Coronavírus: é cedo para comemorar avanço anunciado pelo governo na busca por remédio, dizem pesquisadores:
Se a droga funcionar, disse ele, um protocolo poderá estar disponível "entre 30 e 45 dias". O prazo é considerado exíguo pelos pesquisadores ouvidos pela reportagem.
Os pesquisadores não vão revelar o nome do medicamento até que testes clínicospacientes com covid-19 comprovem a eficácia - segundo o ministro, a ideia é evitar que aconteça uma corrida pela substância, que já está disponível nas farmácias brasileiras e é usadaoutros contextos.
Segundo o ministério, trata-seuma drogabaixo custo e que tem a vantagemnão possuir efeitos colaterais graves, como a hidroxicloroquina, a outra droga cujo uso está sendo estudado para o tratamento da covid-19.
Os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil concordam que ainda é muito cedo para comemorar. Mas divergem a respeito do quão promissora é a droga apresentada por Marcos Pontes.
Para a bióloga Natalia Pasternak, o fatoa droga ter eliminado o vírus numa culturacélulas não significa "absolutamente nada".
"Não representa nada, nada mesmo. Esses 94%eficácia são in vitro. In vitro, ou seja,culturacélulas,laboratório. Nesse ponto tem um montesubstâncias que funcionam. E que depois, quando você passa para os testesanimais ehumanos, deixamfuncionar", diz ela, que é pesquisadora do InstitutoCiências Biomédicas da UniversidadeSão Paulo (USP) e presidente do Instituto QuestãoCiência.
"Normalmente, só 7% dos medicamentos testados é que conseguem chegar no mercado. O restante é descartado no meio do caminho", diz a pesquisadora.
"A cloroquina também funcionou muito bem in vitro, da mesma forma que esse medicamento que o ministro está anunciando. A cloroquina se mostrou muito promissora in vitro, e matou uns 95% da carga viral. Só que ela não fez isso só com o SARS-CoV-2 (o vírus causador da doença covid-19. In vitro, ela também foi extremamente bem sucedida para outras viroses (no passado), como dengue, zika, HIV, chikungunya, a própria Sars (causada por outro tipocoronavírus) e o ebola. Para todas essas viroses, a cloroquina funcionou super bem,célulascultura", diz a pesquisadora.
"Mas daí, quando foram fazer os testesanimais, não deu certo. Para nenhuma dessas doenças. Inclusive para a Sars. Foi testadacamundongos e não funcionou. Além disso, para você ver como é imprevisível, e como não dá para confiar no resultado in vitro: a cloroquina, quando foi testadaanimais para ebola e para chikungunya, ela aumentou a carga viral dos animais", explica ela.
Outros pesquisadores, que estão envolvidospesquisas sobre a covid-19, dizem que a redução da carga viral in vitro é um "indício"que a droga pode ter uma função contra a doença na vida real.
"O que eu posso te dizermaneira ampla, mas não ligado à fala dele (Pontes), é que quando você tem um benefício mecanístico, (de redução da) carga viral, é uma sugestãoque pode funcionar. Você precisa sempre ter a confirmação clínica, por meiodesfechos clínicos, mas é um bom indício. Se teve essa redução da carga viral, é um indício promissor", disse à BBC News Brasil o dr. Álvaro Avezum, diretor do Centro InternacionalPesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
"Agora, como o ministro disse, é preciso aguardar o teste clínico. Várias coisas são promissoras, e a gente torce para que muitas delas se consagrem com a eficácia, para a gente reduzir o ônus da covid-19", disse ele. Avezum ressaltou que estava comentandotese, pois não assistiu a toda a entrevistaMarcos Pontes.
"A redução da carga viral é um beloum indício. Mas o teste clínico, a etapa posterior, é que vai confirmar isto. Todo medicamento deve passar por esse teste, antesdeclarar a eficácia e a segurança", disse.
"Quando você coloca essas outras drogas, elas potencialmente são candidatas? Sim. Mas elas terãopassar por estes mesmos testes que a hidroxicloroquina está passando. Então, potencialmente, se a hidroxicloroquina for mesmo eficaz, ela está um passo à frente dessas outras. Todas as outras precisarão passar pelo mesmo caminho", diz o dr. Roberto Amazonas, que é diretor médico-científico do laboratório farmacêutico EMS.
"Se é uma droga que já existe no mercado, então talvez seja possível pular algumas etapas, acelerando o processo. Mas não é possível evitar o estudo com pacientes portadorescovid, para avaliar a eficácia nessa população", frisa ele.
'Garimposubstâncias'
O anúncio feito por Marcos Pontes no Palácio do Planalto é frutouma pesquisacientistas do Centro NacionalPesquisaEnergia e Materiais (CNPEM),Campinas (SP).
Segundo Pontes, os pesquisadores chegaram ao medicamento após analisarem mais2 mil remédios jáuso no Brasil. Dentro deste conjunto, eles selecionaram seis compostos que tiveram potencial para reduzir a reprodução do vírus causador da covid-19.
Os pesquisadores do centropesquisa localizadoCampinas, no interiorSão Paulo, usaram técnicasbiologia molecular e estrutural, computação científica, quimioinformática, inteligência artificial e informações da literatura científica para avaliar as moléculasmedicamentos que já são usados para tratar outras doenças.
O próximo passo dos cientistas, depois dos testes clínicos com a droga, é buscar outros medicamentos para compor um coquetel que possa aumentar ainda mais a eficácia do tratamento.
De acordo com os pesquisadores do CNPEM, a cloroquina, recomendada como tratamento já na fase inicial da covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro, foi usada como referência, mas não está entre as drogas testadas.
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