Proibir homens que fazem sexo com homensspaceman robot apostadoarem sangue é inconstitucional? O STF vai decidir:spaceman robot aposta

Homem doa sangue
Legenda da foto, No Brasil, homens que se relacionam com homens devem ficar 12 meses sem sexo para doar sangue | Foto: Getty

Afinal, é discriminação?

Princípios e direitos

Ao apresentar seu voto, o ministro Edson Fachin, relator do caso, considerou a norma inconstitucional ao dizer que ela colocaspaceman robot apostaxeque direitos fundamentaisspaceman robot apostaum grupo social e afirmou que as restrições "quase proibitivas", baseadas na orientação sexual e no gênero da pessoa com quem o candidato à doação se relaciona e nãospaceman robot apostauma condutaspaceman robot apostarisco, "incorremspaceman robot apostadiscriminação injustificada".

"A norma viola a formaspaceman robot apostaser e existir destas pessoas e o fundamento do respeito à diversidade e à dignidade humana e afronta a autonomiaspaceman robot apostaquem deseja doar sangue, que é limitada não por razão médica ou científica", disse Fachin.

O ministro considerou esse tratamento "desigual e desrespeitoso". "Não se pode negar a quem deseja ser como é o direitospaceman robot apostaser solidário e membro partícipespaceman robot apostasua comunidade. O princípio deve ser conduta e não gênero." Para ele, se trataspaceman robot apostauma "limitação desproporcional". "É imperioso modificar o critériospaceman robot apostarestrição", disse.

A ministra Cármen Lúcia. presidente do STF, agradeceu Fachin por seu "voto brilhantíssimo" e, por causa do horário, encerrou a sessão, que será retomada na próxima semana.

Contágio

O Ministério da Saúde e a Agência Nacionalspaceman robot apostaVigilância Sanitária (Anvisa), apoiados pela Advocacia-Geral da União e por diretoresspaceman robot apostahemocentros brasileiros, argumentam na ação que o veto temporário à doação por homens gays se baseiaspaceman robot apostaestudos científicos sobre o "perfil epidemiológico dos grupos e situações, constatando aumento do riscospaceman robot apostainfecçãospaceman robot apostadeterminadas circunstâncias" envolvendo esses homens.

Não é o que acredita o PSB, partido autor da ação diretaspaceman robot apostainconstitucionalidade nº 5543, e outras organizações que também pedem o fim da medida, entre elas a Procuradoria-Geral da República, a Defensoria Pública da União, o Ordem dos Advogados do Brasil e gruposspaceman robot apostadefesaspaceman robot apostadireitosspaceman robot apostalésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

O PSB diz que, na prática, a norma impede que homossexuais doem sanguespaceman robot apostaforma permanente e que isso revelaria um "absurdo tratamento discriminatório por parte do Poder Públicospaceman robot apostafunção da orientação sexual".

O advogado Rafael Carneiro, que assina a petição do partido, defende que a política "ofende a dignidade humana e gera discriminação". "O maior riscospaceman robot apostacontaminação decorre da atividade sexual, não da orientação homossexual. Um heterossexual também pode ter relação anal sem camisinha e estar sujeito ao mesmo perigo que um homossexual."

Plenário do STF
Legenda da foto, Ação tevespaceman robot apostatramitação acelerada no Supremo | Foto: STF

Fazer sexo sem camisinha é a causa da maioria absolutaspaceman robot apostacasosspaceman robot apostaHIV no país: é o motivo apontado pelo Ministério da Saúde para 81,7% das 136.945 infecções pelo vírusspaceman robot apostapessoas maioresspaceman robot aposta13 anos reportadas entre 2007 e junhospaceman robot aposta2016 ao Sistemaspaceman robot apostaInformaçãospaceman robot apostaAgravosspaceman robot apostaNotificação (Sinan).

Heterossexuais representaram 36,7% dos homens brasileiros contaminados nos primeiros seis meses do ano passado - eram 47,3%spaceman robot aposta2007. Homossexuais e bissexuais responderam por 59,5% dos novos casosspaceman robot apostajaneiro a junhospaceman robot aposta2016 - eram 43,8%spaceman robot aposta2007. Entre as mulheres, 95,9% ocorreramspaceman robot apostarelações heterossexuais.

Omissão

Em processos do STF, organizações da sociedade civil podem se apresentar para defenderspaceman robot apostavisão, no caso, se o veto é constitucional. São os chamados amicus curiae, ou amigos da corte. Todos os 13 inscritos na ação são contra a restrição.

"O limitespaceman robot aposta12 meses não tem respaldo legal ou científico e viola o princípio da igualdade. É preciso tirar o foco da orientação sexual para evitar o caráter discriminatório", disse Gustavo Zortéa, da Defensoria Pública da União, à BBC Brasil.

Em parecer assinado por Rodrigo Janot, a Procuradoria-Geral da República argumenta que a medida fere a liberdade individual, não é razoável e vetaspaceman robot apostaforma definitiva na prática essas pessoasspaceman robot apostadoarem ao exigir abstinência sexual por um ano, dando munição à homofobia e estigmatizando mais grupos que já são discriminados.

Janot disse ainda que autoridadesspaceman robot apostasaúde se omitem ao não "adotar mecanismos menos gravosos" para garantir a segurança do material doado: "Nem mencionam o usospaceman robot apostapreservativospaceman robot apostarelações sexuais como critériospaceman robot apostaseleçãospaceman robot apostadoadores, método com maior eficácia para evitar contágio".

Campanha Iguadade na Veia
Legenda da foto, Campanha da ONG Dignidade busca alterar política do Ministério da Saúde | Foto: Reprodução

Autoridades brasileiras citam indicadoresspaceman robot apostasaúde para negar que a medida seja motivada por preconceito.

"No Brasil, dados apontam que a epidemiaspaceman robot apostaAids está concentradaspaceman robot apostapopulaçõesspaceman robot apostamaior vulnerabilidade, tais como homens que fazem sexo com homens, usuáriosspaceman robot apostadrogas e profissionais do sexo, com uma taxaspaceman robot apostaprevalência do vírusspaceman robot aposta10,5%, enquanto, na populaçãospaceman robot apostageral, a taxa éspaceman robot aposta0,4%", disse o Ministério da Saúde à BBC Brasilspaceman robot apostanota, por meiospaceman robot apostasua assessoria.

O ministério rejeita a acusaçãospaceman robot apostadiscriminação e diz que o embargospaceman robot aposta12 meses vale para quem tenha feito sexo casual com um desconhecido, vítimasspaceman robot apostaestupro e seus parceiros, para quem se prostitui, foi preso, tenha feito uma cirurgia ou uma tatuagem recentemente.

"A inaptidão para homens que fizeram sexo com homens utiliza o mesmo critério que as demais situações, ou seja, a medida está fundamentada no que háspaceman robot apostamelhor e mais moderno da literatura médica e científica nacional e internacional", disse a pasta.

A Anvisa ressalta ainda seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), principal autoridade na área, e que manterá o "critério até que estudos provem o contrário".

Mais chances

Em seu manualspaceman robot apostaseleçãospaceman robot apostadoadores, a OMS inclui entre os perfisspaceman robot apostaalto risco, homens homossexuais sexualmente ativos. A organização afirma que eles têm 19,3 vezes mais chancesspaceman robot apostaterem o vírus HIV do que a população e apoia o veto total como política padrão.

A Organização Pan-Americanaspaceman robot apostaSaúde (Opas) reiterou à BBC Brasil a recomendaçãospaceman robot apostarecusa dessas doações por 12 meses, ressaltando que "a orientação sexual não deve ser usada como critério para seleçãospaceman robot apostadoadores, por não constituir riscospaceman robot apostasi mesma".

Ainda segundo a Opas, "a expressão 'homens que fazem sexo com outros homens' descreve um fenômeno comportamental e socialspaceman robot apostavezspaceman robot apostaum grupo específicospaceman robot apostapessoas".

Em 2015, a Cortespaceman robot apostaJustiça Europeia julgou que proibir homens gays sexualmente ativosspaceman robot apostadoar sangue pode "minimizar" o risco do HIV estar presente nos estoquesspaceman robot apostasangue. Ao mesmo tempo, disse que a proibição vitalícia só se justifica quando não há meios "menos onerosos" para garantir a segurança da doação.

Os defensores do fim do veto temporário no Brasil dizem que isso não acarretará aumento do perigo. Alegam que a seleçãospaceman robot apostacandidatos já levaspaceman robot apostaconta comportamentos sexuais consideradosspaceman robot apostarisco, seja qual for a orientação sexual, e que testes aplicados às coletas são capazesspaceman robot apostadetectar o HIV.

Bolsaspaceman robot apostasangue
Legenda da foto, Críticos da política dizem que testes atuais podem detectar vírus menosspaceman robot apostaum mês após contaminação | Foto: Getty

Atualmente, toda doação passa por um exame que identifica se o vírus está no sangue a partirspaceman robot aposta11 dias após a contaminação – período chamadospaceman robot apostajanela imunológica – e outro que detecta anticorpos do HIV 25 dias depois. Em ambos os casos, o intervalospaceman robot apostaprecisão dos testes é muito inferior ao previsto pela regraspaceman robot apostaexclusão do sangue.

"Mas há casos que fogem da janela imunológica, há tratamentos que afetam a detecção do vírus e a análise do laboratório pode ter erros, por isso adota-se um período maior, ainda que 12 meses pareça ser excessivamente longo e seja muito difícil que o vírus fique indetectável por tanto tempo", disse à BBC Brasil o médico Luiz Amorim, diretor do Instituto Estadualspaceman robot apostaHematologia Arthurspaceman robot apostaSiqueira Cavalcanti (Hemorio), um dos principais hemocentros do país.

O hematologista explica que, naspaceman robot apostainstituição, homens e mulheres heterossexuais só têmspaceman robot apostadoação recusada caso tenham feito sexo com cinco ou mais parceiros nos últimos 12 meses.

Pressão por mudança

No início do mês, Amorim esteve no Congresso da Associação Americanaspaceman robot apostaBancosspaceman robot apostaSangue, principal conferência do mundo da especialidade,spaceman robot apostaque o tema proibição à doação por gays foi debatido.

A realidadespaceman robot apostadiferentes países não permite extrair um consenso sobre a melhor prática. Embora alguns países – como Alemanha, Áustria, China e Dinamarca – ainda proíbam homens gaysspaceman robot apostadoarspaceman robot apostaforma vitalícia, há uma tendência internacionalspaceman robot apostasuavizar o veto total adotado ao redor do mundo após o surgimento da epidemiaspaceman robot apostaAids nos anos 1980.

Na Noruega, Holanda, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e França vigora um embargospaceman robot aposta12 meses. Enquanto isso, na Inglaterra e na Escócia, o períodospaceman robot apostaveto passará a serspaceman robot aposta3 meses, mudança justificada por autoridades britânicas graças ao avanço da tecnologia da detecção do vírus.

Itália, México, Espanha, Chile e Argentina foram além, e a orientação sexual do candidato não é levadaspaceman robot apostaconta na triagem do sangue, apenas seus hábitos sexuais.

A proibição era vitalícia no Brasil quando surgiuspaceman robot aposta1993. Em 2004, foi alterada para 12 meses após a última relação sexual. "Há uma grande pressão aqui espaceman robot apostaoutros países contra esse tipospaceman robot apostamedida, porque é uma questão complexa que parece resvalar no preconceito, ainda que não seja", disse Amorim.

"Mas não há evidênciasspaceman robot apostaque, se diminuirmos esse período, não aumentará o riscospaceman robot apostacontaminação. Também não sabemos qual risco representam gays com parceiro fixo. Os estudos são caros, e um país fica esperando que o outro faça." Por isso, dados desse tipo não estão disponíveis.

Enquanto não houver respostas, diz Amorim, aplica-se o princípio da precaução no Brasil, mantendo a regra vigente. Foi essa posição que ele e outros 26 diretoresspaceman robot apostahemocentros no país manifestaramspaceman robot apostauma carta enviada ao STF: "Somos contra a liberação. Acreditamos que o tema não deve ser judicializado. É uma questão técnica e nãospaceman robot apostaconstitucionalidade".

Expectativa

A judicialização, no entanto, é um caminho sem volta, e, uma vez provocada, a Corte Suprema teráspaceman robot apostase posicionar sobre o assunto. Especialistasspaceman robot apostaDireito Constitucional ouvidos pela BBC Brasil avaliaram que a medida viola a Constituição.

"Para essas pessoas, se relacionar com alguém do mesmo sexo não é uma simples conduta, éspaceman robot apostaidentidade. Se você usa esse único aspecto para distingui-las, sem outros fatores, você as está discriminando e impedindospaceman robot apostaexercerspaceman robot apostacidadania", afirmou Thiago Amparo, professor da Fundação Getulio Vargasspaceman robot apostaSão Paulo.

Amparo acredita que o STF anulará a norma, opinião compartilhada por Elival da Silva Ramos, professor da USP e procurador-geral do Estadospaceman robot apostaSão Paulo.

Ele defende que a norma seja baseada no comportamento sexual do doador: "A visão atual está superada e gera preconceito. Deve ser atualizada com critérios isentos, como fazer sexo sem proteção,spaceman robot apostavezspaceman robot apostatratar um grupo como mais promíscuo".

Renan Quinalha, professor da Universidade Federalspaceman robot apostaSão Paulo (Unifesp), também defende a inconstitucionalidade da norma, mas não acredita que será invalidada.

"Quando temas morais se cruzam com saúde pública, como neste caso, receio que o Supremo não seja tão avançado. Ele não deve criar uma política à revelia do órgão técnico. Não é uma questão tão pacificada com precedentes judiciais quanto a união civil entre pessoas do mesmo sexo, aprovadaspaceman robot aposta2011", diz Quinalha.

"O ministério e a Anvisa têm uma posição consolidada espaceman robot apostalinha com países próximos do Brasil na área. Duvido que o STF assuma o ônusspaceman robot apostainovar. Além disso, os tempos não estão fáceis para LGBTs no Brasil."

*Matéria atualizada às 6h00spaceman robot aposta25/10/2017