7games1,5°C, porque se nós continuarmos com este ritmo7gamesemissões e não tivermos sucesso7gameszerá-las até 2050, na segunda metade do século, o Brasil tropical deixará7gamesser uma potência agrícola - ficará muito quente e seco e inapropriado para esse tipo7gamesagricultura", prossegue.
Ele cita como exemplo a queda na produtividade da soja na região conhecida como Matopiba (que reúne Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia)7gamesdecorrência do ar mais quente que tem sido soprado da Amazônia.
Boletim7gamesjulho da Companhia Nacional7gamesAbastecimento (Conab) apontou efeitos mistos da crise hídrica no mês passado:7gamesum lado, prejudicou a irrigação7gameslavouras;7gamesoutro, ajudou na maturação das safras7gamesmilho e algodão.
Eventos climáticos extremos
E se no centro e no norte do Brasil as chuvas ficarão mais escassas, a tendência é7gamesque o mesmo não se repita7gamesparte do Sudeste e Sul do país - que podem, na verdade, ver7gamesquantidade7gameschuvas aumentar nas próximas décadas, diz o pesquisador.
Com isso, essas regiões (onde o clima é, por si só, mais ameno que no restante do país, por7gameslocalização geográfica) podem acabar ganhando força na produção agrícola nacional.
O que não significa, porém, que não sofrerão com os devastadores efeitos dos chamados eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais, secas prolongadas e ondas7gamescalor.
Esses eventos climáticos têm se tornado mais frequentes7gamestodo o mundo são também consequência direta do aquecimento global, como apontou o relatório do IPCC divulgado no início7gamesagosto.
"Com o aumento gradual do nível do mar, os eventos extremos que ocorreram no passado apenas uma vez por século ocorrerão com mais frequência no futuro", disse, na ocasião do lançamento do relatório, Valérie Masson-Delmotte, copresidente do grupo7gamestrabalho do IPCC que produziu o texto.
No Brasil, segundo Carlos Nobre, mesmo que - hipoteticamente - não houvesse um aquecimento global7gamescurso no mundo, os sucessivos recordes7gamesdesmatamento na Amazônia e no Pantanal já estariam tendo impactos nocivos sobre o clima brasileiro.
Na prática, os dois fenômenos - desmatamento e aumento das temperaturas - têm ocorrido juntos, potencializando um ao outro.
"Mesmo no ano passado, quando a maioria dos países reduziu suas emissões (de gases do efeito estufa) por conta da pandemia, o Brasil aumentou suas emissões por culpa do desmatamento", diz Nobre.
Embora ele destaque que, nos últimos anos, o Brasil avançou7gamesconstruir uma matriz energética mais limpa - cerca7games11% da nossa energia vem7gamesfontes eólicas ou solares, diz ele -, o Brasil, até o momento, "está na contramão dos compromissos assumidos"7gamesparticipar do esforço contra o aquecimento global.
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