'Nossa alma africana nunca foi valorizada como deveria', diz Laurentino Gomes:7games coisa para baixar
"Como a história é ferramenta7games coisa para baixarconstrução da identidade (...) é natural que a história, e também os seus símbolos, sejam manipulados pelas autoridades, pelos partidos políticos, pelos diferentes grupos ideológicos", afirma.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele exemplifica como a estratégia foi usada nos primeiros anos da República, no Regime Militar, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por Bolsonaro.
"Se você observar, a frase preferida do presidente Lula, no governo do PT, era 'nunca antes na história deste país'. É uma maneira7games coisa para baixarreescrever o passado para justificar conquistas e desafios do presente", diz.
"E o governo atual faz a mesma coisa, tenta reescrever a história. Inclusive com essa história da escravidão,7games coisa para baixarque os brancos não têm nada a ver com a escravidão. Existe um projeto político muito bem-definido, cujo objetivo é, ou combater as políticas públicas7games coisa para baixarvigor, ou impedir que novas políticas públicas destinadas a enfrentar o legado da escravidão sejam discutidas e implantadas."
Na entrevista, Laurentino Gomes também explicou os elos entre datas e símbolos que um país escolhe exaltar - como é o caso do feriado7games coisa para baixar77games coisa para baixarSetembro -, e os eventos do passado que tentamos esconder.
"Preferimos valorizar imagens enganosas com as quais aprendemos a nos identificar, como o gigante adormecido7games coisa para baixarberço esplêndido, a bandeira, o hino, e deixamos7games coisa para baixarlado momentos incômodos do passado. A violência, a corrupção, os milhões7games coisa para baixarafricanos que foram escravizados no Brasil", disse o escritor.
Gomes destaca, sobretudo, o que chama7games coisa para baixar"negligência histórica" ao legado7games coisa para baixarescravidão.
"Nossa alma africana nunca foi observada, estudada, valorizada como deveria", disse o escritor. "E é por descuidar dessa alma que digo que viramos, sem querer fazer um jogo rasteiro7games coisa para baixarpalavras, um país desalmado. Temos uma visão mercantilista dos símbolos nacionais, valorizamos o aspecto físico dos recursos naturais, mas não é isso o que reflete e valoriza a sociedade brasileira."
Entre as consequências que enfrenta um país ao ignorar7games coisa para baixaralma, lembrou o escritor, está o caso do adolescente que levou chibatadas dentro7games coisa para baixarum supermercado na periferia7games coisa para baixarSão Paulo, conforme noticiado esta semana.
"Aquilo foi muito forte, porque jogou um holofote sobre um legado da escravidão que a gente julgava que estava apenas7games coisa para baixarbibliotecas,7games coisa para baixarlivros7games coisa para baixarhistória do Brasil. É uma prática muito comum no regime escravista, um século e meio atrás, que aparece7games coisa para baixar2019 na periferia da cidade mais rica do país."
Laurentino Gomes lançou nesta sexta (6) o livro "Escravidão", na Bienal do Livro do Rio7games coisa para baixarJaneiro.
Leia os principais trechos da entrevista do autor à BBC News Brasil:
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Como o processo7games coisa para baixarIndependência do Brasil, que comemora-se neste sábado, se relaciona com a escravidão, que só foi terminar quase 70 anos depois?
7games coisa para baixar Laurentino Gomes - Ao pesquisar a escravidão, concluí que esse é o principal assunto da História do Brasil, não só pelos números e pela duração do tráfico dos escravos ou pela persistência do legado da escravidão hoje, mas, porque quando você observa os grandes fatos históricos brasileiros, a escravidão é o fio condutor. É o que alinhava uma coisa na outra, e um caso exemplar é a Independência do Brasil.
Em 1821, os escravos e os seus descendentes, a população negra brasileira, já era amplamente majoritária. Os brancos eram minoria. E havia, segundo o historiador Sérgio Buarque7games coisa para baixarHolanda, um sentimento7games coisa para baixarmedo, que funcionou como amálgama do processo7games coisa para baixarIndependência do Brasil. Medos7games coisa para baixarduas naturezas. Primeiro,7games coisa para baixarque o Brasil mergulhasse numa guerra civil republicana como estava acontecendo na américa espanhola.
As lideranças políticas locais mergulharam numa guerra para defender seus territórios, seus interesses e a América espanhola se separou7games coisa para baixarvários países independentes. Esse era o primeiro medo, ou seja, a conquista da integridade territorial tinha sido muito árdua durante o período colonial brasileiro.
Mas aí havia um segundo medo, que se somava ao primeiro: na hipótese7games coisa para baixaruma guerra civil republicana no Brasil, os chefes políticos regionais, que eram rivais entre si, teriam que armar os seus escravos, porque eles não tinham força armada que não fosse a da própria escravidão. E esses escravos armados e imbuídos das ideias libertárias que sopravam da Revolução Francesa, da Independência dos Estados Unidos, e assim por diante, poderiam reivindicar a própria liberdade. Isso poderia resultar num banho7games coisa para baixarsangue, como aconteceu no processo7games coisa para baixarindependência do Haiti, entre 1789 e 1794. Esse era o medo, representado por uma expressão muito corrente na época, que era o "Haitiismo".
Havia, então, a soma desses dois medos: o medo7games coisa para baixaruma guerra civil republicana e o7games coisa para baixaruma guerra étnica. Como ambos ameaçavam os interesses da elite escravista brasileira, essa elite optou por uma revolução conservadora. Eles se agregaram ao redor do herdeiro da Coroa7games coisa para baixarPortugal, o príncipe D. Pedro I, imperador brasileiro, romperam os vínculos com a metrópole, mas não mexeram7games coisa para baixarnada. Não acabaram com o tráfico7games coisa para baixarescravos, não acabaram com a escravidão, não educaram as pessoas, não fizeram a reforma agrária, mantiveram a estrutura social vigente. E isso explica o processo7games coisa para baixarindependência totalmente diferente do Brasil7games coisa para baixarrelação aos seus vizinhos da América.
Então, isso explica um pacto entre essa aristocracia brasileira e o trono brasileiro, que manteve a monarquia por tanto tempo no Brasil, por 67 anos após a Independência. Um apoiava o outro, e um não mexia nos interesses do outro.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - No seu livro, o senhor aponta que o sistema escravista se fortaleceu ainda mais depois da Independência. A sociedade brasileira se estruturava nele?
7games coisa para baixar Laurentino -Sim, se fortaleceu porque era um sistema que, do ponto7games coisa para baixarvista da elite brasileira, vinha funcionando muito bem ao longo do Brasil colonial. Os números depois da independência,7games coisa para baixartráfico7games coisa para baixarescravos, foram uma coisa incrível. E é interessante como a escravidão volta a ser depois o fio condutor para a proclamação da República. É ela que dá sentido aos acontecimentos. Porque, no fim do século 19, o Brasil passou a sofrer uma pressão colossal abolicionista. Viramos um pária internacional, muito semelhante ao que aconteceu com a África do Sul durante o regime7games coisa para baixarsegregação racial, no século 20. E é aí que o trono se torna também abolicionista, acaba fazendo a Lei Áurea, e o pacto se quebra.
E não é por acaso que, no ano seguinte, 1889, o edifício todo implode, acaba a monarquia e vem a República. Isso mostra que realmente não dá para entender os grandes acontecimentos da história do Brasil, incluindo a Independência e a República, sem entender que o mecanismo que conduz os acontecimentos é justamente a escravidão. E, antes disso, há mostra7games coisa para baixarcomo o regime estava estruturado na escravidão: não só a Independência, o rompimento formal no dia 77games coisa para baixarsetembro7games coisa para baixar1822, mas os seus desdobramentos, o próprio destino do Primeiro Reinado (1822-1831), do brevíssimo Primeiro Reinado,7games coisa para baixarapenas nove anos, é permeado pela escravidão. Lembra? D. Pedro se tornou imperador do Brasil7games coisa para baixar1822, logo após o grito do Ipiranga, e as diversas províncias, as diversas correntes políticas existentes no Brasil - republicanos, constitucionalistas, maçons, liberais, e assim por diante -, aceitaram7games coisa para baixartroca da promessa7games coisa para baixarque Dom Pedro convocaria uma Constituinte. Que faria uma lei a qual o próprio imperador estaria sujeito, né, teria que respeitar. Esse era o plano.
Mas, aí, essa constituinte convocada7games coisa para baixar1822 foi extinta, dissolvida7games coisa para baixarnovembro7games coisa para baixar1823. E qual foi a razão? A escravidão. Porque começaram a ser muito fortes os debates no Parlamento, especialmente uma proposta do José Bonifácio7games coisa para baixarAndrade e Silva, para acabar com o tráfico negreiro e acabar com a escravidão. O José Bonifácio, às vésperas da disssolução da Constituinte, ia apresentar um projeto para acabar com o tráfico7games coisa para baixarescravos. E aí, pronto: todo o processo constituinte desandou. A Constituinte - que foi um pacto estabelecido entre D. Pedro e os diversos grupos rivais, adversários na época - se dissolveu. O motivo foi principalmente a ameaça que os fazendeiros, os cafeicultores, os senhores7games coisa para baixarengenho, os mineradores7games coisa para baixarouro e diamante sentiram, diante da possibilidade7games coisa para baixarque essa Constituinte acabasse com o tráfico7games coisa para baixarescravos. E aí o primeiro reinado mergulha numa crise e não sai mais.
Ninguém mexia com a escravidão.
Quis mexer, acabou com o Primeiro Reinado. A dissolução da Constituinte é um primeiro golpe7games coisa para baixarmorte na popularidade7games coisa para baixarD. Pedro I. Ele tinha saído como herói da Independência e rapidamente vira vilão. Claro, houve outras causas, os escândalos da vida pessoal, o envolvimento dele com a Marquesa7games coisa para baixarSantos, mas a principal razão foi essa. O fato7games coisa para baixarele ter dissolvido a Constituinte, pressionado pelos interesses escravistas, e aí o primeiro reinado entra numa crise que vai terminar no dia 77games coisa para baixarabril7games coisa para baixar1831, quando o imperador abdica e vai embora, né.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - O seu livro 1822, da trilogia anterior, trata justamente do processo7games coisa para baixarindependência do Brasil. O que mudou para os escravos, viver7games coisa para baixarum país livre da colôina portuguesa?
7games coisa para baixar Laurentino - No livro 1822 eu escrevi um capítulo chamado "Os Órfãos", mostrando que há uma sensação7games coisa para baixarorfandade no processo da Independência do Brasil, por parte das camadas mais pobres da população, que incluía os ribeirinhos, os sertanejos do Nordeste, mas principalmente os escravos. É muito interessante que,7games coisa para baixar1821, quando chegou ao Brasil a notícia da Revolução Liberal do Porto, muito influenciada pela Revolução Francesa, e a principal causa da volta7games coisa para baixarD. João para Lisboa, um escravo7games coisa para baixarMinas Gerais chamado Argoin, um dos poucos escravos que sabia escrever, escreveu uma carta aos seus vizinhos, negros cativos, que dizia o seguinte: observe o cativeiro7games coisa para baixarvocês, porque os nossos irmãos7games coisa para baixarPortugal fizeram uma revolução que nos iguala aos brancos.
Então é hora7games coisa para baixarlutar por essa liberdade. Ou seja, o Argoin, e também os escravos, achavam que essas ideias libertárias que vinham da Europa eram para eles também, e não eram. Era só para os brancos. Que é exatamente o que aconteceu no Haiti, uma colônia francesa, houve uma revolução escrava e um banho7games coisa para baixarsangue exatamente quando os cativos perceberam que as ideias que sopravam7games coisa para baixarParis não eram para eles, eram só para os brancos. E aí houve uma revolução e um massacre dos brancos no Haiti.
E, no Brasil, também. Claro que aqui era uma massa enorme7games coisa para baixaranalfabetos, não havia informação, a imprensa era muito recente, a comunicação no interior do Brasil era muito precária. Mas essas ideias chegavam. Isso explica, por exemplo, a quantidade7games coisa para baixarrebeliões7games coisa para baixarnatureza popular envolvendo segmentos muito pobres da população nos anos seguintes à abdicação7games coisa para baixarD. Pedro,7games coisa para baixar1831. Você tem a Cabanagem no Pará, a Revolta dos Cabanos,7games coisa para baixarPernambuco, a Balaiada no Maranhão, depois a Sabinada na Bahia, e assim por diante. E é justamente isso. Envolvendo gente muito simples, gente muito pobre que julgou que tinha ficado à margem do processo7games coisa para baixarIndependência. Por isso eu digo que há essa orfandade na Independência do Brasil. E essas rebeliões foram sufocadas à ferro e fogo para que o sistema se mantivesse.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Como os governos fazem uso político7games coisa para baixaruma data como a da Independência? Datas simbólicas como essa são usadas para encobrir problemas, por exemplo?
7games coisa para baixar Laurentino -Sim. Existe uma construção oficial da história do Brasil tentando fazer uma narrativa, que eu diria que é uma narrativa basicamente masculina, branca e europeia. São os grandes personagens, os grandes acontecimentos, a vinda da corte portuguesa. Podemos enumerar: a chegada7games coisa para baixarPedro Álvares Cabral, os governadores gerais, a chegada da corte, depois a Independência, a República, D. Pedro I, D. Pedro II, Princesa Isabel. Há uma celebração7games coisa para baixartorno desses personagens, primeiro com viés monárquico e depois com uma narrativa republicana.
Mas, por outro lado, existe uma história que fica escondida e diz muito sobre quem somos. Por exemplo, a história da escravidão, eu diria que comparada com a história7games coisa para baixarascendência europeia, digamos assim, o que poderíamos chamar7games coisa para baixarhistória branca, ela é muito menos valorizada do que esses personagens e acontecimentos emblemáticos. O Brasil nunca teve até hoje um único grande museu nacional da escravidão, ao contrário do que há7games coisa para baixarLiverpool, na Inglaterra,7games coisa para baixarAngola,7games coisa para baixarWashington, nos Estados Unidos. É uma maneira, inclusive,7games coisa para baixaresconder uma parte da história que incomoda. Porque os museus não são apenas lugares7games coisa para baixarentretenimento,7games coisa para baixarlevar criança e passar uma tarde. Eles são locais7games coisa para baixarreflexão. E, quando você reflete sobre determinados assuntos, isso tem consequência política. As pessoas vão tomar decisões, vão chegar a determinadas conclusões, e isso resulta7games coisa para baixardecisões que são tomadas na urna, na adoção7games coisa para baixarpolíticas públicas e assim por diante.
Também pode ser uma estratégia esconder uma parte da história, ou maquiá-la com mitos. Por exemplo, há toda uma historiografia construída no Brasil7games coisa para baixarque tivemos uma escravidão mais benévola, mais patriarcal, e que isso resultou numa grande democracia racial. Esses são mitos que a gente construiu a respeito7games coisa para baixarnós mesmos, para encobrir o legado da escravidão, e encobrir não só as estatísticas absurdas com as quais convivemos hoje, um abismo7games coisa para baixaroportunidades entre brancos e afrodescendentes, mas também o preconceito racial, que é muito visível no Brasil. E a gente finge que é uma grande democracia racial.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Por que há muita dificuldade7games coisa para baixaracertar as contas com esse passado?
7games coisa para baixar Laurentino -Porque a escravidão não é só um comércio7games coisa para baixargente. Ela é uma estruturação da sociedade,7games coisa para baixarpoder, distribuição7games coisa para baixarrecursos,7games coisa para baixarterras, riquezas,7games coisa para baixarbenefícios e7games coisa para baixarprivilégios. Um grupo tem acesso a riqueza, a privilégios, a confortos, à repartição dos recursos públicos, e outro não. E isso acontece hoje também. Então quando você vê, por exemplo, esse mar7games coisa para baixardesigualdade no Brasil, nós estamos falando da mesma coisa. Um grupo muito pequeno, privilegiado, que tem acesso aos recursos públicos, tem acesso às melhores áreas7games coisa para baixarmoradia, por exemplo, no Rio7games coisa para baixarJaneiro. Existe uma segregação real hoje no Rio7games coisa para baixarJaneiro, como existe7games coisa para baixarSalvador e São Paulo. Os morros são habitados por afrodescendentes. Os bairros chiques e nobres da Zona Sul são habitados por brancos. Isso acontece também nos Jardins,7games coisa para baixarSão Paulo, nos bairros da periferia, nos morros7games coisa para baixarSalvador e assim por diante. Mas também como os recursos do estado são destinados, né.
Quem é que vai ter acesso às oportunidades, à escola, à saúde, à educação. E a história fundamenta isso, a história é que justifica a organização7games coisa para baixaruma sociedade, a identidade7games coisa para baixarum país,7games coisa para baixaruma nação. Então a maneira como você narra, ou deixa7games coisa para baixarnarrar, esconde a história, resulta7games coisa para baixarcomo a sociedade vai distribuir os benefícios entre seus diversos grupos. Eu acho que hoje nós temos no Brasil um sistema7games coisa para baixarfato7games coisa para baixarcastas muito bem definido, embora a gente finja que nós somos um país igualitário, democrático, e7games coisa para baixaroportunidades iguais. As estatísticas e a realidade visível na paisagem urbana geográfica do Brasil mostra que não.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Como os símbolos nacionais ajudam a consolidar esse sistema? A bandeira, os desfiles, por exemplo.
7games coisa para baixar Laurentino - Isso é interessante. Na abertura do meu livro sobre a Escravidão, eu cito como epígrafe uma frase do padre Antônio Vieira, do finalzinho do século 17, que ele dizia o seguinte: "O Brasil tem o seu corpo na América, e a7games coisa para baixaralma na África". O que ele está dizendo? O Brasil tem a7games coisa para baixargeografia na América, a7games coisa para baixarpresença física, mas a essência, o povo, o elemento mais importante7games coisa para baixarconstituição da sociedade brasileira era7games coisa para baixarmatriz africana. Aí, quando você olha, por exemplo, a bandeira nacional, o que aparece lá? Aparecem os aspectos do corpo físico. As florestas, o ouro, o céu azul, o Cruzeiro do Sul. Você não tem povo brasileiro na bandeira do Brasil. Então eu diria que é interessante você observar isso, que a gente sempre valorizou muito as riquezas nacionais, né. Como se isso fosse a grande virtude, o gigante adormecido "em berço esplêndido", como o Hino Nacional diz. Que berço esplêndido é esse?
Com grandes potenciais, recursos naturais, solo e sol e um clima adequado que para o agronegócio prosperar, as jazidas, mas a gente não cuida da nossa alma. A nossa alma africana nunca foi observada, estudada, valorizada da forma como deveria. E sem querer fazer um jogo rasteiro7games coisa para baixarpalavras, com isso nós viramos um país desalmado, né. Um país que pensa nos seus símbolos nacionais e patrióticos e tenta esconder o legado da escravidão, isso é um retrato7games coisa para baixarum país que descuida da alma. Cuidamos muito da geografia. Temos uma visão mercantilista dos símbolos nacionais, valorizamos o aspecto físico dos recursos naturais, mas isso não reflete e nem valoriza a sociedade brasileira.
Fica mais contraditório por estarmos na era da informação, da tecnologia, da possibilidade7games coisa para baixaras pessoas realizarem seus talentos, potenciais, vocações. Um país é constituído principalmente pelos seus habitantes. E não pelos seus recursos naturais. E é preciso notar, é interessante que nossos símbolos nacionais, nosso hino, nossa bandeira valoriza o corpo e não a alma do Brasil.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Por que o interesse7games coisa para baixarvalorizar os símbolos?
7games coisa para baixar Laurentino -Para defender a forma como a sociedade se estruturou,7games coisa para baixarcima para baixo, e que permita a um pequeno grupo explorar o trabalho e o potencial de, no limite, como mostra o período da escravidão, explorar o outro ser humano. É o que eu chamo de, no livro 1889,7games coisa para baixaruma miragem, no século 19. Os símbolos nacionais, a narrativa, os mitos nacionais foram implantados no século 19, incluindo o hino nacional e a bandeira.
Então você tem o Império brasileiro constituído por uma pequena elite bem educada,7games coisa para baixarCoimbra, no centro7games coisa para baixarformação europeus, e aí tinha todo um ritual7games coisa para baixarcorte europeia, tinha uma arquitetura imperial7games coisa para baixarPetrópolis, no Rio7games coisa para baixarJaneiro, tinha barão, visconde, conde, duque, príncipe, imperador. E, nas ruas, pobreza, analfabetismo e escravidão. Essa era a realidade brasileira até o final do século 19. E eu diria que é até agora. Quando eu nasci,7games coisa para baixar1956, metade dos brasileiros era7games coisa para baixaranalfabetos, o índice7games coisa para baixaranalfabetismo era7games coisa para baixar50%. Então você vê que tem um descompasso entre o Brasil sonhado, o Brasil vendido nos seus símbolos e nos seus mitos, e o Brasil real.
Isso tem consequência na forma como a sociedade distribui os seus privilégios, os seus recursos. E, pelo que notamos, quem está no governo representa grupos que se interessam por manter as coisas como estão. É muito interessante, por exemplo, que nesta época exista uma narrativa que tenta perpetuar esses mitos. Então, por exemplo, um candidato no ano passado, que por acaso virou presidente da República, dizia que os portugueses nunca tinham entrado na África, e que a culpa pela escravidão era dos próprios africanos. Culpava os escravos pela7games coisa para baixarprópria escravidão. Por que isso? É um projeto político que se opõe a políticas públicas destinadas a enfrentar o legado da escravidão.
Um projeto que questiona as cotas para afrodescendentes7games coisa para baixarescolas, impostos da administração pública, que não quer dar qualquer tipo7games coisa para baixarapoio mínimo às comunidades quilombolas no Brasil. Visitei muitas delas, são lugares muito pobres,7games coisa para baixaruma população carente. Então, quando você quer se opor a políticas públicas7games coisa para baixarcompensação, você tenta reescrever a história. E diz que os quilombolas são todos gordos, pesam sete arrobas, preguiçosos, que vivem dos recursos do Estado. Não é um discurso bobo apenas para alimentar brigas nas redes sociais. Existe um projeto político muito bem-definido e7games coisa para baixarimplantação acelerada, cujo objetivo é, ou combater as políticas públicas7games coisa para baixarvigor, ou impedir que novas políticas públicas destinadas a enfrentar o legado da escravidão sejam discutidas e implantadas. O uso7games coisa para baixarsímbolos patrióticos é só uma faceta pequena disso.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Qual a relação do brasileiro com os seus símbolos?
7games coisa para baixar Laurentino - É muito contraditória. Por exemplo,7games coisa para baixarvéspera7games coisa para baixarCopa do Mundo todo mundo põe a bandeira nas costas, ou no carro e canta o hino nacional, e isso é muito brasileiro e é muito ufanista. E aí quando a seleção perde, vira uma sensação7games coisa para baixargrande desânimo, um vácuo. No fundo, isso não é coisa só do futebol. No fundo, como é que eu me identifico com o Brasil? Que país é esse? O que esses símbolos representam? Porque o Brasil é criado por uma série7games coisa para baixarmitos, né. De que uma hora acordaríamos e surpreenderíamos o mundo. Mas por que demora tanto? Por que o Brasil perde oportunidades uma atrás da outra? Ou o mito7games coisa para baixarsermos um povo pacífico, ordeiro, honesto, trabalhador. Mas por que 19 das 50 cidades mais violentas do mundo estão no Brasil? Por que tanta corrupção? Por que existe uma guerra civil7games coisa para baixarfato7games coisa para baixarandamento nas periferias das cidades brasileiras? E também aí chegamos na escravidão, na tal democracia racial. Como esses símbolos, o hino, a bandeira, elas representam a identidade nacional, acho que o brasileiro, quando finalmente vê7games coisa para baixarrealidade no espelho, vê que o país é muito menos poderoso, igualitário e heróico do que os símbolos projetam, ele reluta a se identificar com o país que está descrito nos símbolos.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - E qual a consequência desse descompasso?
7games coisa para baixar Laurentino - A consequência nós estamos vendo agora. E eu vejo isso7games coisa para baixarforma positiva. O Brasil hoje vive um período muito novo, inédito na7games coisa para baixarhistória, que são mais7games coisa para baixar30 anos7games coisa para baixardemocracia sem ruptura. Claro que é uma democracia com muitos sobressaltos, muitos sustos no meio do caminho, mas pela primeira vez estamos aprendendo a exercitar a democracia. E neste ambiente nós estamos confrontando os nossos mitos. Então eu diria que nunca se discutiu tanto o Brasil quanto agora. Pode ser até7games coisa para baixaruma forma ainda bastante inadequada, com muita polarização, muita intolerância, muita agressão nas redes sociais, e até nas declarações das autoridades, mas o fato é que a gente está discutindo o Brasil. Se você entrar lá, tudo isso que a gente falou aqui está sendo discutido. Por que o Brasil não dá certo, nada funciona, a questão da escravidão, a herança africana, a violência, a corrupção. Então acho que isso é um bom sinal. No passado, sequer a possibilidade7games coisa para baixargritar e brigar existia.
Vivíamos sob uma monarquia,7games coisa para baixarmeio a um mar7games coisa para baixaranalfabetos e pobres, e só uma pequena elite falava e discutia, produzia ensaios, discursos no parlamento a respeito do Brasil. Depois, várias ditaduras militares, regimes autoritários que impunham a censura e impediam que as pessoas falassem, se manifestassem ou participassem7games coisa para baixarreuniões política.
Embora o ambiente hoje seja7games coisa para baixarmuita raiva, briga, agressão, intolerância, o fato7games coisa para baixara gente poder gritar é uma coisa boa. No futuro, esses mitos todos que foram construídos7games coisa para baixarforma silenciosa e impostos7games coisa para baixarcima pra baixo vão ser redesenhados, e a gente vai chegar e ter uma visão mais concreta do país que realmente temos. E eu acho que pode até melhorar7games coisa para baixarfunção dessa discussão. Nada vai se resolver muito rapidamente, porque os passivos históricos são imensos e muito antigos, mas acho que hoje existe uma construção nova, uma visão nova, ao ponto7games coisa para baixarum livro sobre escravidão virar um best-seller,7games coisa para baixarduas semanas, o que para mim é uma tremenda surpresa.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - O que o fato7games coisa para baixaromitirmos o que o senho chama7games coisa para baixaralma pode causar? O caso dos seguranças7games coisa para baixarsupermercado que espancaram um adolescente infrator esta semana, por exemplo, pode ser um reflexo disso?
7games coisa para baixar Laurentino - Aquilo foi muito forte, porque jogou um holofote sobre um legado da escravidão que a gente julgava que estava apenas7games coisa para baixarbibliotecas,7games coisa para baixarlivros7games coisa para baixarhistória do Brasil. E aí uma prática que era muito comum no regime escravista, eu cheguei a fazer uns posts7games coisa para baixarrede social, dizendo que no começo do século 19 havia manuais sobre como surrar adequadamente um negro no Brasil. Tinha um padre jesuíta, o Jorge Benci, que chegava a ter instruções, dizendo que os senhores deveriam, sim, surrar os seus escravos, mas que o número7games coisa para baixarchibatadas não ultrapassasse 40 por dia. Para não comprometer a capacidade7games coisa para baixartrabalho dos cativos.
E aí,7games coisa para baixarrepente, no começo do século 21, quando a gente julga que a escravidão é coisa acabada, congelada no passado, você tem uma manifestação visível, gravada7games coisa para baixarvídeo,7games coisa para baixaruma prática característica do Brasil escravista colonial. Eu acho que isso serviu como um despertar7games coisa para baixarconsciência. Isso é um país desalmado. Porque um país que pega um garoto que rouba uma barra7games coisa para baixarchocolate e surra ele, é um absurdo, sem nem chamar a polícia, sem passar pelas instituições, é um país sem alma. Desalmado.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Mais governantes tentaram fazer uso dos símbolos nacionais?
7games coisa para baixar Laurentino - Como a história é uma ferramenta7games coisa para baixarconstrução7games coisa para baixaridentidade, é olhando para o passado que a gente constrói um presente e projeta uma identidade para o futuro, né, que país nós gostaríamos7games coisa para baixarser daqui pra frente? Então a história ajuda a organizar essa construção7games coisa para baixaridentidade aí. É natural que a história, e também os seus símbolos sejam manipulados pelas autoridades, pelos partidos políticos, pelos diferentes grupos ideológicos. Então, você observa, por exemplo, que o filme mais famoso produzido durante a ditadura militar foi o Independência ou Morte, com o Tarcísio Meira e a Glória Menezes, no sesquicentenário da Independência,7games coisa para baixar1972,7games coisa para baixarque o imperador D. Pedro I aparecia quase como se fosse um general do regime7games coisa para baixar1964, um herói marcial, imponente, aí na redemocratização, o mesmo D. Pedro I já aparece como um boêmio, mulherengo, na séria Quintos dos Infernos, com Marcos Pasquim. E depois, se você observar a frase preferida do presidente Lula, no governo do PT, era "nunca antes na história deste país". Que é uma maneira7games coisa para baixarreescrever o passado para justificar conquistas e desafios do presente. E o governo atual faz a mesma coisa, tenta reescrever a história. Inclusive com essa história da escravidão,7games coisa para baixarque os brancos não têm nada a ver com a escravidão, porque quem se escravizava eram os próprios negros.
7games coisa para baixar BBC News Brasil - Todos os governantes tentam fazer uso dessas datas?
7games coisa para baixar Laurentino - O caso típico é o da proclamação da República. Logo depois da proclamação, o novo regime começou a rebatizar ruas, praças, monumentos, mudou a bandeira, mudou o hino nacional, criou mitos novos. Por exemplo, Tiradentes. Joaquim José da Silva Xavier era uma vítima da Monarquia e passou 100 anos incógnito na história do Brasil. E aí na República, ele é reconstruído, ele emerge das cinzas como herói republicano, defensor das ideias do novo regime. Então, na construção do Tiradentes é um caso típico: na época, depois7games coisa para baixar1889, houve uma desconstrução da história e dos símbolos nacionais, monárquicos, para a construção7games coisa para baixarum novo imaginário republicano. Isso vem acontecendo, Getúlio fez isso, o regime militar fez isso, o governo do PT também, e isso está novamente sendo feito agora.
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