Autismo severo: 'Um dos nossos maiores desafios é proteger a nossa filha dela mesma':roleta relampago
Para cuidar da filha, Graça teveroleta relampagoabdicar da carreiraroleta relampagoprofessora infantil e assistente social. "Não havia nenhum lugar onde poderia deixá-la enquanto estava trabalhando. Tiveroleta relampagoparar. Naquela época, já era difícil. Hoje, as dificuldades continuam as mesmas."
A históriaroleta relampagoCarola evidencia as dificuldades enfrentadas por pessoas diagnosticadas com autismo severo e seus parentes. "Existe muito preconceito", diz Graça.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido popularmente como autismo, é uma desordem complexa do desenvolvimento cerebral caracterizada por dificuldades na socialização e comunicação, alémroleta relampagopadrõesroleta relampagocomportamentos repetitivos.
Manifesta-seroleta relampagodiferentes níveis. No mais severo, são necessários cuidados por toda a vida — e os pacientes costumam ter outras condições, como deficiência intelectual, transtornosroleta relampagolinguagem, epilepsia ou síndromes genéticas.
Segundo um estudoroleta relampagocientistas americanos, estima-se que, aproximadamente, uma a cada 59 crianças tenha alguma característica do TEA. Não há dados específicos sobre pessoas com o grau mais severo.
Pessoas como Carola têm inúmeras dificuldades no cotidiano. Por isso, o apoio dos parentes é fundamental. Os cuidados incluem tratamento multidisciplinar, intervenções psicoeducacionais e usoroleta relampagotécnicas para desenvolver a linguagem e a comunicação.
"Caso o autista grave tenha acesso a tratamento e apoio familiar, pode ter uma vida tranquila. Mas é importante olhar para todos os envolvidos, porque o esforço é constante. Muitas vezes, a família fica cansada ou adoecida com a situação", explica o psiquiatra Fernando Sumiya, colaborador do Programa do Transtorno do Espectro Autista (Protea), que capacita profissionais para lidar com essa condição.
Mãe e filha
Carola foi adotada quando tinha um 1 ano e 4 meses. Graça conta que morava próximo da casa daroleta relampagomãe biológica e acompanhou a gestação. "Essa mulher tinha perdido o marido quando estava grávida da Carola. Já tinha outros filhos e teveroleta relampagocontinuar trabalhando, até o fim da gestação, para sustentar as crianças. Então, o fimroleta relampagogravidez da Carola foi conturbado", conta.
Quando Carola nasceu, Graça diz que a mãe biológica não deu atenção ao bebê. "Ela não tinha os cuidados necessários com a Carola, nem a alimentava direito." Diz que então ela um dia a procurou. "Ela ofereceu a criança como quem oferece uma peçaroleta relampagoroupa. Acabei ficando com a minha filha, talvez por destino."
Em seguida, a donaroleta relampagocasa e o marido procuraram a Justiça para formalizar a adoção. "Fiz isso sabendo que existia alguma dificuldade, mas nunca pensei que fosse tão grave. Com 1 ano e 4 meses, ela parecia ter 8 meses. Na época, a gente ouvia falar pouco sobre autismo."
Com o passar do tempo, os atrasosroleta relampagodesenvolvimento se tornaram mais evidentes. Quando Carola tinha 7 anos, Graça ouviuroleta relampagoum psiquiatra que a garota era uma "doente mental irrecuperável". "Ele disse que terminaria meus dias visitando minha filharoleta relampagoum manicômio."
Apesarroleta relampagoGraça ter sido orientada por profissionais a internar a filha, nunca aceitou fazer isso. "Sempre soube que não era a saída."
Nos primeiros anos, Carola já apresentou dificuldades para caminhar, falar e socializar, mas seu autismo severo só foi diagnosticado aos 8 anosroleta relampagoidade. Como é comum entre diagnósticos deste tipo, também tem outras condições, como Transtorno Opositivo-Desafiador — caracterizado por um comportamento desobediente –, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e epilepsia.
"Desde pequena, ela fez acompanhamento médico. O primeiro diagnóstico, por um neurologista, foiroleta relampagoatraso psicomotor. Ela começou a fazer tratamento com fisioterapeuta e fonoaudióloga e conseguiu evoluir bastante", relembra.
Família precisou se adaptar
Graça era donaroleta relampagouma escola infantilroleta relampagoPetrópolis, na região serrana no Rio, onde mora até hoje. Carola chegou a estudar ali durante a infância, mas seu comportamento pouco sociável e às vezes agressivo foi um problema.
"Tentei primeiro uma escola especial, mas ela não se adaptou. Quando a levei para minha escola, muitos pais não gostaram, porque ela tinha surtos, gritava e assustava os outros alunos", diz Graça.
Como ela não encontrou um local para deixar a filha durante parte do dia, enquanto trabalhava, ela fechouroleta relampagoescola. "Optei por cuidar dela."
Carola não foi alfabetizada,roleta relampagorazãoroleta relampagosuas dificuldadesroleta relampagocognição. Aprendeu apenas conceitos básicosroleta relampagocores e numerais. "Mas não outras coisas. Na época, não existia essa obrigatoriedaderoleta relampagoela ser aceitaroleta relampagouma escola."
O Ministério da Educação (MEC) afirmaroleta relampagonota à BBC News Brasil que atualmente proporciona meios para que estudantes com autismo frequentem escolas comuns e investe na formaçãoroleta relampagoprofessores eroleta relampago"salas multifuncionais" para a inserção destes estudantesroleta relampagoclasses comuns do ensino regular.
Graça diz que a inclusão no ensino comum continua precária. "Hoje, as escolas são obrigadas a aceitar esse aluno, mas é uma inclusão fictícia. Os professores não conseguem cuidar dele no meioroleta relampagooutras crianças. Alunos com autismo acabam não interagindo com os outros."
Após Graça fechar a escola, ela passou a se dedicar à Carola e ao filho caçula, na época com 4 anos, com o apoioroleta relampagouma cuidadora. Seu marido, que é microempresário, tornou-se o único responsável pelo sustento da casa.
A donaroleta relampagocasa afirma ser privilegiada pelo modo como consegue acompanhar a filha. "Tive a oportunidaderoleta relampagocuidar dela sem me preocupar tanto com a situação financeira, por mais que alguns períodos tenham sido difíceis. Podemos tratá-la com médico particular, que nos dá todo o suporte. Sempre a mantivemos confortável, bem alimentada e medicada. Muitos não têm essa possibilidade", diz.
O pairoleta relampagoCarola, Sérgio Maduro, diz que a vida da família mudou para que pudessem dar o acompanhamento adequado à filha. "Para que um possa sair, o outro temroleta relampagoficarroleta relampagocasa com a Carola. As dificuldades são muitas, porque não temos o apoioroleta relampagoninguém", diz.
Um dos maiores medos da família é que Carola faça mal a si mesma. As placasroleta relampagoespuma foram colocadas no quarto após sucessivas crisesroleta relampagoagressividade. "Por muitas vezes, desde a infância, ela bateu a cabeça na parede do quarto com força. Isso sempre nos preocupou", comenta Graça.
Segundo ela, Carola já falou diversas vezesroleta relampagose matar. "Não sei muito bem se ela entende o que é isso, mas sempre tivemos medoroleta relampagoque concretize essa vontade", diz.
Carola também costuma dar socosroleta relampagosi mesma e já tentou agredir a mãe. Desde os 9 anos, Carola toma um medicamento antipsicótico, por orientação médica, para controlar as crises. "Nunca entendemos exatamente o que a leva a esses momentosroleta relampagoagressividade. Normalmente, há um gatilho. Às vezes, é alguma dor, mas nem sempre, e acabo não conseguindo identificar o que a incomoda", diz Graça.
Essa agressividade está presentesroleta relampagodiversos casosroleta relampagoautismo. Especialistas explicam que a característica pode estar atrelada à condição principalmente quando a pessoa apresenta outros problemas, como o Transtorno Opositivo-Desafiador.
"Nem todo indivíduo com autismo é agressivo. Depende muito das comorbidades (os transtornos relacionados) daquela pessoa. Mas, quando há agressividade, é importante contar com uma equipe multidisciplinar, porque é um tratamento que envolve vários profissionais", afirma Sumiya.
O tratamentoroleta relampagoCarola
Não existe medicamento para tratar o autismo. Os remédios atenuam outras dificuldades. No casoroleta relampagoCarola, ela também é medicada para controlarroleta relampagoepilepsia e distúrbio do sono, que pode fazer com que passe dias sem dormir.
O psiquiatra Thiago Coronato, que a acompanha desde 2015, explica que o tratamento se concentraroleta relampagoajudá-la a dormir e seu comportamento agressivo. "O objetivo é melhorar a cognição dela e a interação com o mundo, além do trabalhoroleta relampagoreabilitação psicomotor."
Carola também faz tratamentos alternativos, com supervisão médica. Por quase um ano, tomou óleoroleta relampagocanabidiol doado pelo pairoleta relampagoum garoto com autismo que não havia se adaptado ao produto e já havia conseguido autorização da Agência Nacionalroleta relampagoVigilância Sanitária (Anvisa) para importá-lo. "Mas não trouxe o resultado positivo que esperávamos, e acabamos não importando", afirma Graça.
Carola costumava sentar e andar sozinha até novembro passado, quando foi internada após uma grave crise epiléptica que a acometeu enquanto dormia. "Isso causou uma lesão cerebral, que a prejudicou ainda mais", dizroleta relampagomãe.
Graça criou uma página no Facebook, chamada "O autismoroleta relampagominha vida", que tem quase 25 mil seguidores, na qual relata a rotinaroleta relampagoCarola. "Comecei a publicar porque a quantidaderoleta relampagoautistas no nível da Carola é grande, e a faltaroleta relampagoapoio do poder público é imenso. As pessoas passam muitas necessidades, e isso precisa ser falado", diz.
Todos os tratamentos e remédiosroleta relampagoCarola são custeados pelos paisroleta relampagorazão das dificuldades no Sistema Únicoroleta relampagoSaúde (SUS) para atender pacientes com autismo. Eles entraram na Justiça para consegui-los gratuitamente.
"O atendimento no SUS é muito precário. Depender do atendimento público e ficar aguardando vaga é muito complicado. Quase não existe psiquiatra na rede. Isso acaba deixando as famílias ainda mais transtornadas", pontua Graça.
Para Graça, as políticas públicas atuais são ineficientes para atender todas as pessoas com autismo severo. "Há muitos casos como o da minha filha. Com tantas dificuldades, muitos pais internam seus filhos, porque precisam trabalhar, e não há locais adequados que atendam pessoas com autismo. Normalmente, são hospitais psiquiátricos que atendem outros tiposroleta relampagodoenças mentais. Os autistas são tratados como doentes mentais e não recebem o apoio adequado para evoluir."
Em nota, o Ministério da Saúde disse à BBC News Brasil que pacientes com autismo são atendidos pela Rederoleta relampagoAtenção Psicossocial (RAPS), que oferece acompanhamento e avaliações para esses pacientes. "A avaliação multiprofissional é realizada por uma equipe composta por médico psiquiatra ou neurologista e profissionais da árearoleta relampagoreabilitação para estabelecer o impacto e repercussões no desenvolvimento global do indivíduo", afirmou a pasta.
Segundo o ministério, 2589 Centrosroleta relampagoAtenção Psicossocial (CAPS) no país que cuidamroleta relampagopessoas "com transtornos mentais e usuáriosroleta relampagoálcool e outras drogas". "O objetivo é oferecer acompanhamentoroleta relampagosaúde mental e reinserção social, pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários", afirmou a pasta.
Graça afirma que a filha estava regredindo antesroleta relampagoter a crise epiléptica, o que gravou esse quadro. "Ela tem Transtorno Desintegrativo, que faz com que perda habilidades que já conquistou. Hoje, nossa luta é para conseguir fazer com que ela não regrida mais, para que possa ter mais qualidaderoleta relampagovida." Mas, com fisioterapia e tratamentos alternativos, Carola recuperou parte dos movimentos perdidos.
Por diversas vezes, Graça se viu esgotada física e emocionalmente,roleta relampagorazão do cuidado intenso com a filha. Mas diz que nunca pensouroleta relampagodesistirroleta relampagoCarola. Diz que continuará a se dedicar integralmente à ela. "Vivoroleta relampagofunção dela, porque meu caçula tem 23 anos e se mudou para fazer faculdade. A gente amadurece muito quando passa por isso", afirma.
"Muitas vezes ouviroleta relampagomédicos ouroleta relampagopessoas próximas que não deveria cuidar dela. Diziam que era loucura abandonar minha vida por ela, que Carola não é minha filha. Mas é, sim. É minha responsabilidade desde o diaroleta relampagoque a adotei, e farei isso até quando Deus quiser."
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