O que são evangelhos apócrifos, textos que já foram condenados pela Igreja:

Crédito, Domínio Público

Legenda da foto, O beijoJudas, momentoque ele teria traído Jesus,pinturaGiotto, do início do século 14

E a própria relação da Igreja Católica com esses textos também mudou: se no inícioleitura era malvista, tida até mesmo como uma postura herética, hoje se entende que esses textos enriquecem a experiência da fé — e se não são considerados “a verdade”, ao menos contêm elementos preciosos sobre a vida daqueles primeiros cristãos, os que se ocupavamassentar as ideias e históriasJesus nas comunidades que passaram a seguir essa então nova religião.

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“Os evangelhos apócrifos e quase toda a literatura apócrifa do Segundo Testamento [o Novo Testamento] exerceram fascínio e despertaram curiosidade nos cristãos, desde aorigem, com a visão alternativa dos grupos opositores ao cristianismo apostólico que, aos poucos, ia se tornando hegemônico”, comenta à BBC News Brasil o frade franciscano JacirFreitas Faria, membro da Associação BrasileiraPesquisa Bíblica (Abib), e autorseis livros sobre os apócrifos.

Faria estudou o temaseu doutorado, realizado na Faculdade JesuítaFilosofia e TeologiaBelo Horizonte, e mantém um canal no YouTube sobre o assunto.

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Segundo ele, o cristianismo popular devocional nos primeiros séculos “bebeu da vasta fonte apócrifa complementar aos textos canônicos”.

“A influência dos apócrifos do Segundo Testamento foi, e continua sendo, objetoestudomuitos pesquisadores, os quais procuram entender os motivos da rejeição e da aceitação desses escritos ao longo da história do cristianismo”, acrescenta.

A própria terminologia já é carregadajuízovalor. “Apócrifo” vem do grego e significa “coisas escondidas”.

“A importância dos apócrifos dependeucondicionamentos históricos na vida da Igreja e do modo como ela entendeu a literatura apócrifa”, diz Faria.

Para o teólogo e cientista da religião Marcelo da Silva Carneiro, pesquisador do cristianismo primitivo e professor na Universidade MetodistaSão Paulo (Umesp), é preciso situar os apócrifos como “material elaborado a partir da cultura popular cristã primitiva, que registra elementos não comentados ou registrados nos textos que depois foram canonizados”.

“A não aceitação [pela Igreja] está ligada a questões como a origem do documento não estar ligada a um apóstolo, ou serorigemgrupos rivais dos ‘pais da Igreja’, ou por transmitir ideias que foram percebidas como desviantes daquelas que foram colocadas nos textos canonizados”, explica Carneiro, à BBC News Brasil.

Quando o bispo EusébioCesareia (265-339) resolveu fazer aquela que é considerada a primeira tentativaorganização dos textos cristãos que circulavam, ele classificou alguns como canônicos, inspirados, e opôs a eles os que considerou heréticos ou apócrifos — entendendo-os como “não confiáveis para a Igreja”, nas palavrasFaria.

“O substantivo apócrifo tornou-se sinônimomentiroso”, contextualiza o frade franciscano.

“O grande público e a maioria dos cristãos não conhecem o conteúdo desses textos pelo fatoa Igreja ter ensinado que eles fazem parte da literatura que se opôs ao cristianismo que se tornou hegemônico, sendo escritos após os textos canônicos. Tudo isso levou os cristãos a olharem os apócrifos com preconceito, sustentando a premissaque são falsos, heréticos, fantasiosos e, portanto, não são critérios para a fundamentação do Jesus histórico”, acrescenta.

Na introdução do livro Evangelhos Apócrifos - Gregos e Latinos, uma edição traduzida e comentada pelo professor Frederico Lourenço, da UniversidadeCoimbra, ele questiona por que “o termo ‘apócrifo’ evoca,imediato, os sentidos pejorativos‘falso’ e‘herético’?”.

Lourenço prossegue afirmando que,certo, é “porque se projetou nele um juízovalor acercatextos cristãos não canônicos, tidos como falsificações atentatórias da ortodoxia”.

Professor na Universidade Federal do RioJaneiro (UFRJ) e pesquisador do cristianismo primitivo, o historiador André Leonardo Chevitarese defende que é melhor evitar usar o termo apócrifo “porque,alguma forma, isso é uma maneirajogar uma sombra sobre as boas-novas que não entraram no corpus do Novo Testamento e, ao mesmo tempo, lançar luz sobre aqueles quatro evangelhos que fazem parte do Novo Testamento”.

“Tudo é literatura antiga cristã, então [nesse contexto] não existe apócrifo, não existe texto canônico. O que existe são literaturas produzidas por autores cristãos”, argumenta ele, à BBC News Brasil.

“Esses evangelhos que não entraram no corpus do Novo Testamento falam sobre experiências reais e concretas,como ao menos o autor do texto via e experimentava o que era o cristianismo. Esse é o ponto central”, diz ele.

“O corpus [ou seja, os livros canônicos, que acabaram eternizados pela Bíblia] não foi algo natural. Foi uma criação das elites cristãs no final do século 4º, início do 5º, e dali por diante”, afirma Chevitarese.

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Legenda da foto, Pintura do século 19,Carl Heinrich Bloch, ilustra a ressurreiçãoJesus ao ladodois anjos

Quantidade é incerta — e mais podem ser descobertos

Ainda hoje fragmentostextos considerados apócrifos acabam sendo descobertos por arqueólogosescavações ou mesmo historiadores que se dedicam a decifrar textos antigos arquivadosbibliotecas pelo mundo. E, claro, uma infinidadeobras deve ter sido escrita e seus registros se perdido completamente, sem que chegassem aos tempos atuais.

“Há uma lista muito extensalivros apócrifos. Centenas, dependendocomo se os conta”, comenta à BBC News Brasil o teólogo, filósofo e jornalista Domingos Zamagna, professor na Pontifícia UniversidadeSão Paulo (PUC-SP) e na Faculdade São Bento.

“Chegaram até nós nos idiomas latim, grego siríaco, copta, armênio, georgiano, paleoeslavo e etiópico antigo”, diz ele.

Zamagna conta que “há manuais que elencam 113 livros apócrifos, 52 do Antigo Testamento e 61 do Novo, certamente serão encontrados ainda outros”.

“Ao longomaismil anos [do século 2 a.C ao século 10 d.C], muitos livros considerados apócrifos foram escritos, sobretudo nos três primeiros séculos do cristianismo”, contextualiza o religioso Faria.

“A lista dos livros apócrifos é grande. Sãotorno52 livros que dizem respeito ao Primeiro Testamento [o Antigo Testamento] e 128 ao Segundo Testamento, totalizando 180, computando livros e fragmentos encontrados.”

O especialista pontua que mais30 deles foram escritos nos 2 primeiros séculosnossa era.

“Na minha próxima obra sobre o tema, estarão traduzidos a maioria deles”, conta. — a previsão éque o livro saiaagosto deste ano.

Dentre esses textos, o cientista da religião Carneiro lembra que ao menos 15 são evangelhos — ou seja, narrativas que procuram compreenderJesus.

“Apenas alguns foram preservadosforma completa, como o EvangelhoTomé. Muitos outros tiveram o manuscrito corrompido ou foram encontrados apenas fragmentos, como é o caso do Evangelho Sobre a InfânciaJesus”, acrescenta.

Lacunas preenchidas

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Legenda da foto, Maria Madalena e Jesus,obraCiro Ferri, do século 18

Lourenço escreve que parte dos evangelhos apócrifos dedicou-se à alegada “revelaçãoditos que Jesus teria proferidocontexto privado, tendo como únicos ouvintes os 12 apóstolos e Maria Madalena”.

Outros buscaram “dar resposta à curiosidade dos cristãos sobre a biografiaJesus”, incluindo aíinfância e adolescência — períodos não contemplados por Marcos e João e pouquíssimo abordados por Lucas e Mateus.

“A descoberta dos livros apócrifos é um mundo novo que se abre para muitos judeus e cristãos. Adentrar nessa literatura não é fácil”, pontua Faria.

“Os apócrifos do Primeiro Testamento procuraram discutir questões judaicas como a predestinação, o destino dos pagãos, a salvação e o juízoDeusrelação ao ser humano”, diz ele.

Como os evangelhos canônicos negligenciaram muitos aspectos da biografiaJesus, há textos apócrifos que procuram suprir as lacunas, com tais informações tendo sido possivelmente inventadas no segundo século.

Pesquisador associado da Hagiography Society, nos Estados Unidos, o estudiosotextos antigos Thiago Maerki destaca à BBC News Brasil que “alguns elementosque a Igreja acredita atualmente surgiram da leituratextos apócrifos”. Exemplos são o dogma da virgindadeMaria e a narrativasua assunção aos céus.

“A Igreja não pode ignorar. São textos antigos que remontam uma tradição antiga da Igreja. São registroscrenças e tradições daqueles cristãos do início do cristianismo, que muitas vezes estavam à parte do ensinamento oficial”, comenta ele.

Outra história cujos detalhes só aparecemtexto apócrifo é aJosé, o carpinteiro que teria sido o pai humanoJesus. “Há um evangelho que conta o que teria acontecido com ele e como havia sido o relacionamento entre os dois”, descreve à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson LeiteMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“Parece-me que a preocupação desses evangelhos era cobrir pontos obscuros da vidaJesus”, pontua o professor.

“A análise interna do material não canônico […] pode evidenciardependência das tradições conhecidas como canônicas,relação às quais tende a explicar, a seu modo, o que nas narrações sobre Jesus não ficava claro, o que a nível popular parecesse pouco claro”, comenta à BBC News Brasil o padre barnabita Giovanni Rizzi, professor emérito da Pontifícia Universidade Urbaniana,Roma.

“Provavelmente se trataelaborações lendárias, sem real fundamento histórico, mas com a intençãoresponder a necessidades populares concretas”, diz ele.

Um exemplo é como o episódio da ressurreiçãoJesus é narrado no EvangelhoPedro.

“Enquanto nos textos canônicos nunca se descreve o momento da ressurreiçãoJesus no seu sepulcro, neste não canônico se fala do terremoto, do estupor dos guardas eJesus que sai ressuscitado ao ladodois anjos, com o estandarte da cruz”, comenta o padre Rizzi.

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Legenda da foto, Santa Ana, com Maria no colo,ícone grego feito por Angelos Akotandos no século 15

“A iconografia acolhidanossas igrejas recorre facilmente a essas imagens não canônicas para dizer algo sobre o momento da ressurreição”, pontua Rizzi. “Representações iconográficas da anunciação do anjo a Maria são outras tantas elaborações baseadastextos não canônicos.”

O padre explica que “a elaboração não canônica tenta conciliar dados diferentes das tradições cristãsum único relato imagético”.

Outro ponto interessante é que os evangelhos da Bíblia mencionam “irmãos”Jesus — hoje isso costuma ser interpretado na realidade como “parentes”, como primos, membros do mesmo clã familiar.

“Nos evangelhos não canônicos sobre a infânciaJesus, pensou-seresolver a questão da virgindadeMaria, a mãeJesus, elaborando uma explicaçãoque José, quando se casou com Maria, já era bastante velho e, viúvo, teria vários filhos e filhasum casamento anterior”, acrescenta Rizzi.

E, assim, “mesmo sem aprovação eclesiástica”, como frisa o teólogo Zamagna, os escritos apócrifos sobreviveram — justamente porque trouxeram respostas a questões que passaram a circular entre os primeiros cristãos.

“Serviram para cultivar algumas religiosidades populares e fornecerem algumas informações, como os nomes dos paisMaria, Joaquim e Ana; os pormenores do nascimentoJesus numa gruta, com a presençaum boi e um jumento; o número e os nomes dos magos; o nome do soldado romano que perfurou com a lança o ladoCristo; elementos para a iconografia cristã”, enumera o teólogo.

“Os apócrifos cristãos procuram preencher lacunas sobre a vidaJesus e seus seguidores, sejamforma complementar, aberrante ou alternativarelação aos canônicos, ainda que tenham recebido influênciascristianismos gnósticos”, diz Faria se referindo à doutrina religiosa dos primeiros séculos da Igreja que mistura aspectos do cristianismo com judaísmo e algumas crenças orientais vigentes na região.

Ele classifica os apócrifos do Novo Testamentotrês grupos. Os aberrantes são aqueles que exageram nas descriçõesJesus e seus seguidores. Os complementares trazem informações adicionais aos textos canônicos, “demonstrando que havia outras formaspregação e catequese, sendo que algumas foram compiladas nos apócrifos, outras se mantiveram na oralidade”. E os alternativos, que traziam narrativas não compatíveis com o cristianismo que se tornou status quo.

“Os apócrifos resgatam a face dos cristianismos perdidos ou excluídos, possibilitando-nos o conhecimento dessas correntespensamento condenadas ao ostracismo, nas quais poderiam estar traços do pensamentoJesus que foram aplastados pelo cristianismo que se tornou hegemônico”, destaca Faria.

“Os apócrifos do Novo Testamento revelam a luta desenfreada pelo poder, nos primórdios do cristianismo, entre suas lideranças. Nesse sentido, os apócrifos, sobretudo os gnósticos, evidenciam o papel, a liderança da mulher na era apostólica”, exemplifica ele.

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Legenda da foto, A assunçãoMaria aos céus,obraRubens, do início do século 17

Nesse quesito, Maria Madalena é o melhor exemplo. “Em dois livrosminha autoria sobre o evangelhoMaria Madalena ressalto a importância dela erelação com Pedro, no que se refere ao poderliderança apostólica. Ela não aparece como prostituta nesse evangelho e tampouco nos evangelhos canônicos. No apócrifo ela é mestra e detentora dos ensinamentos do mestre”, salienta.

“As mulheres nesses materiais sempre têm um forte protagonismo, colocadas como líderes e até apóstolas”, complementa Carneiro.

O historiador Chevitarese também destaca a importância da narrativa desse evangelho, como um “bom exemplo acerca das tensões que gravitavamtorno dos papéisliderança nos movimentosJesus sem Jesus ao longo dos três primeiros séculos”.

Outro texto que ele comenta é o o chamado EvangelhoJudas, que dá um significado diferente ao episódio da traição do apóstolo.

“Eles abordam a figuraJudas com Jesus o convencendoque ele precisava agir, precisava matar o corpoJesus para liberaralma, o seu espírito. É uma nova roupagem que mostra que havia, para algumas comunidades, o problemaum discípulo ter traído Jesus”, analisa Chevitarese.

“Os apócrifos poderão eventualmente servir para completar aspectos da cultura, dos mitos, dos alcances e limites das diversas e longas épocasque foi escrita e transmitida a Bíblia”, avalia o teólogo Zamagna.

“O fato desses materiais não terem sido oficialmente canonizados não tirou deles o efeitomanter as tradições ricas. Muitas coisas que os cristãos hoje pensam e creem vêmtextos apócrifos, e não dos canônicos”, afirma Carneiro.

Um exemplo que ele lembra é a afirmaçãoque os apóstolos Paulo e Pedro morreramRoma. “[Isso] só pode ser explicado pelos apócrifos, que registram suas mortes”, destaca.

“Os canônicos nada falam da morte deles. Coisas assim são colocadas à parte, e não se fala nelas”, ressalta.

“Sobre Jesus, o que se fala são consideradas lendas, mas se compararmos com os textos canônicos, quando lidos com frieza e distância, não são muito diferentes. Logo, podem ter origemsituações concretas”, diz Carneiro.

Críticas e controvérsias

“Popularmente falando, apócrifo ou pseudoepígrafo designa um texto não autêntico, porque éorigem suspeita, duvidosa”, ressalta Zamagna.

“O termo tem decididamente um sentido negativo atualmente”, acrescenta.

“A Igreja Católica, há até bem poucas décadas, impedia aos leigos o acesso dos apócrifos. Eu, quando comecei a publicar sobre os apócrifos,2003, tive resistência por partevários bispos”, conta Faria. “Hoje, é mais tranquilo.”

O cientista da religião Carneiro relata que a “Igreja Cristã” — ainda não denominada Católica — quando chegou às esferas do poderRoma, “decidiu proibir toda essa literatura”.

“Muita coisa foi queimada e perdida”, lamenta. “E, claro, os seguidores dessas tendências foram todos declarados hereges,especial nos movimentos onde mulheres tinham mais espaçopoder”, diz ele.

“Em diferentes momentos da história, a Igreja chegou a condenar quem usava esses textos”, afirma à BBC News Brasil o vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centre,Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, tambémRoma.

“A difusão desses textos nunca foi recomendada porque havia um medocriar confusão. Mas agora, recentemente, há uma abertura mais científica a esses textos”, complementa.

O teólogo Moraes lembra que tais narrativas, emmaioria, começaram a circular no século 2.

“Elas vão brotando e se consolidando. Vai haver basicamente quase 400 anos para que a Igreja tenha um mínimounanimidaderelação aos que deveriam ser canônicos e aqueles não aceitos”, contextualiza.

Ao longo da história do cristianismo sempre houve posicionamentos contrários e a favor do uso desses textos.

IreneuLion (130-202), o Santo Irineu, foi um dos primeiros críticos. Segundo Zamagna, ele argumentava que tais livros continham “muitos erros”, intencionalmente “introduzidos para impressionar e confundir os simples”.

Primeiro tradutor dos textos da Bíblia para o latim, o teólogo Euségio Sofrônio Jerônimo (347-420), São Jerônimo, foi uma evidente voz contra tais textos. “Defendeu que pouco se podia usufruir da literatura apócrifa. Para ele, essa literatura era um delírio”, comenta Faria.

Outro santo, o teólogo e filósofo AgostinhoHipona (354-430), tinha opinião diferente. “Ele reconheceu certo valor nos apócrifos”, diz o frade franciscano.

A organização do cânone da Bíblia remonta a essa época, século 4. Foi quando aqueles considerados “pais da Igreja” foram determinando o que era “livro inspirado” e o que não deveria ser adotado como “a verdade”.

O período foidiscussões intensas entre os líderes do cristianismo. “Havia uma agitação entre os membros daquele cristianismo primitivo. O debate fez com que alguns dos primeiros padres da Igreja escrevessem a respeito. Um deles disse que ‘muitos tentaram escrever o Evangelho: a Igreja possui quatro, as seitas antigas possuíam numerosíssimos’”, conta Maerki.

Hoje, o acesso aos apócrifos não é condenado pelo Vaticano. Zamagna lembra, contudo, que “a Igreja não incentivou nem incentiva aleitura fora do âmbito dos estudos especializados”.

“Atualmente, o pensamento da Igreja é que há coisas importantes nesses textos, embora nem tudo o que esteja ali, segundo a Igreja, seja ‘verdadefé’. Hoje, certamente, a Igreja não proíbe esses livros”, avalia Maerki.

Moraes destaca que a literatura apócrifa “ajuda a compreender mais e melhor como o cristianismo se articulavaseu momento inicial”, tendo um “valor inestimável”.

Para o professor Lourenço, a leitura desses “textos marginalizados nos deixa vislumbrar o modo fascinante e diferenciado como as várias geraçõescristãos entenderam e veneraram a figuraJesus”.

“Interpreta-se hoje, na Igreja, que esses textos são documentos históricos, embora o que esteja ali não é entendido como ‘verdade’, já que do pontovista religioso entende-se que os evangelhos canônicos foram ‘revelados por Deus aos autores’. Mas reconhece-se o valor cultural e a necessidadese olhar historicamente.

“A principal relevância desse material é entender a pluralidade do protocristianismo, quando ainda não era uma instituição papal. Isso tem reverberação para os dias atuais”, acrescenta o cientista da religião Carneiro.

Padre Rizzi comenta ainda que estudiosos contemporâneos valorizam tanto a literatura judaica quanto a cristão não canônica.

“Porque tais textos refletem concepções, mesmo que parciais, mas ainda assim interessantes, para se entender o desenvolvimento das várias formasjudaísmo e cristianismo”, destaca.