O tempoque o RioJaneiro secou após destruir floresta por café:
A iniciativa se deveu também, dizem pesquisadores, a uma cultura intelectualvalorização da preservação da natureza que ganhava força naquela época.
A BBC conversou com historiadores e geógrafos para reconstituir essa ocupação, o desmatamento, o impacto na população da época e o reflorestamento da mata que hoje faz parte do Parque Nacional da Tijuca.
Como era o plantiocafé na mata carioca
O plantio do café no Brasil começou no Pará e logo migrou para o RioJaneiro, no final do século 18. Mas foi no século 19 que o produto brasileiro realmente começou a decolar no mercado externo e com issoprodução para a exportação aumentou.
Em 1808, a Família Real portuguesa desembarcou no Brasil, trazendo consigo um númeropessoas para o qual a cidade não estava preparada. Nas palavrasPedroCastro da Cunha e Menezes, diplomata, pesquisador da história das matas cariocas e autorParque Nacional da Tijuca - uma floresta na metrópole (Andrea Jakobsson Estúdio, 2010), "a Floresta da Tijuca nunca mais foi a mesma".
Segundo conta da Cunha e Menezes, Dom João 6º permitiu que estrangeiros fixassem residência no Brasil e convidou para o país nobres e fazendeiros franceses que haviam deixado seu país durante a Revolução Francesa e o período napoleônico.
Esses estrangeiros – não só franceses, mas também holandeses eoutras nações europeias – compraram terras nas partes altas da Floresta da Tijuca, onde o clima mais ameno. A região virou o ambiente da alta sociedade do RioJaneiro, onde as famílias ricas se refugiavam do calor no verão.
Mas além disso, aquele ambiente era mais adequado ao plantiocafé, avesso a temperaturas altas. "O padrão era comprar, desmatar, vender a madeira como carvão vegetal e plantar café no terreno 'limpo', descreve da Cunha e Menezesoutroseus livros, Parque Nacional Da Tijuca : 140 Anos Da Reconstrução De Uma Floresta (Ouro Sobre Azul, 2001), escritocoautoria com Marcos Sá Corrêa e Ricardo Azoury.
Ilustrações da época mostram bem como era a paisagem: encostas recortadas por grandes faixasplantaçãocafé; nas partes planas, grandes casas.
Como conta o professor Rogério RibeiroOliveira, do DepartamentoGeografia da PUC-Rio, também havia carvoarias na FlorestaTijuca. Sua equipepesquisa já localizou cerca200 delas. As árvores cortadas da floresta eram usadas para a produçãocarvão vegetal e depois davam lugar às plantações. Também há registros históricos que mostram que nas montanhas havia pastos e plantaçõeslegumes e frutas.
Houve até uma tentativacultivochá, feita com trabalhadores vindosMacau, na China, que à época era colônia portuguesa. É daí que vem o nomeum ponto turístico atual da Floresta da Tijuca, a Vista Chinesa. As plantações, no entanto, não vingaram.
Como o desmatamento afetou o abastecimento
Historiadores e geógrafos dizem que o RioJaneiro tem problemasabastecimentoágua desdefundação,1565, no altoum morro, pertoonde hoje fica o bairro da Urca. Segundo informações da Companhia EstadualÁguas e Esgotos (Cedae), a principal fonte à época era uma lagoa, que era chamada"lagoaágua ruim". O primeiro aqueduto só foi concluído1723. Nireu Cavalcanti diz que já havia desde o século 17 legislação para proteger as nascentes, mostrando que o assunto já era uma preocupação antes mesmo do aumentoplantaçãocafé.
"A cidade sempre sofreu com estiagens e tinha poucas alternativasfonteságua", diz o geógrafo RogérioOliveira. "As plantaçõescafé do século 19 foram instaladas nas partes altas, mais frescas, onde as condições climáticas eram melhores para o seu plantio, e essas são justamente as áreasnascente dos rios", diz ele.
O professor explica como o desmatamento afeta o volumeáguas nos rios. A floresta, diz, é um ambienteinfiltração. Com a floresta funcionando normalmente, a água da chuva vai batendo nas copas das árvores, dissipando energia, por isso, quando chega no solo, chega com menos força. Não encontra a terra, mas a serrapilheira (camadafolhas), que é uma espécieesponja, que acumula três vezes seu pesoágua. Sem a mata, a água cai com muito força e desce morro abaixo, sem infiltrar a terra, o que seca as nascentes.
"O café tinha outro problema, ligado ao fatoque ele era plantadolinhas morro abaixo. Isso fazia com que se abrissem pequenos canais, onde a água corria direto."
Isso se somou ao aumento populacional na cidade, que fez crescer a demanda por água, e o histórico problemafaltainfraestruturaabastecimento.
Como o desabastecimento afetava a população
Em anosmenos chuva, o problema do desabastecimento se agravava. Historiadores citam alguns anos como especialmente críticos: 1824, 1829, 1833, 1834, 1844 e 1856.
"Era o que você imagina – mau cheiro, doenças", diz da Cunha e Menezes.
Claudia Heynemann, pesquisadora do Arquivo Nacional e autoraFloresta da Tijuca: natureza e civilização, publicado1994, diz que "o RioJaneiro era uma cidade assolada – por seca, pela dificuldadecanalização da água, por doenças e epidemias, muito calor. Os relatos dos estrangeiros davam conta disso, mas havia também um tompreconceito da parte deles", diz ela.
O historiador Nireu Cavalcanti conta que a coroa teve que colocar policiais para proteger os chafarizes. "Foram estabelecidas cotas e quem tinha fonteágua dentrosua propriedade foi convocado a liberar o acesso para que a população pudesse usufruir também", diz ele.
Cavalcanti lembra que nessa época se fortaleceu a profissãoaguadeiros, vendedoreságua, mas os preços cobrados eram altos.
"A solução clássica é buscar água mais longe. Quem tinha escravo, mandava buscar. Houve até casospessoas pegando caravelas e viajando para buscar águaoutros lugares porque os mananciais secaram", conta o geógrafo RogérioOliveira.
Reflorestamento e soluções para o abastecimento
Com o agravamento do problema, dizem os pesquisadores, o desmatamento começou a ser apontado como causa.
"A Tijuca, cujos mananciais vinham cada vez mais sendo aproveitados para abastecimento da cidade, fez com que1857 a atenção do governo se voltasse para as suas florestas", contou o escritor Gastão Cruls no livro Aparência do RioJaneiro, publicado1949.
"As fazendas aí abertas uns trinta anos antes e queimadas subsequentes tinham-lhe quase completamente acabado com a pujante vegetação. Urgia reflorestá-la", escreve Cruls.
Claudia Heynemann lembra que havia uma tradição intelectual na Europa e nos Estados Unidos que também ressoava aqui e que preparou o terreno para a aceitação da ideiareflorestamento.
"José Bonifácio (naturalista e estadista brasileiro) já falava disso no século 18. E havia também uma crítica a um tipoagricultura, que era o modelo agrário exportador, que era a cultura do próprio café, à exploração do trabalho escravo, como um tipoagricultura atrasado. Os próprios ministrosDom Pedro 2º diziam isso", diz ela.
"Isso aconteceu numa épocaque começava a surgir uma consciência ambiental. No mundo ocidental, estavam discutindo os efeitos negativos da Revolução Industrial, e nessa esteira foram criados diversos parques nacionais nos Estados Unidos", diz da Cunha e Menezes.
Heynemann cita como exemplos do desenvolvimento dessa ideiapreservação a criação do Imperial Instituto FluminenseAgricultura, que administrou o Jardim Botânico, a as aulasEngenharia Florestal que passaram a ser lecionadas na Escola Politécnica.
"Apesarser algo extraordinário (o reflorestamento), não era excepcional que se preocupasse com isso", diz a pesquisadora.
O processo começou1861, quando o Visconde do Bom Retiro deu ao Major Manoel Gomes Archer a missãoreplantar as árvores da floresta.
A coroa então desapropriou as terras e pagou indenizações aos fazendeiros. Segundo Cavalcanti, eles não tiveram muito espaço para manobra – o máximo que podiam fazer era contestar o valor que receberiam.
A Floresta da Tijuca foi então fundada, e o processoreflorestamento durou décadas. Enquanto isso, foram sendo criadas soluçõescurto prazo, por exemplo, a construçãocaixas d'água na mata da Gávea Pequena.
"A essa altura", diz o livroda Cunha e Menezes e colegas, "já se tinha como ponto pacífico, contudo, que as águas da Tijuca não seriam suficientes para o abastecimento do RioJaneiro. Nesse sentido, ainda no fim do século 19 e primeira metade do século 20, grandes projetoscaptação na Pedra Branca etransposição do Tinguá e do Guandu reduziram significativamente a dependência da Cidade com relação aos mananciais da Tijuca."
"Mas não foi antes dos anos 1940 do século 20 que a cidade melhorou mesmosituaçãoabastecimento, com o início da captação do rio Guandu", diz o geógrafo RogérioOliveiro.
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