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'Disseram que ela tinha suspeitadouble slotcoronavírus, mas não fizeram teste': a mãe que não conseguiu se despedirdouble slotfilha com autismo grave:double slot
"Eu sempre cuidei dela com muito carinho e amor. Saber que ela morreu longedouble slotmim e depois foi colocadadouble slotum caixão lacrado é uma sensação horrível", diz à BBC News Brasil.
Graça considera que o acompanhamento médico dado à filha foi inadequado. A donadouble slotcasa afirma que não houve uma apuração profunda do casodouble slotCarola antesdouble slotpassarem a considerá-la uma paciente como suspeita do novo coronavírus. "A minha filha estavadouble slotisolamento havia semanas, pois não saíadouble slotcasa. Quem teve contato com ela também estava isolado", declara.
"Entendo que os profissionaisdouble slotsaúde estão sobrecarregados e, por isso, podem ter medo. Mas considerar uma paciente como suspeitadouble slotcoronavírus, sem estudar a fundo o caso, e afastá-la da famíliadouble slotseus últimos momentosdouble slotvida é algo imensamente triste", afirma a mãe.
Dias depois da morte, Graça soube que não fizeram o teste para apurar se a filha realmente tinha o novo coronavírus. "Como consideram suspeita e não testam?", questiona.
A vidadouble slotCarola
A históriadouble slotCarola com os pais nasceu quando ela tinha um ano e quatro meses. Graça e o marido, o microempresário Sérgio Maduro, adotaram a garota. Eles contam que a mãe biológica da menina decidiu doá-la, pois não tinha condiçõesdouble slotcuidar da criança.
Nos primeiros anosdouble slotvida, Carola apresentou dificuldades para caminhar, falar e socializar. Aos oito anos, foi diagnosticada com autismo severo.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido popularmente como autismo, é uma desordem complexa do desenvolvimento cerebral caracterizada por dificuldades na socialização e comunicação, alémdouble slotpadrõesdouble slotcomportamentos repetitivos.
Ele se manifestadouble slotdiferentes níveis. No mais severo, são necessários cuidados por toda a vida — e os pacientes costumam ter outras condições, como deficiência intelectual, transtornosdouble slotlinguagem, epilepsia ou síndromes genéticas.
Segundo um estudodouble slotcientistas americanos, estima-se que, aproximadamente, uma a cada 59 crianças tenha alguma característica do TEA. Não há dados específicos sobre pessoas com o grau mais severo.
Como costuma acontecer nos casos severos, Carola também tinha outras condições, como Transtorno Opositivo-Desafiador — caracterizado por um comportamento desobediente—, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e epilepsia.
Em razão das dificuldades, ela precisavadouble slotacompanhamento constante. As paredes do quarto dela eram forradas com placasdouble slotespumas coloridas, para evitar que Carola agredisse a si — o material foi colocado no cômodo após sucessivas crises nas quais ela bateu a própria cabeça na parede.
Por conta das dificuldades da filha, Graça deixou a carreiradouble slotprofessora infantil e assistente social há maisdouble slot20 anos. A donadouble slotcasa passou a se dedicar aos cuidados com Carola e com o caçula — ela engravidou quando a filha ainda era pequena.
"Não havia nenhum lugar onde poderia deixá-la enquanto estava trabalhando. Tivedouble slotparar. Naquela época, já era difícil. Hoje, as dificuldades continuam as mesmas", relata Graça.
A históriadouble slotCarola é um exemplo do autismo severo e da dedicação que os parentes das pessoas com essa condição precisam ter. Para relatar o que vivia com a filha e ajudar outras mães, Graça criou uma página no Facebook anos atrás.
A página "O autismodouble slotminha vida", que hoje tem maisdouble slot32 mil seguidores, se tornou referência entre pessoas que cuidam ou conhecem indivíduos com autismo severo.
Foi na página que Graça revelou,double slotnovembrodouble slot2018, que a filha quase morreu após uma grave crise epiléptica que a acometeu enquanto dormia. Na época, Carola desenvolveu uma pneumonia aspirativa — infecção do pulmão causada pela aspiraçãodouble slotpartículas que atingem as vias respiratórias e levam a sintomas como tosse e faltadouble slotar.
Em razão do episódio, ela passou diasdouble slotuma Unidadedouble slotTerapia Intensiva (UTI) até se recuperar. Os problemas causaram uma lesão cerebral que fez com que Carola parassedouble slotandar sozinha. Desde então, ela passava grande partedouble slotseus dias deitada.
Em 2019, Carola apresentou diversas dificuldades ao longo dos meses, mas seguiu se desenvolvendo aos poucos.
A mortedouble slotmeio ao coronavírus
Na manhãdouble slot10double slotabril, uma sexta-feira, Carola não acordou. Ela teve uma broncoaspiração enquanto dormia — quando líquidos, alimentos ou até a saliva são aspirados para o pulmão. Uma ambulância a encaminhou para uma Unidadedouble slotPronto Atendimento (UPA)double slotPetrópolis, onde recebeu os primeiros atendimentos.
Na última vezdouble slotque Graça viu a filha, Carola estava sendo levada para a sala vermelha da unidadedouble slotsaúde. "A minha filha estava sedada. Mas ainda assim, queria estar ao lado dela naquele momento", lamenta.
No dia seguinte, Carola foi levada para um hospital municipaldouble slotPetrópolis, especializadodouble slotpacientes com a covid-19, onde permaneceu entubada. A equipe que a acompanhou considerou que ela pudesse ter o novo coronavírus.
"Ela não tinha o coronavírus. Isso pra mim sempre foi muito claro. A minha filha vivia reclusa com a gente. Até as sessõesdouble slotfisioterapia, que ela fazia, foram suspensas no começodouble slotmarço, para que ela não tivesse contato com pessoasdouble slotforadouble slotcasa. Só se ela pegou depois que chegou ao hospital", afirma a mãe.
Graça acredita que a filha teve mais uma pneumonia aspirativa, como no fimdouble slot2018. "Não apuraram a fundo o caso dela, apenas consideraram suspeitadouble slotcovid-19 por ela estar com problemas respiratórios e pronto", afirma a mãe. Em casosdouble slotsuspeita do novo coronavírus, o paciente deve permanecer isolado.
Quadrosdouble slotpneumonia aspirativa são considerados comuns entre pessoas com problemasdouble slotdeglutição, principalmentedouble slotdecorrênciadouble slotdificuldades neurológicas, como era o casodouble slotCarola. Para argumentar que a filha não teve a covid-19, Graça cita o caso da morte do pequeno Arthur, filho da cearense Maria Inamá Araújo Santiago. O garoto morreudouble slot31double slotmarço, aos três anos. Ele não teve direito a velório, pois também foi considerado um caso suspeito do novo coronavírus. Posteriormente, um exame apontou que ele não tinha o vírus. Os médicos concluíram que ele morreu por pneumonia aspirativa.
Para Graça, assim como no casodouble slotArthur, a suspeitadouble slotque Carola pudesse ter a covid-19 foi equivocada. "Eles deveriam apurar melhor o que minha filha tinha, para que ela não ficasse sozinha. Eu sempre fui uma mãe presente e queria estar com ela", lamenta.
Os médicos chegaram a propor que Carola fosse tratada com cloroquina, remédio que vem sendo testado no combate à covid-19. "Eu não deixei, porque isso poderia prejudicá-la ainda mais. A minha filha tomava vários remédios e isso poderia piorar o quadro dela, principalmente porque eu não acredito que ela tivesse coronavírus", justifica Graça. A decisão da mãe foi apoiada pelo médico que acompanhara Carola nos últimos anos.
A donadouble slotcasa relata que desde que a filha foi levada para o hospital, sabia que ela tinha poucas chancesdouble slotsobreviver. "A Carola estava muito mal. Eu não acredito que ela pudesse resistir. Mas o que me dói é saber que ela se foi sem que eu estivesse por perto", diz.
Na manhãdouble slotdomingo, 12double slotabril, Carola morreu. "A minha filha descansou, mas não queria que as coisas fossem dessa forma", lamenta Graça. Horas mais tarde, ela e o marido participaram da cerimôniadouble slotdespedida,double slotum cemitériodouble slotPetrópolis. "Queria muito ter visto a minha filha, mas era caixão lacrado e isso me deixou muito angustiada. Não ter visto o rostinho dela naquele momento me deu a sensaçãodouble slotque ela não morreu."
"A funerária pegou o corpo dela no hospital, embaloudouble slotum plástico e levou para o cemitério no caixão", diz.
Por ser um caso apontado como suspeitadouble slotcovid-19, a cerimôniadouble slotdespedida contou com poucos convidados, os pais e dois casaisdouble slotamigos, e durou poucos minutos. "Foi uma situação horrível", declara.
"Te tiram o direitodouble slotvelar o seu filho. As pessoas dizem que é só um corpo. Realmente é só um corpo, mas o velório é uma despedida, é uma formadouble slotconcretizar a morte. Mas nem isso a minha filha teve direito", diz a donadouble slotcasa.
Sem exame
Depois da morte da filha, Graça aguardou o resultado do exame da covid-19. "Disseram que deveria ficar prontodouble slotuma semana", relata. Porém, ela foi surpreendida dias após o falecimentodouble slotCarola.
"Eu perguntei novamente sobre o exame e não tinham mais como me esconder, disseram que não foi feito."
"Trataram a minha filha como suspeitadouble slotcovid-19. Me deixaram distante dela e sequer fizeram o teste. Era esse exame que eu aguardava para comprovar que agiram errado no acompanhamento da minha filha, pois tinha certezadouble slotque daria negativo", critica Graça.
Os exames no Brasil são considerados insuficientes para atender a todos os casos. O Ministério da Saúde adquiriu novos lotes, que estão sendo distribuídos gradativamente pelo país. Ainda assim, a quantidade é considerada baixa, diante do crescimento exponencialdouble slotcasos. A principal orientação do ministério é que pacientes graves com suspeita, como era odouble slotCarola, sejam testados.
A reportagem entroudouble slotcontato com a Prefeituradouble slotPetrópolis. Por meiodouble slotassessoriadouble slotimprensa, os representantes do município não informaram se foi feito o testedouble slotcovid-19double slotCarola. Eles justificam que não podem passar informações específicas sobre pacientes. "O sigilo médico é firme neste aspecto e não podemos burlar as determinações", justifica,double slotnota encaminhada à BBC News Brasil.
No atestadodouble slotóbitodouble slotCarola consta que ela morreu por uma sequênciadouble slotproblemasdouble slotsaúde: insuficiência respiratória aguda, pneumonia, broncoaspiração, crise convulsiva e epilepsia. O documento não cita a suspeitadouble slotcovid-19.
Graça cobra respostas. Nos próximos dias, ela deve receber um documento com os detalhes do acompanhamento médico que a filha teve enquanto esteve internada. "Não vou descansar enquanto tudo não estiver esclarecido", assevera. Nas próximas semanas, planeja tomar as medidas cabíveis.
"Sempre tratei a minha filha da melhor forma possível. No final da vida, ela foi tratada feito um animal. Isso é muito triste para a minha família e não podemos deixar isso passar assim", declara.
Enquanto aguarda esclarecimentos, Graça tem evitado pensar no futuro. "A minha vida era a minha filha. Agora não sei o que vai ser daqui pra frente. A Carola me ensinou a viver. Me transformoudouble slotoutra pessoa. Conviver com ela foi uma escola. Passei a valorizar aquilo que realmente tem valor. Aprendi muito. Tenho sentido muita falta dela."
A única certeza que Graça tem sobre os próximos meses édouble slotque continuará com a página criada para retratar a rotina da filha. "Não vou parar, porque sei que ajuda muitas pessoas que têm parentes com autismo severo. É um assunto que precisa ser cada vez mais falado e esclarecido, para que as pessoas compreendam e para diminuir o preconceito", pontua Graça.
Para lidar com a saudade frequente, a donadouble slotcasa procura pensar que a filha está bem. "Agora ela vai poder brincar no arco-íris, como sempre quis."
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