Como super-ricos podem continuar driblando impostos:bet ano

Lula apontando o dedo para frente

Crédito, Agência Brasil

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre o apoio às propostas do governo, mas concordam num ponto: se os novos tributos não forem bem desenhados, há o riscobet anoos contribuintesbet anomaior renda continuarem driblando o Fisco — por exemplo, modificando seus investimentos ou o funcionamentobet anosuas empresas.

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É o que se chamabet anoelisão fiscal — quando o contribuinte lança mãobet anobrechas legais para fugir dos impostos.

Estão na mira do Fisco medidas como taxar fundos exclusivos para milionários e investimentos no exterior, voltar a tributar lucros e dividendos distribuídos por empresas, e novas regras no imposto sobre herança para impedir que famílias mais ricas evitem essa cobrança.

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“Aqui no Brasil, o mais pobre paga mais impostobet anorenda do que o dono do banco, porque só desconta mesmobet anoquem vivebet anosalário. As pessoas que vivembet anorendimento, as pessoas que recebem lucro no final do ano, terminam não pagando impostobet anorenda”, disse Lula no programa semanal do governo Conversa com o Presidente, transmitido pelo Canal Gov, logo após o Executivo enviar ao Congresso propostas para taxar fundosbet anosuper ricos.

A falabet anoLula tem basebet anonúmeros. Um novo levantamento do Sindifisco (sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal) mostrou que contribuintes milionários pagam no Brasil alíquotas menoresbet anoimpostobet anorenda do que profissionaisbet anorenda média e alta, justamente porque uma parcela relevantebet anoseus ganhos está isentabet anotributos.

Segundo esses dados, contribuintes que declararambet ano2021 ganhos totais acimabet ano160 salários mínimos (R$ 2,1 milhões no ano, ou R$ 176 mil por mês) pagaram,bet anomédia, uma alíquota efetivabet anoImpostobet anoRenda (IR)bet anomenosbet ano5,5%.

A alíquota efetiva é o percentual da renda total quebet anofato foi consumida pelo IR. É uma taxa menor do que a parcela paga por aqueles com renda mensal na faixabet anoR$ 7 mil (alíquota efetiva médiabet ano6%). Ou menos da metade da cobrada sobre contribuintes com ganho mensal na casabet anoR$ 21 mil (alíquota efetiva médiabet ano11,25%).

Alguns economistas, como Sergio Gobetti (Ipea) e Samuel Pessôa (FGV), dizem que para mudar essa realidade também é preciso rever regimes especiaisbet anotributação, como o Simples Nacional, que acaba beneficiando contribuintesbet anorenda elevada, como profissionais liberais e donosbet anopequenas empresas.

Para eles, alcançar esse público é importante, já que também se trata do topo da pirâmide brasileira. Segundo dados do IBGE, a renda média mensal per capita entre o 1% mais rico da população foibet anoR$ 17.447bet ano2022.

Mexer no Simples Nacional, porém, enfrenta resistência ainda maior no Congresso e não tem sido citada pelo governo.

Entenda melhor a seguir algumas das propostasbet anodiscussão, os argumentos a favor e contra, e os desafios para evitar que os mais ricos continuem pagando menos impostos mesmo que essas medidas sejam aprovadas.

Primeiro alvo: fundosbet anomilionários

Está nos planos do governo uma ampla reforma do Impostobet anoRenda que mexeria na tributaçãobet anoempresas e voltaria a taxar lucros e dividendos distribuídos a seus acionistas — importante fontebet anorenda dos brasileiros mais ricos e que hoje não sofre qualquer tributação (entenda melhor ao longo da reportagem).

O Brasil é um dos poucos países que não taxa esse tipobet anorenda. Sóbet ano2021 (dado mais recente disponível), foram pagos R$ 555,68 bilhõesbet anolucros e dividendos pelas empresas, dinheiro que entrou no bolso dos acionistas limpobet anotaxas.

Mas o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que a questão será tratadabet ano“forma cautelosa”, por duas razões: demandaria uma revisão tambémbet anotributação direta das empresas e afetaria não só milionários, mas brasileirosbet anorenda média alta, como profissionais liberais e donosbet anoempresas menores — o que aumenta a dificuldadebet anoaprovação.

“Não dá para fazerbet anoforma atabalhoada. Primeiro porque pode não sair. E segundo porque pode não produzir os resultados que nós desejamos”, reconheceubet anojulho,bet anoentrevista ao jornal Folhabet anoS.Paulo.

Haddad escolheu como medida inicial ampliar a taxação sobre investimentos que atendem brasileiros milionários — são os chamados fundos exclusivos (fechados para apenas um investidor) e os fundos offshore e trusts (investimentos no exterior).

Uma medida provisória e um projetobet anolei foram encaminhados ao governobet anoagosto, e, após negociações, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se comprometeu a pautar as propostas nas próximas semanas.

O governo conta com dois fatores para conseguir a aprovação: são aplicações que atendem uma parcela muito pequenabet anobrasileiros e que hoje são menos taxadas que outros tiposbet anoinvestimento.

Esses dois tiposbet anofundos são tributados, atualmente, apenas no saque das aplicações. A proposta do governo é que os investidores passem a pagar uma taxa sobre seus rendimentos anuais, como já ocorre com outras aplicações.

"É uma legislação anacrônica, que não faz sentido nenhum. Não é tomar nadabet anoninguém, é cobrar rendimento deste fundo, como qualquer trabalhador paga impostobet anorenda", já disse o ministro,bet anouma entrevista sobre a taxação dos fundos exclusivos.

A previsão do governo ébet anoarrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026 com as duas medidas.

No caso dos fundos exclusivos, a Medida Provisória enviada ao Congresso prevê que essas aplicações passarão a ter a cobrança periódica do come-cotas,bet ano15% a 22,5% sobre os rendimentos, como ocorre com outros fundos no país.

Segundo estimativas do Executivo, hoje 2,5 mil brasileiros (cercabet ano0,001% da população) contam com recursos aplicadosbet anofundos exclusivos, que acumulam R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no país.

Já o projetobet anolei que trata das offshores e trusts prevê tributação anualbet anorendimentosbet anocapital aplicado no exterior com alíquotas progressivasbet ano0% a 22,5%.

Para viabilizar a aprovação da proposta, a Fazenda acolheu sugestão do presidente da Câmara, Arthur Lira, para retirar a incidência do imposto sobre a variação cambial — ou seja, uma valorização da aplicação no exterior devido à valorização do dólar, por exemplo, não entraria no rendimento a ser tributado.

Mão contando dinheiro

Crédito, Agência Brasil

Legenda da foto, Fundos no exterior são usados por ricos para não pagar imposto sobre herança

Esses investimentos fora do país são muito usados por famílias ricas para evitar o imposto sobre herança (ITCMD). Isso porque a Constituiçãobet ano1988 exige uma lei complementar para regulamentar a taxaçãobet anoherança no exterior, mas passaram-se décadas sem que o Parlamento fizesse isso.

Enquanto essa lei complementar não for aprovada, o valor investido nesses fundos continuará isento do ITCMD, mesmo com a eventual aprovação da nova tributação anual proposta pelo governo.

Para o consultor tributário Everardo Maciel, secretário da Receita Federal durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a gestão Lula está certabet anotentar igualar o tratamentobet anodiferentes tiposbet anofundos. Ele avalia, porém, que os mais ricos continuarão buscando outras opçõesbet anoinvestimento isentas, como Letrabet anoCrédito do Agronegócio (LCA) e Letrabet anoCrédito Imobiliário (LCI).

“O contribuinte não é um cordeirinho que fica aguardando você fazer as coisas (novos tributos) e dá o pescoço, não. Ele vai dar saída (dos investimentos). Ele pode ter dois caminhos: aplicar no exterior ou pagarbet anooutros papéis que não têm imposto”, ressalta.

Taxar ou não taxar dividendos?

Por outro lado, Maciel é contra a volta da tributaçãobet anolucros e dividendos. Foi durantebet anogestão na Receita Federal que o Congresso aprovou o fim dessa taxação.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que não taxa esse tipobet anorenda. Isso não quer dizer, no entanto, que o dinheiro que entra no bolso do acionista nunca foi tributado.

Sobre o lucro das empresas incide, viabet anoregra, dois tributos: o Impostobet anoRenda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujas alíquotas somam 34%. É uma tributação alta na comparação internacional, mas estudos indicam que, na prática, empresas brasileiras pagam alíquotas menores, devido a incentivos fiscais e regimes especiais para companhias menores.

Maciel argumenta que isentar dividendos e taxar diretamente o lucro das empresas é uma maneira mais eficazbet anoarrecadação. Segundo ele, a mudança foi implementadabet ano1996 porque os empresários adotavam medidas para driblar a cobrança sobre dividendos, fazendo uma distribuição disfarçadabet anolucros, ao pagar contas pessoais com recursos das empresas, por exemplo.

“O fato é que a forçabet anotrabalho da receita era concentrada estritamente para ver distribuição disfarçadabet anolucro”, afirma.

Depois da mudança, ele ressalta, houve um forte aumentobet anoarrecadação sobre o lucro das empresas.

“Temos três maneirasbet anotributar (o lucro): uma só na empresa, outra só na distribuiçãobet anodividendos, e a terceira nos dois. A escolha deve ser feita pela forma que for mais eficiente. Do pontobet anovista da sonegação, é muito mais fácil fazer planejamento tributário fazendo a tributação nessas duas formas (nas empresas e na distribuiçãobet anodividendos), do que fazer só na empresa”, reforça.

Everardo Macielbet anoevento na Câmara dos Deputados

Crédito, Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Legenda da foto, Para ex-secretário da Receita Everardo Maciel, taxar dividendos é ineficiente

Como evitar que ricos driblem impostos?

Economista do Ipea (Institutobet anoPesquisa Econômica Aplicada) especializadobet anotributação e finanças públicas, Sérgio Gobetti considera fundamental a tributaçãobet anolucros e dividendos como instrumentobet anodistribuiçãobet anorenda, ainda mais num país tão desigual como o Brasil.

Ele reconhece que há riscobet anoa voltabet anotributaçãobet anodividendos ser acompanhadabet anonovas estratégias dos ricos para driblar o imposto e, por isso, defende que a medida venha acompanhadabet anouma ampla reforma da tributação dos lucrosbet anoempresas no país, para fechar essas brechas.

Hoje, empresas podem ter seus ganhos tributadosbet anodiferentes modalidades, a depender do seu porte ebet anosuas características: no lucro real, no lucro presumido ou por meio do Simples.

Com isso, cada uma paga diferentes alíquotas. No caso do lucro real, o lucro pode ser taxadobet anoaté 34% (IRPJ e CSLL), mas benefícios e isenções costumam reduzir esse patamar.

Já empresas com faturamento anualbet anoaté R$ 4,8 milhões podem entrar no Simples Nacional, com alíquotas progressivas que variambet ano4% a 33% e englobam oito impostos, entre eles o IRPJ.

Para Gobetti, há dois problemas aí: o limitebet anofaturamento para entrar no regime simplificado brasileiro ser alto na comparação internacional; e o fato do Simples incluir não só impostos que incidem sobre a produção das empresas, mas também sobre os lucros.

Nabet anoavaliação, a volta da tributação dos dividendos deveria vir acompanhadabet anouma reforma ampla da taxação das empresas, que elimine as exceções que permitem a empresas pagar pouco sobre seus ganhos. Isso, recorda, não foi feito numa proposta enviada pelo governo Jair Bolsonaro que chegou a ser aprovada na Câmara dos Deputadosbet ano2021 e depois empacou no Senado.

O texto aprovado reduziu as alíquotas e IRPJ e CSLL sobre as empresas, ao mesmo tempo que instituiu uma alíquotabet ano15% sobre lucros e dividendos.

Por outro lado, a Câmara mudou a proposta do governo Bolsonaro para manter isento dessa nova cobrança o dinheiro distribuído a acionistas por empresas do Simples Nacional e companhias do lucro presumido com faturamento até o limitebet anoR$ 4,8 milhões, desde que não se enquadrassembet anorestrições societárias da tributação simplificada.

Para Gobetti, as exceções aprovadas com amplo apoio na Câmara, com votosbet anopartidos da esquerda à centro-direita, beneficiavam, na prática, pequenos empresários e profissionais liberais com renda elevada na comparação com a média da população, como advogados, médicos, economistas.

“Tem que fazer uma coisa bem feita, tem que funcionar. E ela (a taxaçãobet anodividendos) não funciona se tiver a isenção das empresas do Simples. É muita receita que se perde, alémbet anogerar um enorme incentivo para todo mundo ficar dividindo as empresas, para ficar abaixo dos R$ 4,8 milhões (de lucro da empresa). É um escândalo isso”, criticou.

Já defensores da inclusão das exceções, como o então relator da proposta na Câmara e hoje ministro do Turismo, Celso Sabino, alegaram que o foco da volta da taxaçãobet anodividendos seria atingir apenas os super ricos.

“As empresas do Simples Nacional são um dos pilares da nossa economia e da geraçãobet anoempregos. Sensível a essa importância e após receber inúmeras demandas da sociedade, sugeri ao relator @depcelsosabino para que essas empresas permanecessem isentas na taxaçãobet anodividendos”, defendeu também na ocasião o presidente da Câmara, Arthur Lira,bet anouma mensagem no antigo Twitter.

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Herança e jatinhos também estão na mira

Outros benefícios que aliviam o bolso dos mais ricos estãobet anodebate no Congresso.

A reforma tributária — uma propostabet anoemenda constitucional (PEC) —aprovada no primeiro semestre na Câmara, que agora tramita no Senado, aprovou a cobrançabet anoIPVA sobre jatinhos e embarcaçõesbet anoluxo, itens que hoje são isentos desse tributo, amplamente cobrado sobre veículos terrestres, como motos e carros.

Um estudobet ano2020 do Sindifisco estimou que essa nova tributação poderia arrecadar R$ 4,7 bilhões por ano, aumentobet anoquase 10% na arrecadação do IPVA.

No entanto, segundo outra entidade, a Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), o texto aprovado na Câmara deixa espaço para contribuintes ricos sonegarem esse imposto.

Como a proposta enviada ao Senado isenta alguns veículos do novo imposto, como aviõesbet anotransporte e barcos voltados à pesca artesanal ebet anosubsistência, a Unafisco vê a possibilidadebet anoproprietáriosbet anojatinhos ou embarcaçõesbet anolazer enquadrarem indevidamente seus veículos nas exceções para fugir do IPVA.

Embora a reforma tributária que tramita no Congresso foque principalmentebet anotributos sobre produção e consumo, o texto aprovado na Câmara incluiu também algumas mudanças na taxaçãobet anoherança que podem dificultar estratégias hoje usadas pelos mais ricos para não pagar o imposto ou pagar alíquotas menores.

O que pode mudar na taxaçãobet anoheranças?

O imposto sobre herança (ITCMD) é estadual e hoje tem alíquota máximabet ano8%, um patamar considerado baixo na comparação internacional. Cada estado pode estabelecer a formabet anocobrança — se cobra uma taxa fixa ou progressiva (mais alta quanto maior o valor herdado).

Segundo um levantamento do Ipea, as alíquotas máximas variambet ano2% (AM), 4% (RO, AC, RR, AP, AL, ES, SP e PR), 5% (MG), 6% (PA, PI, RN, RS, MS e DF), 7% (MA e SC), e 8% nos demais estados.

Hoje, porém, famílias podem abrir o inventário — processo para a transmissão da herança —bet anoum estado diferente do local da morte, buscando assim onde há alíquotas menores. Isso beneficia, sobretudo, quando a herança envolve bens móveis (recursos financeiros ou quotasbet anoempresas, por exemplo), já que no casobet anoimóveis a cobrança é sempre feita no estado onde ele está localizado.

O texto da reforma tributária aprovado na Câmara, aindabet anoanálise no Senado, fecha essa brecha ao estabelecer que o ITCMD sobre bens móveis seja cobrado no estadobet anoque o transmissor da herança faleceu.

Além disso, o texto da reforma também prevê regras provisórias para possibilitar a taxaçãobet anoheranças no exterior enquanto o Congresso não aprova uma lei complementar específica sobre esse tema.

Caso o texto seja aprovado também no Senado, bens do falecido no exterior passariam a ser tributados pelo ITCMD do estadobet anoque ele residia. Já na hipótese do morto morar fora do Brasil, a herança seria taxada pela alíquota estadual do localbet anoresidência dos herdeiros.

O aumento da alíquota máximabet ano8%, porém, não vem sendo discutida no Congresso.

Para o pesquisador do Ipea Pedrobet anoCarvalho Junior, que estuda a tributaçãobet anoheranças, há espaço para elevar o limite do imposto para 20%, implementando uma tributação mais progressiva (taxação maior sobre herançasbet anomaior valor).

Ele defende, porém, que essa medida venha acompanhadabet anooutras regras que dificultem o planejamento sucessório, como as doações feitasbet anovidabet anoforma fracionada, para enquadrar esses repasses dentro dos limitesbet anoisenção, evitando a tributação.

“Acho que há espaço para aumento, que a nossa alíquota máxima está abaixo da média internacional, mas também tem que atingir esses outros problemas, porque se não vai ser inefetivo. Vai acabar (com) os mais ricos conseguindo evadir, como fazem, e a classe média acaba não tendo esses meios”, ressaltou.