'Jesus obrigaria uma mulher a viver sendo traída e apanhando?': a advogada católica que encerrou relação abusiva apesarbetboo instagramoposiçãobetboo instagramfamília religiosa:betboo instagram
"Em 2007, esperei minha mãe viajar para me separar. Depois que ela voltou, não aceitava o término e ficou brava comigo por muito tempo", conta a advogada, atualmente com 46 anos.
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Segundo Maria, a mãe a apavorava dizendo que ela passaria fome e não teria para onde ir caso se separasse.
"As pessoas falavam que a Igreja não apoiava o divórcio e que Deus não abençoava", acrescenta ela, que relata que a mãe também usava um suposto argumento religioso.
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Procurada pela reportagem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não comentou o caso.
A BBC News Brasil ainda questionou qual a orientação caso um fiel esteja sofrendo abusosbetboo instagramum relacionamento, mas também não recebeu respostas.
Silas Guerriero, antropólogo e professor do programabetboo instagrampós-graduaçãobetboo instagramCiência da Religião da Pontíficia Universidade Católicabetboo instagramSão Paulo (PUC-SP), afirma que o matrimônio é um dos sete sacramentos da Igreja Católica e representa a presençabetboo instagramDeus na vida do casal.
Ele explica quebetboo instagramdissolução é vista como "impossível por parte dos padres". Dessa maneira, mesmo que ambos optem pelo divórcio e se casem com outra pessoa futuramente, eles estarão sempre casados, perante Deus, com o primeiro companheiro.
Guerriero explica que a forte influência da Igreja levou o Brasil a ser um dos últimos países do mundo a reconhecer o divórcio legal, no anobetboo instagram1977.
Ele também afirma que esse é um princípio católicobetboo instagramque o homem é o provedor do lar, mas afirma que isso está mudando e que apenas algumas vertentes mais conservadoras do catolicismo mantêm o comportamento patriarcal.
"As pessoas justificam esse comportamentobetboo instagramnomebetboo instagramDeus. Esse nome tem muito poder e muitas pessoas se aproveitam dele para cometer e justificar verdadeiros absurdos."
"Para os novos movimentos religiosos (como a igreja católica), a distinção do fielbetboo instagramrelação à sociedade é forte e tem que se darbetboo instagrammaneira rígida e drástica. O poder daquele que lidera esse grupo se torna muito grande e algumas pessoas se utilizam desse poder para cometer abusos".
A pressão vivida por Maria para seguir com a relação, mesmo relatando violência, é comum, segundo Suzanne Marie Mailloux, fundadora da ONG Fala Mulher, sediada no Jardim Ângela, bairro da zona sulbetboo instagramSão Paulo, que há 12 anos ajuda mulheresbetboo instagramsituaçãobetboo instagramrisco e abuso no relacionamento.
"Muitas se acostumam com a situação porque não têm outras alternativas. Sem saída, elas vão ficando no relacionamento, por pressão social", diz a canadense Mailloux — ela resolveu criar a ONG inspirada na própria mãe, que foi vítimabetboo instagramviolência do ex-marido.
"A mulher que passa por esse estresse psicológico vive num constante estadobetboo instagramalerta. Ela sabe que virá uma crítica a tudo o que ela faz ou uma agressão repentina. A violência psicológica é diária e constante", diz a especialista à BBC News Brasil.
'O problema era minha independência'
No casobetboo instagramMaria demorou um tempo até que a dinâmicabetboo instagramabusos se instalasse. Ela afirma que no início do casamento o convívio com o então marido foi "uma maravilha".
O relacionamento foi se transformando aos poucos, sendo marcado cada vez mais por violência psicológica.
"Sempre fui uma pessoa alto astral, com vontadebetboo instagramconquistar o mundo, vaidosa. Mas, quando eu me tornei mãe, acabei deixando essas coisasbetboo instagramsegundo plano, o que acabou ajudando a camuflar todos os problemas que aconteceram nos anos seguintes", conta ela, que teve o primeiro filho aos 18 anos e o segundo, oito anos depois.
Ela trabalhavabetboo instagramdois turnos como instrutora num cursobetboo instagramformaçãobetboo instagramcondutores e ainda era a principal cuidadora dos filhos e da casa.
"Naquela época, eu era instrutora e dava aulas 7h ao meio-dia, quando voltava para casa para dar almoço para as crianças. Depois, dava aula das 18h às 23.
Mas sempre que queria fazer algo que achasse interessante, o marido a impedia.
Ela conta que o ex-marido controlava também o que ela vestia, dizendo que ela deveria escolher roupas mais largas e formais.
"Ele falava como se ele fosse meu amigo. Parecia que eu tinha que ouvir aquilo para não passar vergonha na frente da minha família e dos meus filhos. Ele falava: 'Essa roupa não combina com você. Você está muito velha…'", diz.
"Depois, percebi que o problema não eram as roupas, mas meu trabalho. O que irritava ele não era eu fazer as unhas, arrumar o cabelo e passar maquiagem", afirma.
"O problema era minha independência, meu crescimento. Isso incomoda essas pessoas que querem ter o controle sobre a vida das outras", afirma.
Então vieram as traições.
"Uma vez, uma meninabetboo instagram16 anos foi até a nossa casa dizer que era namorada dele. Na época, o nosso segundo filho tinha 8 meses", relembra Maria.
Ela se recorda que o marido se justificou dizendo que trair era algo natural da "genética masculina" e que ela tinhabetboo instagramentender a situação.
"Em nenhum momento, ele pediu desculpas ou prometeu não fazerbetboo instagramnovo. Falou que casais teriambetboo instagrampassar por aquilo, como a minha mãe e avó passaram", afirma.
Segundo Maria, o marido a desencorajou a fazer uma faculdade e a aprender a dirigir, mas ela resistiu.
"Tirei a carta (permissão para dirigir) e comprei um carro mais barato que o dele. Aí ele passou a comprar carros novos para sair com outras mulheres e a usar o meu para trabalhar."
'Me fez comer dinheiro'
Maria conta que, apesarbetboo instagramo ex-marido ter estudado apenas até a quarta série do Ensino Fundamental (atual 5º ano), era bem-sucedido e ganhava bem mais que ela.
No fim do ano, lembra ela, era generoso e comprava presentes para os colaboradores, para os filhos, mas a deixavabetboo instagramlado.
Ela lembra que, certa vez, perguntou a ele por que não tinha recebido presentes. "Ele retrucou: 'Para quê? Nada vai te ajudar, nada vai te melhorar'", diz Maria.
"Foi como se ele tivesse dado uma facada no meu peito. Aquilo rasgou a minha alma. Falei para ele: 'Poxa vida, você ganha tanto dinheiro e não pode me agradar?'".
Naquele momento, diz ela, o ex-marido buscou uma caixinha onde guardava cédulasbetboo instagramdinheiro.
"Quando voltou, ele enfiou dinheiro na minha boca enquanto perguntava se era aquilo que eu queria para ficar quieta. Foi a única agressão física enquanto éramos casados", lembra.
A cena foi vista pelos filhos, então com 3 e 11 anos.
Sem apoio, Maria diz que recorreu a livros para buscar inspiração para se libertar dos abusos.
"Um livro que me marcou foi um do Joseph Campbell (escritor americanobetboo instagrammitologia comparada) no qual ele diz que você precisa ser protagonista, não coadjuvante, da própria vida e só quem aceitar isso pode participar dela", relembra.
"Ninguém pode ter mais controle sobrebetboo instagramvida do que você. Comecei a tentar exercitar isso."
Maria conta que, quando procurava apoiobetboo instagramalguém da igreja, ouvia que precisava ter paciência, porque Deus não gostariabetboo instagramvê-la se divorciar.
"Então, tinha mais essa prisão na minha cabeça. Se me separasse, Deus me castigaria. E isso pesou muito."
Em dado momento, ela descobriu que o então marido estava "noivo"betboo instagramoutra mulher.
Foi quando Maria decidiu colocar um ponto final na relação.
No dia seguinte da decisãobetboo instagramse separar, ela conta que o ex-marido a procurou para tentar agredi-la.
Segundo Maria, ele lhe disse que a culpa por ter outra mulher era dela, que não despertava mais seu interesse.
"Ele quis dar uma volta no balcão da cozinha para me agredir. Quando eu percebi, peguei uma facabetboo instagramponta e a arremessei nele", conta ela.
A faca atingiu o rejunte entre os azulejos e quebrou a ponta.
"Tenho essa faca até hoje. Ele então percebeu que eu já não estava mais brincando e que tinha acabado".
Maria conta que precisou trocar as fechaduras e o controle remoto do portãobetboo instagramsua casa várias vezes para evitar que o ex-marido entrassebetboo instagramcasa.
Sempre que ele conseguia fazer uma cópia das chaves, a partirbetboo instagramum molde dos filhos, ela trocava as fechaduras para impedir que ele entrasse.
Em uma dessas ocasiões, conta ela, o ex-marido deu um socobetboo instagramseu peito, o que a derrubou e a fez bater a cabeça, deixando-a desacordada por alguns instantes.
"Meu filho começou a gritar, chamando o irmão dele: 'O papai bateu na mamãe e ela voou'", conta Maria.
"Fiqueibetboo instagramchoque, porque não esperava aquilo. Fiquei com medobetboo instagramele machucar meus filhos."
Maria fez boletimbetboo instagramocorrência e examebetboo instagramcorpobetboo instagramdelito. Jorge foi condenado pelo crime, mas não ficou preso. Foi sentenciado a prestar serviços comunitários.
Dois anos depois, Maria diz que tudo piorou ainda mais quando ela começou um novo relacionamento. O ex-marido passou a segui-la na rua e ligava para xingá-la e fazer ameaças.
"É muito comum o homem ameaçar a mulher dizendo que se ela não ficar com ele, não fica com ninguém", conta Suzanne, da ONG Fala Mulher, que trata casosbetboo instagramgrave ameaça e iminente violência como prioridade e criou dois abrigos para receber mulheres vítimas.
Casos como obetboo instagramMaria são comuns, segundo as estatísticas: umabetboo instagramcada três brasileiras com maisbetboo instagram16 anos já sofreu algum tipobetboo instagramviolência física ou sexual pelo parceiro, aponta um estudo do Fórum Brasileirobetboo instagramSegurança Pública. Em 2022, foram maisbetboo instagram18 milhõesbetboo instagramvítimas.
No ano passado, foram registrados 1.410 feminicídios no Brasil — ou um assassinato motivado pelo fatobetboo instagrama vítima ser mulher a cada seis horas.
Os dados são do Monitor da Violência do Núcleobetboo instagramEstudos da Violência (NEV), da USP e,betboo instagramcomparação com 2021, houve um aumentobetboo instagram5,5% deste tipobetboo instagramcrimebetboo instagram2022.
'Nunca perdi a fé'
Maria relata que nunca abandonou a religião, mesmo com a pressãobetboo instagramalguns integrantesbetboo instagramsua comunidade religiosa para que não terminasse o relacionamento violento.
"Nunca perdi a fé. O problema é a doutrina que as pessoas querem colocar. Deus quer que sejamos felizes. Ele não gostabetboo instagramdivórcio, mas não quer a infelicidadebetboo instagramninguém", afirma a advogada.
"Frequentava igreja e não deixeibetboo instagramfrequentar, mas faço isso pela palavra e não por quem a pronuncia", diz.
Ela conta que nos períodosbetboo instagramcrise com o ex-marido, o conselho das pessoas que frequentavam a igreja era para ela fosse "paciente".
"As pessoas que frequentam igreja sempre prezam pela boa imagem da família, mas só cada um sabe do seu lar e se é um larbetboo instagramverdade", conta ela, que relembra da oposição da mãe e da sogra que diziam "que Deus não queria" a separação.
"No mesmo diabetboo instagramque eu me separei, todo o medo foi embora. Me senti feliz e alegre, escutei um louvor e depois uma música. Me lembrobetboo instagramque foi a primeira vez depoisbetboo instagrammuitos anos que escutei uma música e senti alegria."
Maria diz que, depoisbetboo instagrammuitos anos, teve um primeira noitebetboo instagramsono sem sentir medo ou ansiedade por alguma humilhação sofrida.
"Se Jesus estivesse hoje aqui na Terra, ele iria obrigar uma mulher a viver sendo traída e apanhando? Ele aceitaria violência contra as crianças ou qualquer ser? Ele rejeitaria um casal que tem amor e respeito um pelo outro só por ser do mesmo sexo?", questiona ela.
Agressão contra a sobrinha e recomeço
Maria ainda ouviu, anos depois, da própria sobrinha, que o ex-marido a teria estuprado quando ela tinha 8 anos, uma agressão que teria durado por três anos.
"Não tive medo. Imprimi 200 cópias do boletimbetboo instagramocorrência que eu mesma fiz do caso da minha sobrinha. Tirei o nome dela e distribuí para todos os vizinhos onde ele mora. Também contei para a família dele e alertei para que não deixassem ele sozinho com outras crianças", diz Maria.
Segundo Maria, Jorge foi investigado, mas acabou não sendo condenado por nenhum dos supostos abusos contra crianças. No entendimento da Justiça, não havia provas suficientes.
"Hoje, a minha sobrinha está fora do Brasil porque não dá para você ficar circulando numa cidade onde você tem o pesadelo dabetboo instagramvida nas ruas. Ela diz para mim que a culpa foi dela porquebetboo instagramalgum momento pode ter seduzido ele. Eu me pergunto como alguém com 8 anos seduz um homem…", diz.
Segundo Maria, o caso dabetboo instagramsobrinha ainda a perturba.
"Sinto vergonhabetboo instagramolhar para ela e saber que eu não fiz nada no momento que ela precisou. E que, quando soube e pude fazer algo, eu não consegui", relata.
O aprendizado dessa experiência, diz ela, é a necessidadebetboo instagramfalar e orientar mulheres sobre esses atos violentos para evitar novos crimes.
"As mulheres precisam estar atentas para que o agressor não as deixe num cativeiro e faça isso com todos ao redor dela sem que percebam."
Depois da separação, Maria conta que "passei aperto, mas nunca passei necessidade".
Ela relata que o ex-marido continuou pagando a escola e planobetboo instagramsaúde dos filhos. Mas diz que nunca pagou pensão aos filhos.
"Se eu quisesse, ele já poderia ter sido preso por dinheiro, mas nunca quis fazer isso".
Hoje, 16 anos após a separação, Maria conta que estende a mão para uma pessoa da família no momentobetboo instagramuma separação.
"Minha irmã está se divorciando e meu atual marido é advogado. Ela tem um filho e eu dei todo meu apoio nesse momento", conta.
"Ela abriu um sorriso e sentiu que não está sozinha".
Saiba quem procurarbetboo instagramcasobetboo instagramameaça e violência
As mulheres vítimasbetboo instagramqualquer situaçãobetboo instagramameaça ou agressão podem fazer uma denúncia anônima pelo telefone 181 do Disque Denúncia. Essas informações são geridas sob sigilo por uma equipebetboo instagramanalistas da Polícia Civil, Polícia Militar e Corpobetboo instagramBombeiros.
Já o telefone 180 é um canal exclusivo para denúncias ou procura por ajuda relacionadas a casosbetboo instagramviolência contra mulheres. O serviço 24 horas possui uma equipe especializada para analisar cada caso e encaminhá-lo, por exemplo, para abrigos, Delegaciasbetboo instagramAtendimento à Mulher (Deam) e Defensorias Públicas.
Carla Jara, porta-voz da ONG Fala Mulher, conta que durante a pandemia eles criaram o SOS Fala Mulher, um canal virtual para facilitar o contatobetboo instagrammulheres que enfrentam relacionamentos abusivos.
O atendimento online da Fala Mulher funciona,betboo instagramsegunda a sexta, das 9h às 18h. Por meio do chat, as vítimas podem escrever uma mensagem ou até fazer uma chamadabetboo instagramvídeo para procurar ajuda.
A triagem inicial é feita pela própria psicóloga e fundadora da ONG, Suzane Maria Marlux, que as encaminha para especialistas.
Uma advogada faz a orientação jurídica, ajuda a registrar boletimbetboo instagramocorrência e solicita, se houver risco iminentebetboo instagrammorte, medida protetiva à vítima. A faltabetboo instagramdinheiro, diz a porta-voz da ONG, é hoje o principal gargalo para a expansão do atendimento, que pode ser obtido por meio deste formulário na página principal do site.
Já o Instituto Avon criou um serviço que usa a assistente virtual Angela para direcionar mulheres vítimasbetboo instagramviolênciabetboo instagramtodo o país para atendimento jurídico, psicológico e socialbetboo instagramgraça. Para usar o serviço, é necessário adicionar o número (11) 94494-2415 na agenda do celular e enviar uma mensagembetboo instagramtexto pelo WhatsApp a qualquer hora.
O site do Tamo Juntas e o Mapa do Acolhimento também oferecem um serviço semelhantebetboo instagramapoio a mulheres vítimasbetboo instagramviolência, com apoio jurídico e psicológico.