Como denúnciafraude na eleição e opositor carismático levaram populaçãoMoçambique às ruas contra rumo do país:

Mulher com braços levantados ao ladopilhapneus queimando

Crédito, REUTERS/Siphiwe Sibeko

Legenda da foto, Manifestante durante protestoMaputo, capitalMoçambique

Missõesobservação eleitoral, como a da União Europeia, têm pedido mais transparência do governo na divulgação dos resultados, que, segundo os observadores, tiveram "irregularidades durante a contagem".

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Os atos, convocados pelo candidato opositor, que ficousegundo nas eleições, Venâncio Mondlane, um líder evangélico do partido Podemos, têm sido reprimidos pelas forçassegurança.

Segundo organizaçõesdefesa dos direitos humanos no país, como o CDD, mais50 pessoas já morreram durante os atos e milhares ficaram feridas.

Mas, além da disputatorno dos resultados das eleições deste ano, as manifestações no terceiro maior paíslíngua portuguesa do mundo (depoisBrasil e Angola) têm levado às ruas uma revolta com a situação econômica do país, explica o cientista político Fidel Terenciano, diretor da ONG Instituto para o Desenvolvimento Econômico e Social (Ides).

"As manifestações apontam claramente que os níveisdescontamento social, econômico e político aumentaramgrande escala nos últimos tempos", diz Terenciano.

"As pessoas estavam à procurauma válvulaescape para conseguirem sair à rua e contestar esses apertos que sentemrelação à vida."

Manifestantes marchamMoçambique

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Apoiadores do opositor Venâncio Mondlane têm saído às ruas para protestar

Eleição contestada por um líder 'carismático'

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Novo podcast investigativo: A Raposa

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Logo após a divulgação do resultado pela Comissão NacionalEleições (CNE), os moçambicanos começaram a sair às ruas.

Muitos se dizem insatisfeitos com as sucessivas gestões da Frelimo, o movimento que lutou pela Independência e encerrou o domíniomais400 anosPortugal,1975, na chamada "luta armadalibertação nacional".

A organização surgiu como um movimento guerrilheiroesquerda contra o domínio português e foi fundada1962, na fusãogrupos políticos moçambicanos constituídos no exílio, especialmente na Tanzânia.

A Frelimo teve o apoiopaíses com governos antiocidente como China e a então União Soviética.

Com a independência, virou um partido políticofato,tendência marxista, e assumiu o poder da nova nação como a única legenda.

Mas os tempospaz nesse país que precisava se reconstruir e se firmar como nova nação duraram pouco.

No início dos anos 1980, o país passou a viver um novo conflito armado, dessa vez entre a Frelimo e a Resistência NacionalMoçambique (Renamo), um movimentocaráter anticomunista que tinha o apoiopaíses vizinhos que temiam a ideologiaesquerda, como a Rodésia — atual Zimbábue — e a África do Sul, sob o regime do apartheid.

A guerra civil durou até 1992, quando foi firmado um acordopaz e o país passou a ter um regime multipartidário.

As primeiras eleições aconteceram1994, com vitória da Frelimo. O movimentoesquerda foi declarado vencedortodas as eleições seguintes, com frequentes acusaçõesfraudes na contagemvotos.

Venâncio Mondlane, homem negro
Legenda da foto, Venâncio Mondlane não aceitou resultados do órgão eleitoral

Em todos os pleitos, Frelimo e Renamo protagonizaram a disputa. Mas,2024, uma nova figura surgiu: Venâncio Mondlane, um carismático líder evangélico que até pouco tempo atrás não era conhecido nacionalmente.

Segundo a CNE, Daniel Chapo, da Frelimo, foi eleito presidente com 70% dos votos. Ele seria o primeiro presidente do país nascido após a independência e tem um discursoque pede "união".

Já Mondlane teria recebido 20% dos votos. O político é ex-membro da Renamo, mas, após desavenças internas, se filiou ao Podemos.

No Brasil, ele é simpático ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem já chamou"homemDeus" e "esperança do Brasil".

Segundo opositores do governo e organizaçõesacompanhamento eleitoral, a CNE hoje é quase totalmente controlada pela Frelimo, apesara oposição ter alguns representantes.

O consórcio eleitoral Mais Integridade, formado por diversos grupos da sociedade civil, faz acusaçõescadastramentoeleitores fantasmas e pessoas que depositaram votospapel maisuma vez nas urnas.

Outro grupoacompanha a políticaMoçambique, o CentroIntegridade Pública (CIP) disse que esta eleição foi "a mais fraudulenta desde 1999 porque a Frelimo tem assumido o controletodo o processo eleitoral".

De acordo com Adriano Nuvunga, os números da Frelimo causaram choque porque, mesmotemposcrescimento econômico, o partido não havia conquistado 70% dos votos.

"Isso insulta a cabeçaqualquer moçambicano. Todas eleiçõesMoçambique foram fraudulentas desde 1999, isso não há dúvida", diz.

Para Nuvunga, Venâncio Mondlane se tornou um fenômeno porque conseguiu romper a dicotomia entre Frelimo e Renamo que dominava o país, dando voz a uma insatisfação da população.

Mondlane tem feito as convocações pela internet e não tem aparecido publicamente, alegando temer porsegurança depois que seu assessor e advogado foram mortos enquanto se preparavam para contestar os resultadosMaputo, capital do país. O governo negou uma ligação política com as mortes.

Pessoas batem panela na sacada

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, População tem batido panelas contra resultado eleitoral

A oposição e as missõesobservação cobram que a CNE apresente atasboletinsurna, detalhadas por mesasvotação.

Um impasse parecido ao da Venezuela,que o órgão eleitoral não apresentou detalhes após apontar a reeleiçãoNicolás Maduro.

Em uma coletivaimprensa, uma porta-voz da Frelimo disse que há "um movimentotirar do poder os partidos que libertaram alguns países do continente africano, através do golpeEstado e que pode ser o casoMoçambique".

O partido disse que o país tem "recursos naturais que alguns países cobiçam".

Desde o início da ondamanifestações, as redes sociais como WhatsApp, Instagram e Facebook têm sido restringidas no país, segundo o monitorinternet Netblocks. As redesdados móveis também oscilaram.

O governo não comentou as alegaçõesque teria restringido deliberadamente o acesso à internet para dificultar a capacidade dos manifestantesse coordenarem.

A BBC News Brasil tentou contato com a Frelimo e a CNE, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Em comunicado à imprensa, o governoMoçambique disse que "reconhece o direito [de protesto] consagrado na Constituição da república e nos demais instrumentos legais, todavia deplora o envolvimentocrianças e tentativasubversão da ordem democrática".

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil disse que vê com preocupação a violência após eleições e recordou "o direito à liberdadereunião emanifestação".

Índices entre os piores do mundo

Caminhões fazem filha na fronteira fechada entre África do Sul e Moçambique

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Caminhões fazem filha na fronteira fechada entre África do Sul e Moçambique

Os protestosMoçambique têm diminuído nos últimos diastamanho, mas causam impactos econômicos, como o fechamento da fronteira com a África do Sul. Issoum país que já tem sofrido com a situação econômica.

Segundo o Banco Mundial, Moçambique experimentou um forte crescimento econômico até 2016, com uma taxa médiacrescimento superior a 7%.

No entanto, crises relacionadas ao endividamento do governo, a ciclones que destruíram parte da já precária estrutura do país e a pandemiacovid-19 reverteram a redução da pobreza.

O ÍndiceDesenvolvimento Humano (IDH)Moçambique é o 11º pior do mundo dentre 193 países.

O PIB per capita (a riqueza produzida no país divida pelo númerohabitantes) é o 6º pior do mundo, segundo o Banco Mundial.

A expectativavida éapenas 58,3 anos, quase 20 a menos do que o Brasil,

No índicepercepçãocorrupção da ONG Transparência Internacional, o país aparece145180 países.

Esses índices baixíssimos, segundo o cientista político Adriano Nuvunga, têm se refletido nas manifestações, onde as pessoas também levam cartazes reclamando das condiçõesvida no país, a faltaemprego eoportunidades aos mais jovens.

Manifestantes correm na rua, com barricadas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Dezenasmortos já foram registrados após cenasviolência nos protestosMoçambique

"O EstadoMoçambique estácrise financeira. Milhõesmoçambicanos ficaram pobres e desempregados, especialmente os jovens. Eles não têm como projetar um futuro com alguma dignidade e, por isso, apontam o dedo para Frelimo como causador disso", justifica Nuvunga.

Moçambique possui amplos recursos naturais, incluindo fontes abundanteságua, energia, recursos minerais, pedras preciosas e depósitosgás natural, recentemente descobertos nacosta e explorados por empresas estrangeiras.

Há uma expectativa do Banco Mundial que esses camposgás, quandopleno funcionamento, possam transformar a economia do país até 2029.

Mas a população local reclama que tem visto pouco dessa riqueza ou investimento passar para a comunidade.

A localização geográficaMoçambique também é considerada estratégica.

Quatro dos seis países com que faz fronteira não têm litoral, portanto dependemportos moçambicanos para acesso os mercados globais

Moçambique ainda tem passado por um grave conflito desde 2017 no norte do país, na provínciaCabo Delgado, uma região rica justamentegás.

Um movimento insurgente islâmico tem tentado controlar a região, levando a uma das maiores crisesdeslocamentopessoas da África, com mais1 milhãomoradores locais forçados a deixar suas casas.

Em ataques violentos, dezenaspessoas já foram decapitadas.