'Camarada Kamala': por que meme com imagem falsa está se espalhando entre exilados latinos nos EUA:

O vídeo é falso. O fundo foi adulterado por um grupoapoiadoresDonald Trump conhecido como Dilley Meme Team.

A postagem original teve mais420 mil visualizações, mas foi compartilhada por muitas contasespanhol — e seu conteúdo é repetido fora das redes.

"Estátodo lugar essa dúvida: 'Essa pessoa é comunista?'", diz Evelyn Pérez-Verdía, estrategistacontexto cultural do sul da Flórida, à BBC.

Ela estava ouvindo a estaçãorádioespanhol La Nueva PoderosaMiami quando ouviu os apresentadores discutindo o falso meme.

"Você viu eles na frente daquela foto? Eles não têm vergonhaquem são", disseram os apresentadores.

Ela contatou a estação para apontar que era um vídeo falso. Os apresentadores disseram mais tarde no ar que queriam esclarecer que a história "não era verdadeira", mas que isso "não muda a realidadeque Kamala é marxista".

'Medos genuínos' sendo transformadosarmas

Há quase 36,2 milhõeslatinos eleitorespotencial nos EUA, cerca14,7% do eleitorado do país, e muitos vivemEstados-chave como Nevada e Arizona, o que os torna um grupo demográfico cobiçado para ambas as campanhas.

Eles não sãoforma alguma um grupo demográficovotação homogêneo, mas historicamente, os latinos tendem a favorecer os democratas.

Em 2020, 44% votaramJoe Biden, com apenas 16% votandoTrump. Mas as pesquisas indicam que os republicanos ganharam terreno neste ciclo eleitoral, com muitos fatores citados, incluindo economia, imigração e direito ao aborto.

E, para alguns imigrantes, as preocupações com os EUA hoje refletem suas experiências passadasseus paísesorigem.

Mensagens políticas alertando sobre "socialismo" ou "comunismo" têm sido particularmente prevalentescomunidades com grandes populações cubanas e venezuelanas, como no sul da Flórida, observaram especialistas.

Esses imigrantes são especialmente vulneráveis à desinformação sobre o comunismo por causa do trauma que vivenciaram fugindo da repressão, diz Samantha Barrios, uma venezuelana-americana baseadaMiami, Flórida, que vota no Partido Democrata.

Ela acusa a imprensalíngua espanholadireitausar esses termos para "assustar venezuelanos, cubanos, nicaraguenses" por causa "da principal razão pela qual deixamos nossos países, tentando deixar esses regimes".

Para alguns, as críticas desse veículos aos democratas são baseadasopiniõesque o governo dos EUA não deu uma resposta dura o suficiente à repressão políticaCuba ou na Venezuela.

Mas Barrio está preocupada com a forma como essas preocupações legítimas estão sendo transformadasarmas por meiofalsas alegaçõesque a própria Kamala Harris seria comunista.

Pérez-Verdía concorda, mas também critica a campanha democrata por não fazer o suficiente para responder a essas preocupações.

"Não ria dos medos das pessoas. É realmente desrespeitoso. As pessoas têm medos genuínos, elas vieram para os Estados Unidos, deixaram tudo para trás. Se elas têm dúvidas, você deve responder às dúvidas delas."

O debate alimenta acusações'comunismo'

Nem todas as alegações têm como foco exclusivo os latinos, avalia o InstitutoDemocracia Digital das Américas (DDIA, na siglainglês), que monitora mais1,3 mil gruposWhatsApp e mais200 canaisTelegramespanhol e português.

E atores e influenciadores notáveisdireita e pró-Trump têm promovido um "medo do socialismo" desde 2020, conforme a organização.

Mas, embora Joe Biden tenha sido acusadoser comunista quando concorreu à presidência, a fundadora do Factchequeado, Laura Zommer, diz que seus verificadoresfatos nunca tinham visto um volume tão grandeimagens geradas por inteligência artificial (IA) e adulteradas antes.

Algumas dessas informações falsas foram espalhadas pelo próprio Trump ou por seus apoiadores com grande poderinfluência.

O bilionário Elon Musk, que apoia Trump, postou uma imagem falsaKamala Harrisum uniforme vermelho estampado com a foice e o martelo comunistas, com a legenda "Kamala promete ser uma ditadora comunista desde o primeiro dia. Você acredita que ela usa essa roupa!?"

A postagem teve mais83,9 milhõesvisualizações. Uma busca reversaimagens sugere que esta foi a primeira publicação da imagem no X (antigo twitter).

Donald Trump compartilhou uma imagem gerada por IAKamala discursando para uma multidão comunista que teve pelo menos 81,5 milhõesvisualizações no X, mas não foi a primeira publicação desta imagem.

Postagens ligando Kamala ao comunismo realmente explodiram nas redes após o debate presidencial10setembro,acordo com um relatório do DDIA preparado para a BBC.

Durante o debate, Donald Trump chamou Kamala Harris e seu pai"marxistas" e sugeriu que ela transformaria os EUAuma "Venezuela com esteroides" por meiosuas políticasimigração.

Após o debate, o termo "marxista" virou tendência nas redes sociais e as pesquisas por "marxista" no Google nos EUA aumentaram 1.000%17 horas.

O Factchequeado disse que a pergunta mais pesquisadaespanhol após o debate foi: "Quem é o paiKamala Harris?"

A DDIA diz que duas alegações ganharam força especialmente na semana após o debate presidencial.

Em uma delas, um documento falsificado alegando que Kamala Harris seria membro do partido comunista russo se tornou viral,acordo com as próprias métricas da Meta.

Outra alegação,que Kamala Harris seria "Kamarada [camarada] Kamala", surgiuum discursoTrump no qual ele a retrata como uma "camarada comunista".

O BBC Verify, serviçochecageminformações da BBC, rastreou a origem da imagem do falso cartãofiliação até um site que permite que as pessoas façam documentos falsos do partido comunista.

O númerofiliação, carimbo e outros detalhes no cartão eram idênticos a um modelo no site para fazer um cartãomembro do partido.

Postagens compartilhando a imagem falsa, que foi postada pela primeira vezagosto, foram visualizadas maismeio milhãovezes.

'Vamos cair no comunismo'

O Partido Democrata não é um partido socialista, nem afirma apoiar regimes comunistas. Mas alguns membrosalto escalão do partido, como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, descreveramposição política como "socialista democrática".

Quando era senadora pela Califórnia, Kamala apoiou o projetolei Medicare for All ("Cuidados médicos para todos",tradução livre)Sanders, que teria trazido um sistemasaúdefinanciamento público para os EUA.

Desde então, ela diz que não apoia mais um sistema públicosaúde, o que teria abolido as seguradorassaúde privadas.

Ela nunca defendeu políticas comunistas, como a abolição ou apropriação da propriedade privada.

O planoKamala Harrisreprimir a "aumentos abusivospreços"supermercados foi citadopostagensredes sociaisespanhol como "comunista".

Musk disse que isso significaria "prateleiras vazias, assim como na Venezuela".

A propostaKamala, que envolveria pedir à comissãocomércio para investigar picospreços muito acima do aumento no custoprodução, está muito longe dos controlespreços generalizados vistosCuba e Venezuela, que foramparte responsabilizados pela grave escassezalimentos.

Mas para alguns eleitores que fugiram desses países, o medo estáqualquer coisa que eles sintam remotamente se assemelhar às políticas dos paísesonde vieram.

Duke Machado, que administra uma páginarepublicanos latinos do Texas no Facebook chamada Latino Strikeforce, disse que teme que, se os democratas vencerem, o país esteja a caminho do comunismo.

"Se não tomarmos cuidado, vamos cairCuba e Venezuela. O objetivo final deles é destruir o capitalismo."

Quando questionado se seria responsável compartilhar com seus seguidores, incluindo exilados latinos que fugiram da repressão, temoresque os democratas possam transformar os EUAum país comunista ele diz: "Não é irresponsávelforma alguma. Vejo isso como um dever."

Com reportagem adicionalKayleen Devlin do BBC Verify