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Por que BrasilLula não rompe com VenezuelaMaduro?:
O pedido pela Justiça venezuelanaprisãoEdmundo González Urrutia, candidato que concorreu pela oposição nas eleições, também agravou a crise entre as duas nações. González deixou o país e recebeu asilo da Espanha.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito críticas a Maduro e à recusa do venezuelanodivulgar as atas das eleições para estabelecer a credibilidade do processo, mas rejeita cobranças sobre romper as relações entre Brasil e Venezuela.
Na sexta-feira (6/9), antes do anúncio da decisão venezuelana sobre a representação diplomática, Lula reiterou que não pretendia romper as relações ou fazer bloqueio contra o governoMaduro.
"Estamosuma posição, Brasil e Colômbia, a gente não aceitou o resultado das eleições, mas não vou romper relações e também não concordo com a punição unilateral, o bloqueio. Porque o bloqueio não prejudica o Maduro, o bloqueio prejudica o povo e eu acho que o povo não deve ser vítima disso", disse o presidente brasileiroentrevista à rádio Difusora Goiânia na sexta.
A posiçãoLula vai na contramão da adotada por outros líderes sul-americanos, como o presidenteesquerda do Chile, Gabriel Boric, que declarou que os resultados que apontariam vitóriaMaduro "eram difíceisacreditar".
O governoJair Bolsonaro (PL) também rompeu com Maduro quando reconheceu o deputado da oposição Juan Guaidó como presidente interino em 2019.
Mas por que o governo Lula tem insistidomanter uma posição neutra?
Administração da relação
Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasilcaráter reservado ao longo dos últimos dois meses e especialistas explicam que uma das razões principais pelas quais o governo brasileiro não pretende romper relações com a Venezuela a despeito dos últimos acontecimentos é a necessidadeadministrar o diálogo com um país com o qual compartilha 2,2 mil quilômetrosfronteira.
Um diplomata da cúpula do Itamaraty afirmou que a tentativaisolar a Venezuela observada durante os anosque o Brasil foi governado por Bolsonaro não surtiu o resultado esperado (uma mudançaregime) e trouxe problemas aos principais vizinhos do país como o Brasil, que tevelidar com um aumento massivo da imigração venezuelana tendo pouca ou nenhuma interlocução com autoridades do país vizinho.
Ainda segundo esta fonte, a extensa fronteira entre os dois países e a existênciacomunidades brasileira e venezuelana nos dois países fazem com que seja importante manter canaisdiálogo com o país vizinho.
“A avaliação é que o rompimento com um país vizinho, alémproduzir poucos benefícios, gera uma sériedificuldades no dia a dia da gestão da relação”, diz Oliver Stuenkel, professorRelações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo o especialista, as consequênciasromper relações vão além da política e poderiam refletir, por exemplo, na administraçãoquestões consulares, tais como o atendimento a brasileiros que vivem na Venezuela.
Além disso, a manutenção da relação permite que o Brasil atueforma mais próxima na gestão do fluxoimigrantes venezuelanos que chegam ao país eoutros temas fronteiriços e alfandegários.
“A crise dos refugiados é algo que, na minha avaliação, é muito mais significativo do que a afinidade ideológica", afirma Carolina Silva Pedroso, professoraRelações Internacionais da Universidade FederalSão Paulo (Unifesp).
"O Brasil se tornou nos últimos anos o quarto principal destino dos venezuelanos, há uma pressão grande na fronteira e da própria opinião pública sobre essa questão.”
Para Laura Trajber Waisbich, diretora do programaEstudos Brasileiros da UniversidadeOxford, no Reino Unido, a fragilidade política venezuelana também não interessa ao Brasil.
A instabilidade econômica da Venezuela afeta o Brasilmaneira muito direta, não só por conta do aumento no fluxoimigrantes, mas também por proporcionar um contexto propício para o uso da fronteira na região amazônica por organizações criminosas, diz a especialista.
“Essa fronteira está cada vez mais porosa e ingovernada”, afirma, ressaltando a relevância da região para o tráficococaína e a atuaçãoorganizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Tradição diplomática
Outro fator relevante mencionado pelas fontes ouvidas pela BBC Brasil é a prática diplomática conciliatória brasileira.
“A tradição diplomática brasileira não dispõe do rompimentorelações diplomáticas com tanta facilidade”, afirma Pedroso.
“Embora esse recurso tenha sido utilizado com bastante frequência no mundo,tese, deveria ser uma das últimas ações a se tomar, quando todas as possibilidadesdiálogo estivessem esgotadas.”
Laura Waisbich explica ainda que a tradição brasileira também passa pelo cumprimento do princípionão interferênciaassuntospolítica internaoutros países.
“A política externa brasileira é uma prática mais reticente a esse tipogestorompimento, sobretudo quando esse rompimento tem a ver com situaçõescaráter doméstico do país”, diz.
“A Venezuela é um país parceiro vizinho e o que acontece ali pode impactar no Brasil, mas no final das contas tratam-seacontecimentos da própria dinâmica do processo político venezuelano.”
Para além da tradição brasileira, há ainda uma prática diplomática comum na América Latina nos últimos anos que se apoia na ideiaque os problemas da região devem ser resolvidos internamente, dizem as especialistas.
“Há uma tradição na América Latina, que começou na América Central na década80 e foi evoluindo desde então,construir uma culturamediação e negociação diplomática interna” para evitar a influênciaatores externos, explica Waisbich.
Papelmediação
O papeldestaque do Brasil nas negociações políticas entre governo Maduro e oposição é também um fatorpeso na relação.
Desde que Maduro se declarou vencedor das eleições presidenciais e a oposição questionou os resultados, Brasil e Colômbia vem se empenhandouma a tentativadiálogo. Alémfazer consultas com ambos os lados, os dois países também lançaram um pacoteideias para tentar resolver a crise política no país vizinho.
Os esforços não parecem ter dado grande resultado na crise atual, mas diplomatas consultados pela BBC Brasil afirmam que o governo brasileiro deseja manterposição como mediador para um eventual aprofundamento da instabilidade.
O argumento é oque um eventual rompimento pioraria uma situação que já ruim e dificultaria ou impossibilitaria ainda mais qualquer tentativainfluenciar o governo Maduro.
Em resumo, a tese é: se mesmo próximo, o Brasil enfrenta dificuldades para influenciar o regime venezuelano, ao ficar distante essa missão poderia se tornar impossível.
Os especialistas consultados pela reportagem concordam com a abordagem.
“É importante manter alguma interlocução básica para que se houver sinaisinstabilidade do regime no futuro, o Brasil esteja relativamente bem posicionado para ter algum diálogo”, diz Oliver Stuenkel.
Para Carolina Pedroso, existe uma crença entre muitos dos observadores internacionaisque não haverá saída pacífica para a crise atual sem algum grauauxílio externo - e o Brasil se prepara para isso.
“Uma das confluências do governo Lula e da tradição diplomática brasileira é a apostarecursosmediação, conciliação e diálogo, por isso há uma resistência‘abandonar’ a Venezuela à própria sorte”, diz.
Influência externa
Outro diplomata brasileiro com experiência na região sul-americana afirmou à BBC que o Itamaraty também entende que isolar ainda mais a Venezuela, alémnão garantir uma melhora no ambiente democrático do país, poderia ter como efeito colateral um aumento da dependência do governoMadurorelação a potências extra-regionais como a China e a Rússia.
Não por acaso, os dois países foram alguns dos poucos que reconheceram como legítimos os resultados das eleições presidenciaisjulho deste ano. Tanto o presidente russo, Vladimir Putin, quando o líder chinês, Xi Jinping, enviaram mensagens parabenizando Maduro pelo resultado.
Para Waisbich, o Brasil deseja manter uma pontediálogo justamente para evitar que atoresinfluência histórica na região, como os Estados Unidos, e outros mais recentes, como a China, tomemposiçãoprotagonismo.
“Se o Brasil saircena por contaum rompimentorelações, esses outros atores vão ocupar o espaço político rapidamente”, diz.
Pedroso explica que o conflito interno da Venezuela incorpora diversas outras disputas geopolíticas globais.
“Além da proximidadeMaduro com China, Rússia, Irã, Turquia, Cuba e outros atores que desafiam a ordem internacional liberal, do outro lado a oposição não é só muito próximaEstados Unidos e União Europeiatermos ideológicos, mas também dos interesses do capital privadoempresas que desejam explorar o petróleo venezuelano”, diz.
O diplomata brasileiro ouvido pela reportagem afirmou, no entanto, que a atual postura do Brasil pode sofrer uma mudança a partir10janeiro2025. Esta é a data prevista para o começo do novo mandatoMaduro.
À medida que o Brasil ainda não reconheceu os resultados das eleições venezuelanas, a posseMaduro para mais um mandato deverá obrigar o governo Lula a se posicionar novamente sobre o tema.
Até agora, disse esta fonte, Maduro está no legítimo cumprimentoseu atual mandato.
Mas o que acontece após ele assumir um novo mandato por meioeleições cujo resultado o Brasil não reconhece?
Segundo este diplomata, a eventual posseMaduro deverá criar novos impasses para o governo brasileiro.
Entre eles está a decisão sobre a permanência ou não da Venezuelafóruns internacionais dos quais o Brasil faz parte, como a ComunidadeEstados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Pressões internas e histórico da relação
Para Lula, há ainda o desafiose equilibrar entre a posição adotada pelo seu governo oficialmente, por meio do Itamaraty, e aprópria relação e do Partido dos Trabalhadores com o chavismo.
A legenda reconheceu a vitóriaMaduro no dia seguinte à eleição, com uma nota que tratava o venezuelano como "presidente agora reeleito", apesar da posição mais cuidadosa do MinistérioRelações Exteriores.
"Importante que o presidente Nicolás Maduro, agora reeleito, continue o diálogo com a oposição, no sentidosuperar os graves problemas da Venezuela,grande medida causados por sanções ilegais", dissenota da Executiva Nacional do PT, comandado pela deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Lula foi questionado sobre a nota, e buscou minimizar as críticas ao partido.
"Não tem nadagrave, não tem nadaassustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nadaanormal", disse o presidente.
"Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro não. Entra na Justiça e Justiça faz."
A oposição venezuelana, porém, diz não ser possível confiar no Judiciário do país por ser dominado por Maduro.
Também contesta a noçãoque haja uma normalidade no processo político do país, apontando que, ao longo dos anos, o chavismo passou a controlar órgãos como a Suprema Corte e o Conselho Eleitoral.
Além disso, órgãosdireitos humanos, como o da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam violaçõesresposta a protestos no país e prisões arbitráriasoponentes, além da inabilitação políticamuitos deles.
O PT é um aliado histórico do chavismo na Venezuela. O presidente Lula também nutriu, durante seu histórico na política, relações cordiais com Hugo Chávez e outros representantes da esquerda latino-americana.
Esses antecedentes, segundo analistas, também tornam um rompimento totalrelações com a Venezuela improvável.
Mas, para Pedroso, é principalmente o posicionamento do PT que pesa para essa decisão.
“Há uma a aproximaçãoalas do PT com o processo da Revolução Bolivariana e o entendimentoque os problemas que ocorrem lá são fruto da ingerência do imperialismo norte-americano euma oposição mancomunada com os Estados Unidos”, afirma.
“Ou seja, uma interpretação da realidade que subestima ou até ignora os problemas endógenos do chavismo.”
Segundo a pesquisadora, diferente do que muitos acreditam, Lula e Chávez não eram tão próximos no nível interpessoal como se supõe.
Pedroso cita relatosdiplomatas que atuaramnegociações durante os primeiros mandatos do petista e que afirmam terem presenciado momentosirritaçãoLula com Chávez por contaalguns arroubos do venezuelano, além da visão distinta que eles tinham do papel da integração regional.
Com Maduro, a proximidade é ainda menor, ressalta Pedroso.
Ainda assim, Lula expressou apoio claro ao atual presidente venezuelano publicamentediversas ocasiões.
Após assumir seu terceiro mandato, o petista mandou reabrir a embaixada brasileiraCaracas, desativada por Bolsonaro, nomeou uma nova embaixadora e recebeu MaduroBrasília com honraschefeEstado durante uma cúpulalíderes da América do Sul,maio do ano passado.
Na ocasião, foi ainda criticado por afirmar que as alegaçõesque o regimeMaduro é autoritário eram, na verdade, parteuma "narrativa" que deveria ser combatida pelo líder venezuelano.
Mas o tom mudou bastante com a aproximação das eleições presidenciais. Antes do pleito, Lula disse ter ficado assustado com declaraçõesMaduro sobre um eventual banhosangue no país caso não vencesse a disputa.
O venezuelano respondeu com um recado ríspido para Lula: "A quem se assustou, que tome chácamomila".
Pedroso afirma não acreditar que a posição mais radicalalgumas alas do PTrelação ao chavismo seja compartilhada por Lula ou pelo seu assessor direto Celso Amorim, que além"guru" da política externa é filiado ao PT. “Mas há cobranças internas”, afirma a pesquisadora.
“O Lula tem que lidar, claro, com as realidades geopolíticas, mas também com um partido que tem uma visão bastante radical nesse quesito”, resume Stuenkel
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