Por que é tão difícil investigar e comprovar corrupção no Brasil e no mundo:arbety aviator

Ilustração sobre corrupção

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Crime é muito difícilarbety aviatorprovar - e não só no Brasil

"Parte da dificuldadearbety aviatoranálise acadêmica e também jurídica é justamente a coletaarbety aviatordados. No caso da corrupção, o desafio é coletar evidênciasarbety aviatorlinks causais do tipo A pagou B que passou para C que, porarbety aviatorvez, se beneficiouarbety aviatoralgo", observa o pesquisador brasileiro Armando Martinsarbety aviatorCastro, da universidade britânica London School of Economics (LSE),

Enquanto pesquisadores normalmente usam medidas que se baseiam na percepção da corrupção ou experimentos para medir níveisarbety aviatortolerância ou como as pessoas se comportamarbety aviatordeterminadas situações, policiais, procuradores e juízes têm se fiado cada vez mais no relatoarbety aviatorcolaboradores para tentar coletar indícios.

Pessoas passam dinheiro por debaixo da mesa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Nenhum político inteligente que pratique corrupção permitiria deixar provas óbvias do crime', diz professor americano

Rede complexaarbety aviatorcorrupção

O professor Alamiro Velludo Salvador Netto, do Departamentoarbety aviatorDireito Penal da Universidadearbety aviatorSão Paulo (USP), destaca que as práticasarbety aviatorcorrupção ganharam sofisticação ao longo do tempo.

Grandes corporações, com divisãoarbety aviatortarefas internas, passaram a adotar práticas corruptas, inclusive com ramificações no exterior, aponta ele.

"Hoje o fenômeno da corrupção não é só aquele do particular com o funcionário público, com uma repartição claraarbety aviatorbenefícios. Temos grandes empresas com divisãoarbety aviatortarefas. E, na medidaarbety aviatorque essas empresas são grandes, há também uma infiltração internacional", destaca.

"É muito diferente do pagamento ao guardaarbety aviatortrânsito. A corrupção envolve, às vezes, compras internacionais, obras internacionais, e tudo isso leva a uma dificuldade maior na identificação dos atores."

O pesquisador Martins Castro, da London School of Economics, destaca que esquemas "mais sofisticadosarbety aviatorcorrupção têm intermediários, que usam offshore (empresa ou conta abertaarbety aviatorum território com menor tributação) e contas secretas para receber e fazer pagamentos", o que dificulta identificar os reais beneficiários do dinheiro e os mandantes.

"Se não tiver um colaborador ou um denunciante, fica quase impossível rastrear empresasarbety aviatorfachada usadas normalmente para fazer transferênciasarbety aviatorpoucas horas earbety aviatorjurisdições onde não há obrigatoriedadearbety aviatorse revelar quem são os titulares das contas ou o dono do dinheiro", completa o pesquisador, que também leciona no departamentoarbety aviatoradministração da LSE.

'Nenhum político inteligente deixa rastro'

Para Matthew M. Taylor, professorarbety aviatorpolítica da American University,arbety aviatorWashington,arbety aviator"lugar nenhum do mundo é fácil comprovar corrupção entre autoridades graduadas".

"Nenhum político inteligente que pratique corrupção permitiria deixar rastros claros do crime," diz Taylor, também pesquisador do Woodrow Wilson Centre, na capital americana.

Por isso, alguns tribunais deixaramarbety aviatorexigir a existência comprovadaarbety aviatorum "atoarbety aviatorofício" concreto por parte do agente públicoarbety aviatortroca da vantagem indevida que recebeu.

Lulaarbety aviatorato políticoarbety aviatorMariana (MG)
Legenda da foto, O ex-presidente participouarbety aviatorprotestoarbety aviatorMariana (MG) onde houve desastre ambiental | Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Isso aconteceu no julgamento do mensalão,arbety aviator2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o entendimentoarbety aviatorque a oferta da vantagem e o aceite por parte do funcionário público já caracterizam o crimearbety aviatorcorrupção.

Taylor defende que, na faltaarbety aviatoruma prova que aponte um "link direto", é possível justificar uma condenação a partir da existênciaarbety aviatoruma "preponderância"arbety aviatorevidências que apontem para o crimearbety aviatorcorrupção.

"É importante compreender que os julgamentosarbety aviatorcasosarbety aviatorcorrupção, muitas vezes, precisam se fiar numa preponderânciaarbety aviatorevidências. Não há, normalmente, um quid pro co, uma clara trocaarbety aviatorum benefício por outro, mas sim evidências que, juntas, apontam para a ocorrência do crime", diz.

Para o professor Alamiro Velludo Salvador Netto, da USP, no caso do Brasil, seria necessária uma mudança no Código Penal brasileiro para permitir condenações sem a comprovaçãoarbety aviatorum ato concreto do agente público direcionado a retribuir a propina.

"Esse tipoarbety aviatorconstrução demanda uma alteração legislativa. No caso brasileiro, temos dificuldadearbety aviatorfazer isso, porque os dispositivos que tratamarbety aviatorcorrupção fazem referência direta aos atosarbety aviatorofício", diz o especialistaarbety aviatorDireito Penal, que discorda da interpretação atual do Supremo.

"Outros países já superaram isso na legislação. Compete ao Parlamento rever se, para tornar efetivo o combate da corrupção, é adequado ou não suprimir o atoarbety aviatorofício ao condenar", defende.

Ocultação do dinheiro

Outro argumento usado pela defesa do ex-presidente Lula no processoarbety aviatorque foi condenado é oarbety aviatorque o Ministério Público não foi capazarbety aviatoridentificar o chamado "caminho do dinheiro", ou seja, a relação entre o dinheiro usado pela OAS para as reformas do tríplex e recursos desviadosarbety aviatorcontratos da Petrobras.

Essa dificuldadearbety aviatorespecificar claramente o "trajeto" e origem dos recursos usadosarbety aviatortrocasarbety aviatorpropina existearbety aviatorgrande parte das investigaçõesarbety aviatoresquemasarbety aviatorcorrupção no Brasil e no mundo, apontam os especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

Envelope com dinheiro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para pesquisador da LSE, o problema começa quando são definidos critérios distintos para definir o que é corrupção ou não

Sem citar o caso do ex-presidente, Martinsarbety aviatorCastro, da London School of Economics, explica que dificilmente dinheiro da corrupção aparece como tal na contabilidade das empresas.

"O dinheiro da corrupção normalmente não é colocadoarbety aviatorbalançoarbety aviatorempresa. Algumas empresas da Lava Jato, por exemplo, afirmaram que pagavam propina por meioarbety aviatorconsultorias", diz o pesquisador, que se dedica a pesquisar corrupção, com foco nas empresas, mas sempre observando a interação do mundo privado com o público.

Além disso, ressalta ele, assumir o envolvimento com casosarbety aviatorcorrupção compromete a imagem das empresas e assusta acionistas. Isso seria mais um motivo para manter oculta ou tentar dar fachada legal a transações ilícitas.

O usoarbety aviatordelações como meioarbety aviatorprova

Na Lava Jato, a atuação do Ministério Publico e do Judiciário também tem sido alvoarbety aviatorpolêmicas pelo amplo usoarbety aviatordelaçõesarbety aviatorinvestigados interessadosarbety aviatorreduzir as próprias penas.

O ex-procurador italiano Raffaele Cantone, que atuou na investigação da máfia Camorra, destaca que, no crimearbety aviatorcorrupção, normalmente não há "conflitoarbety aviatorinteresses" entre os criminosos envolvidos. Portanto, as provas costumam ser eficientemente ocultadas, o que torna o mecanismo da delação essencial para a investigação, segundo ele.

"A descoberta da corrupção só surge através desses mecanismos (de colaboração), porque, porarbety aviatornatureza, não há conflitoarbety aviatorinteresses que possa tornar esse crime público", diz Cantone, que é atualmente presidente da Autoridade Nacional Anticorrupção da Itália, órgão administrativo responsável pela supervisão das medidasarbety aviatorprevenção.

"A corrupção é baseada na omertà (o silêncio cúmplice típico da máfia). Se não criarmos uma vantagem para quem optar por colaborar, enviamos a mensagem ao corruptoarbety aviatorque vale à pena tentar. Como ganhamos da máfia na Itália? Através do sistemaarbety aviatorcolaborações. Os criminosos passaram a não se sentir mais invencíveis. É uma escolha utilitária, mas fundamental."

Manifestaçãoarbety aviatorfavor da operação Lava Jato na porta do Congressoarbety aviatordezembro 2016, com imagensarbety aviatorratos no espelho d'água
Legenda da foto, Operação Lava Jato atrai defesas (como a da foto), mas também críticas | Foto: Marcello Casal Jr./Ag. Brasil

É possível confiar no delator?

O professorarbety aviatorDireito Penal da USP Alamiro Velludo Salvador Netto também destaca o caráter "secreto" do crimearbety aviatorcorrupção.

"Na medidaarbety aviatorque eu não tenho uma vítima concreta, todas as pessoas que participam do delito estabelecem uma lógica comumarbety aviatorocultá-lo."

As delações, portanto, servem como instrumento para estimular a quebra desse "contratoarbety aviatorsigilo". Mas, para Netto, a colaboraçãoarbety aviatorsuspeitos só serve como pontoarbety aviatorpartida para as investigação e para facilitar a obtençãoarbety aviatorprovas, não para embasar condenações.

"Não nego que é um meioarbety aviatorobtençãoarbety aviatorprova útil. O problema é saber até que ponto a palavra do delator tem força. Ele vai receber benefícios na exata medida da informação que der. Então, no afã da obtençãoarbety aviatormaiores benefícios, ele vai tentar falar tudo o que sabe e talvez até o que não sabe", argumenta.

Salvador Netto defende ainda que as delações sejam oferecidasarbety aviatorforma estratégica, com a finalidadearbety aviatorpenalizar os chefes das organizações criminosas. Para ele, a possibilidadearbety aviatorfirmar delações está sendo oferecidaarbety aviatorforma indiscriminada no âmbito da operação Lava Jato.

"Vejo que as colaborações são oferecidas para um número indistintoarbety aviatorpessoas. Às vezes, as mesmas operações têm diversos colaboradores. Não se sabe nem mais quem é réu e quem é colaborador. E os benefícios oferecidos ultrapassam os previstos na lei."

Provas no caso Lula

No caso do julgamentoarbety aviatorLula, a defesa do ex-presidente argumentou que o Ministério Público baseou as acusaçõesarbety aviatordelaçõesarbety aviatorcolaboradores, principalmentearbety aviatorex-executivos da construtora OAS.

O petista é acusadoarbety aviatorreceber, a títuloarbety aviatorpropina, um apartamento tríplex no Guarujá. Em troca, teria atuado para beneficiar a OASarbety aviatorcontratos com a Petrobras.

Para o professor Taylor, da American University, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que condenaram Lula a 12 anos e um mêsarbety aviatorprisão, se dedicaramarbety aviatordemonstrar que basearam a decisãoarbety aviatorum conjunto variadoarbety aviatorevidências que se complementam e que incluem provas documentais, relatoarbety aviatortestemunhas e delações.

"Não há um quid pro quo, uma troca claraarbety aviatorum benefício específico pelo apartamento. Mas o tribunal procurou responder a isso mostrando que havia uma preponderânciaarbety aviatorevidênciasarbety aviatordiferentes fontes, incluindo documentos relacionados ao apartamento e a nomeaçãoarbety aviatordiretores da Petrobras", diz o pesquisador, que é autorarbety aviatortrês livros sobre corrupção, sistema judicial e política brasileira.

O professor Leonardo Avritzer, da Universidade Federalarbety aviatorMinas Gerais, salienta que a coletaarbety aviatorevidências relacionadas a crimesarbety aviatorcorrupção tende a ser mais complexa, justamente pela natureza oculta das transações.

"Em diversos casos você não tem a prova material, mas o conjunto probatório aponta para uma mesma direção", avalia o professor, que pesquisa e já organizou livros sobre corrupção.

Na avaliaçãoarbety aviatorAvrizter, contudo, isso não aconteceu no caso do ex-presidente. Ao contrário do que pensa Taylor, para o professor da UFMG "não existe um conjunto probatório para uma direção" que aponte que o tríplex foi entregue a Lula e reformado para atender a exigências dele como pagamentoarbety aviatorpropina.

Novas discussões

Na avaliaçãoarbety aviatorMartinsarbety aviatorCastro, a Lava Jatoarbety aviatoralguns casos tem adotado determinados posicionamentos similares ao chamado "direito comum", ou "common law", que teve origem na Inglaterra.

No direito inglês, um juiz se baseia na jurisprudência, ou seja,arbety aviatorinterpretaçõesarbety aviatordecisões anteriores, earbety aviatorcostumes comuns. As decisões são tomadas por um juiz por meio da trocaarbety aviatorargumentos e provas apresentados por defesa e acusação, sem a necessidadearbety aviatorter normas pré-definidas escritas.

O sistema jurídico adotado pelo Brasil é diferente. Chamadoarbety aviator"civil law", segue leis e uma sériearbety aviatorcódigos e regras escritas. Assim, o que não está especificado no texto não pode ser tido como ilegal.

No casoarbety aviatorcorrupção, o Código Penal brasileiro tem, segundo especialistas, uma descrição restrita. Pelo texto da lei, limita-se na forma passiva a solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessaarbety aviatorvantagem indevida. E, na forma ativa, oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público.

"Julgamentos como o do Lula abrem caminho para novas discussões tanto no Legislativo quanto no Supremo sobre a forma como se segue e interpreta as leis no país", afirma Martinsarbety aviatorCastro, dizendo que ao aplicar elementos do "common law"arbety aviatorpaíses como o Brasil pode gerar insegurança jurídica.

Com colaboraçãoarbety aviatorAlfredo Spalla,arbety aviatorRoma.