Festa Junina: a origem da celebração pagã que virou religiosa e 'caipira' no Brasil:betano novo usuario
E, segundo pesquisadores, são esses dois tiposbetano novo usuariocelebração, depois abraçados pelo catolicismo, que explicam a origem das festas juninas, que no Brasil acabariam sendo reinventadas com um sotaque próprio.
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"As origens são mesmo as antigas festas pagãs das antigas civilizações, ligadas aos ciclos da natureza, às estações do ano. Sociedades antigas realizavam grandes festividades, com durações longas, atébetano novo usuarioum mês, sobretudo nos períodosbetano novo usuarioplantio ebetano novo usuariocolheita", contextualiza o pesquisadorbetano novo usuarioculturas populares Alberto Tsuyoshi Ikeda, professor da Universidadebetano novo usuarioSão Paulo e consultor da cátedra Kaapora: da Diversidade Cultural e Étnica na Sociedade Brasileira, da Universidade Federalbetano novo usuarioSão Paulo (Unifesp).
"A primavera era bastante comemorada, como o reingresso da vida mais dinâmica, o rebrotar da natureza e das atividades depois do período do inverno, semprebetano novo usuariomuita dificuldade, luta pela sobrevivência e recolhimento", comenta ele.
Se nessa época do ano o que se via era a explosão da natureza, a vida social espelhava isso. "Os grupos humanos realizavam grandes festividades dedicadas à própria natureza, muitas vezes rendendo homenagens aos antigos deuses relacionados à natureza, à vida animal, à vida vegetalbetano novo usuarioum modo geral. Eram festas comunitárias com muita alegria, muita alimentação e reuniãobetano novo usuariopessoasbetano novo usuariogrande número: foi o que deu origem às festas juninas que a gente conhece no Brasil ebetano novo usuariooutras partes do mundo."
Autora do livro Festas Juninas: Origens, Tradições e História, a socióloga Lucia Helena Vitalli Rangel, professora na Pontifícia Universidade Católicabetano novo usuarioSão Paulo (PUC-SP), explica que a origem das festas juninas está nos "rituaisbetano novo usuariofertilidade agrícola"betano novo usuariodiversos povos — da Europa, do Oriente Médio e do norte da África.
"Os [mitológicos] casais férteis Afrodite e Adonis, Tamuz e Izta, Isis e Osíris eram homenageados nesses rituais, pois representavam a reprodução humana, numa épocabetano novo usuarioevocação da colheita", afirma.
"Eram rituais para que a colheita fosse farta e para abençoar o próximo período agrícola. Era períodobetano novo usuariocongraçamento,betano novo usuariopartilha e estabelecimentobetano novo usuarioalianças entre as comunidades. Eram rituaisbetano novo usuariofartura e abundânciabetano novo usuariotodos os sentidos, no âmbito alimentar e na relação entre as famílias: casamentos, batizados e compadrio."
"No hemisfério norte o solstíciobetano novo usuarioverão era o auge do período ritual e do trabalho agrícola coroado pela colheita", acrescenta a socióloga.
Vale ressaltar o óbvio, para que não fique um certo estranhamento ao leitor menos atento: no hemisfério norte, origembetano novo usuariotais celebrações, as estações do ano são invertidasbetano novo usuariorelação ao hemisfério sul, onde está o Brasil.
Apropriação cristã
Mas onde então entram os santos nessa história? Na festa junina contemporânea, estão presentes algumas das figuras mais populares do catolicismo — e isso acabou impregnadobetano novo usuariotal forma na celebração que a religiosidade se misturou ao folclore e às tradições populares, transcendendo os ritos normatizados pela Igreja Católica.
O primeiro dos santos juninos é Antônio (? - 1231), frade franciscanobetano novo usuarioorigem portuguesa que ficou conhecido pelo que fez na Itália no início do século 13. Com famabetano novo usuariomilagreiro, foi canonizado pela Igreja onze meses depoisbetano novo usuariosua morte — trata-sebetano novo usuarioum recorde até hoje não superado na história do catolicismo.
No imaginário popular, Antônio se tornou o bonachão santo das coisas perdidas, sobretudo nos países europeus, e o casamenteiro, principalmentebetano novo usuarioPortugal e no Brasil. Simpatias, promessas e orações específicas marcam a devoção a ele. Ebetano novo usuariopresença nos festejos juninos geralmente está ligada a essas tradições — a Igreja fixou o 13betano novo usuariojunho, data da morte dele, como dia consagrado ao santo.
Em 24betano novo usuariojunho, o catolicismo celebra o nascimentobetano novo usuarioJoão Batista (2 a.C - 28 d.C.). É o santo máximo das comemorações juninas — há versões que apontam que originalmente eram "festas joaninas" e não festas juninas; e, sobretudo no nordeste brasileiro, a Festabetano novo usuarioSão João é um eventobetano novo usuariodimensões impressionantes.
Personagembetano novo usuariohistoricidade controversa, João Batista é apontado como primobetano novo usuarioJesus Cristo e aquele que o batizou.
Em seu livro O Ramobetano novo usuarioOuro, o antropólogo escocês James Frazer (1854-1941) diz que ocorreu um processo histórico "de acomodação", deslocando para a figurabetano novo usuarioSão João Batista a comemoração do solstíciobetano novo usuarioverão.
Por fim, o mêsbetano novo usuariojunho ainda tem a data do martíriobetano novo usuarioSão Pedro (? - 67 d.C) e São Paulo (5 d.C. - 67 d.C.), dois dos pioneiros do cristianismo. Pedro foi um dos 12 apóstolosbetano novo usuarioJesus e acabou depois considerado o primeiro papa do catolicismo.
Paulobetano novo usuarioTarso, porbetano novo usuariovez, é reputado como um dos mais influentes teólogos da história. Parte significativa dos textos que compõem o Novo Testamento da Bíblia é atribuída àbetano novo usuariopena. É dele, portanto, a autoriabetano novo usuarioparcela considerável da ressignificaçãobetano novo usuarioJesus Cristo apósbetano novo usuariomorte na cruz —betano novo usuariooutras palavras, é possível dizer que Paulo é responsável pela transformaçãobetano novo usuarioJesusbetano novo usuarioum mito.
Uma observação necessária: apesarbetano novo usuarioa Igreja celebrarbetano novo usuarioconjunto a memória do martíriobetano novo usuarioPedro ebetano novo usuarioPaulo, por tradição este último nem sempre é associado aos festejos juninos.
À medida que o catolicismo foi se transformandobetano novo usuarioreligião do status quo, sobretudo a partir da cristianização do Império Romano, no anobetano novo usuario380 d.C., diversos rituais tratados como pagãos acabaram sendo abraçados e apropriados pela Igreja. "A Igreja Católica não pôde desmanchar essas práticas", reconhece Rangel.
Com os rituaisbetano novo usuarioprimavera e verão, não foi diferente. "Várias dessas festividades foram adaptadas", conclui Alberto Ikeda, da USP. "Aos poucos passaram a ser tratadas como festasbetano novo usuariohonra aos santos juninos."
"Mas é importante notar que mesmo dentro do ciclo cristão, esses santos estão ligados tematicamente com aquelas mesmas ideias, os mesmos princípios das festividades [dessa época do ano] das antigas civilizações", pontua o pesquisador.
Santo Antônio, por exemplo, é o casamenteiro —betano novo usuariouma leitura lato sensu, poderia ser encarado como o santo da família, da unidade familiar, da reprodução humana. "São João também está ligado, sobretudo nos interiores do Brasil, a essa questão dos relacionamentos afetivos. Tradicionalmente, faz-se muito casamento no Diabetano novo usuarioSão João", diz Ikeda.
"Ele também traz a característica da fartura [que remete aos períodosbetano novo usuarioplantio ebetano novo usuariocolheita,betano novo usuariooposição aos rigorosos invernos], dos alimentos, das bebidas, aquilo que chamamos na antropologiabetano novo usuariorepasto ritual ou repasto cerimonial", afirma o pesquisador.
De modo geral, na leitura proposta por ele, todos os santos juninos estão ligados aos ciclos da natureza — fogo, água, fertilidade, abundância. Está aí São Pedro e a ideiabetano novo usuarioque ele é quem controla o tempo. "Vejo uma relação entre eles e os antigos rituais, uma relação ainda presente. Embora a gente não perceba mais, eles têm essa ligação com os elementos fundamentais da existência humana", comenta.
Nas festas populares essas forças da natureza se fazem representadas, muito além da mesa farta. Os mastros juninos que são erguidos representam a potência dos troncos, das árvores que resistem ao inverno. A fogueira é a luz: ilumina, aquece, afugenta animais ferozes, assa os alimentos.
Na releitura contemporânea, portanto, as festas juninas "guardam as reminiscências das ancestrais aglomerações festivas", conforme frisa Ikeda.
Tradição brasileira
Paçoca, pamonha, pipoca, bolobetano novo usuariofubá, canjica, curau, pébetano novo usuariomoleque, maçã do amor. Vinho quente e quentão. Brincadeirasbetano novo usuariopular fogueira e dançar a quadrilha. Chapéubetano novo usuariopalha, camisa xadrez, calça com remendos. Bombinhas e rojões, fogosbetano novo usuarioartifício. Bandeirinhas coloridas penduradasbetano novo usuariovaraisbetano novo usuariobarbante.
No Brasil, as festas juninas foram reinventadas e se tornaram uma exaltação das raízes caipiras. E muito além da religiosidade, tornou-se tradição, folclore. Como se o ciclo se fechasse: o que nasceu como ritual gregário,betano novo usuariocelebração social, e depois foi apropriado por uma religião dominante, acabou na cultura popular sendo devolvido ao sentido original — ou seja, a festa pela alegriabetano novo usuariofestejar.
Não à toa, a folclorista Laura Della Mônica registroubetano novo usuarioseu livro Os Três Santos do Mêsbetano novo usuarioJunho que "respeitar as festas e orações dedicadas a cada um dos três santos do mêsbetano novo usuariojunho, segundo a tradição, é obrigação e deverbetano novo usuariotodos nós, pelo menos culturalmente". O "todos nós" é o brasileiro. Porque mesmo nascida no Velho Mundo, as festas juninas assumiram uma identidade própriabetano novo usuarioterritório nacional.
"A colonização da América colocou novamente a questão [da apropriação cultural] para os jesuítas e todos os religiosos que se instalaram no continente sul-americano", pontua a socióloga Rangel.
"No caso do Brasil, houve uma coincidência do calendário. No inverno seco, o solstíciobetano novo usuarioinverno marca o período dos trabalhos agrícolas mais importantes. Do mesmo modo que, para os povos do hemisfério norte é o períodobetano novo usuariorituaisbetano novo usuariofertilidade, [a festa por aqui também vem] com as mesmas características, congrega as famílias na evocação da abundância."
As tradições regionais guardam suas especificidades, como erabetano novo usuariose esperarbetano novo usuarioum paísbetano novo usuariodimensões continentais. "Sempre foram festas e rituais populares", salienta Rangel.
"No Brasil temos expressões regionais muito fortes: o São João nordestino, o Boi Bumbá da região norte, o Boibetano novo usuarioMamão no sul, Cavalhadas no centro-oeste e as festas do Divino Espírito Santo e muitas regiões, particularmente no estadobetano novo usuarioSão Paulo."
A pesquisadora comenta que "conforme os padres vão chegando nas paróquias, começam a interferir nas comemorações". É quando vem o sincretismo: a festa popular também é festa católica, a quermesse organizada pela igreja também tem os rituais populares.
"Até hoje as paróquias, as igrejas, realizam festas juninas. Mesmo que as maiores festas estejam predominantemente tendo somente o caráter festivo, mais comercial,betano novo usuarioexploração pelo ganho financeiro, as igrejas continuam fazendo comemorações aos santos juninos", pontua Ikeda.
"Embora muitas pessoas não católicas também participem das festas, embora predomine uma visão genérica que as festas juninas não guardam mais relação com a religiosidade, há ainda um relacionamento das igrejas com esses santos juninos."
Para ele, a evolução da festividade consiste no fatobetano novo usuarioque "toda aglomeração possibilita o incentivo ao comércio". "E a alimentação está neste centro, na busca mesmo do repasto cerimonial e festividades, danças e músicas que sempre estiveram ligados aos antigos rituais."
Ikeda lembra que a as festas populares têm uma importância antropológica por serem "práticas gregárias que ciclicamente comemoram a própria constituição, a própria existência das comunidades enquanto coletividade, a reuniãobetano novo usuariogrupos humanos que preservam uma história comum".
"No caso da feste junina, esse vestir-sebetano novo usuariocaipira, simbolicamente, é um instrumentobetano novo usuarioimportância até emocional e psicológico para as pessoas se sentirem com a identidade ligada ao passado, aos pais e avós que praticavam aquilo, comemorandobetano novo usuarioforma parecida", analisa o pesquisador.
"Assim, a prática possibilita a guardabetano novo usuariouma continuidade ao longo do tempo."
Suspensão sanitária
Nunca é demais enfatizar: com a pandemiabetano novo usuariocovid-19 ainda forabetano novo usuariocontrole, seria uma péssima ideia realizar qualquer tipobetano novo usuariofesta neste período — se quer comemorar, façabetano novo usuariocasa somente com seu núcleo familiar.
Então, 2021 será o segundo ano consecutivobetano novo usuarioque o Brasil não terá, ao menosbetano novo usuariomodo ostensivo, a tradição das festividades com bandeirinhas coloridas. Doutorabetano novo usuarioHistória das Ciências da Saúde e autora do livro A Gripe Espanhola na Bahia, a historiadora Christiane Maria Cruzbetano novo usuarioSouza afirma que esse cancelamento não ocorreu nem na epidemiabetano novo usuario100 anos atrás.
Isto porque a gripe chegou ao Brasil bem depois dos festejosbetano novo usuario1918. E, no ano seguinte, a epidemia estava controlada. "A gripe espanhola não teve nenhuma interferência no São João. Os primeiros registros da doença aparecerambetano novo usuariosetembrobetano novo usuario1918 e a doença foi se extinguindo aos poucos. Em Salvador, ele não avançou para o anobetano novo usuario1919. Houve alguns surtos,betano novo usuariolugares mais remotos, até 1920, mas sem caráter epidêmico."
Ébetano novo usuariose supor, inclusive, que as festividadesbetano novo usuario1919 tenham sido ainda mais animadas. "Passada a epidemiabetano novo usuariogripe espanhola, tudo o que as pessoas queriam eram esquecê-la", afirma Souza.
Em 20betano novo usuariojunhobetano novo usuario1919, entretanto, surgiram os primeiros registros indicando uma epidemiabetano novo usuariovaríola na capital da Bahia.
"Começaram a aparecer um caso aqui, outro ali, mas ainda sem a força suficiente para poucos dias depois interditar os festejosbetano novo usuarioSão João", nota a pesquisadora.
"As autoridades sanitárias demoraram muito para reconhecer que ocorria uma epidemia terrívelbetano novo usuariovaríola. Autoridades públicas só costumam reconhecer a existênciabetano novo usuariouma epidemia quando se torna inevitável devido ao acúmulobetano novo usuarioadoecimentos e mortes, quando o númerobetano novo usuariodoentes e mortos ultrapassa a normalidade esperada para os casos da doença. Isso demora um tempo."
Rangel ressalta, inclusive, que até a primeira metade do século 20, as festas juninas eram muito menores, restritas a familiares e pequenos grupos comunitários. Muito menos do que os eventosbetano novo usuariohojebetano novo usuariodia. "Eram festasbetano novo usuarioarraial,betano novo usuarioquintais,betano novo usuarioquermesses", diz.
"Elas só se transformarambetano novo usuariograndes espetáculos na segunda metade do século 20, na esteira da espetacularização do carnaval."