Investimento baixo dos EUA no Fundo Amazônia dificulta aproximação com Brasil, dizem analistas:
A decisãoretomar o uso do fundo — que esteve congelado ao longo do governo Bolsonaro — foi elogiada por Washington. Mas, apesar da retórica positivaBiden sobre a importância da democracia, a faltacompromissos mais concretosparcerias acabou levando a um afastamento do governo Lula, afirma o cientista político CreomarSouza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria política Dharma.
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O anúncio,fevereiro,um aporteapenas U$ 50 milhões, foi considerado uma decepção pelo Planalto.
“Apesar da narrativa positiva dos EUA sobre a democracia e a preservação da Amazônia, na horaassumir um compromisso financeiro, o valor foi muito baixo, o que gerou descontentamento no Planalto", analisa Souza.
“Os EUA gostariam que o Brasil assumisse uma posição pró-americanauma sérietemas, mas o governo brasileiro precisasinais concretoscooperação — sobretudo financeira — porque precisa da entrada massivarecursos para poder tocaragendavárias áreas”, afirma Souza, apontando que essa cooperação é central especialmente para a agenda ambiental.
O discursoretomada da proteção ao ambiente, com combate ao desmatamento e olhar para as mudanças climáticas, foi um ponto importante na campanha eleitoralLula, que trabalhou para trazer Marina Silva e prometeu a criaçãouma autoridade climática. No entanto, aponta Souza, esse tipopolítica, como qualquer uma que precisafiscalização, demanda muito dinheiro.
“E a partir do momentoque fica claro que os EUA, apesar do discurso, não vão assumir compromissos mais concretos, o governo vai procuraroutro lugar — e o destino óbvio é a China”, afirma Souza. “Lula voltaPequim com 15 acordos que somam US$ 50 bilhões. Não é um resultado ruimum cenário econômico recessivo. O Brasil queria mais, mas conseguiu algo.”
Para Dawisson Belém-Lopes, professorpolítica internacional na UFMG (Universidade FederalMinas Gerais), o governo Lula dá indíciosque vai voltar a ter uma política internacional “pendular” e pragmática, ou seja, se aproximar das potências que oferecem mais acordo e cooperação.
“Apoio garantido”
O Brasil não tem tido um tratamento prioritário pelos Estados Unidos já há alguns anos, afirma Belém-Lopes, e uma explicação possível é a ideiaque o nosso apoio é,certa forma, “garantido”.
“A ideiaque os EUA imaginam que o Brasil já pertence a uma esferainfluência e portanto não valeria a pena mobilizar recursos é algo que faz sentido quando se olha a relação dos EUA com diversos outros países, como por exemplo no norte da África”, diz o pesquisador.
Ele cita o Marrocos e o Egito como exemplos. Como o Marrocos tem um histórico“alinhamento automático” com os EUA, o país é considerado como um apoio garantido.
“No Egito os EUA investem muito mais, botam mais recursos, tomam mais cuidado, o presidente vai ao Cairo, faz discurso”, diz Belém Lopes.
Para o Brasil, o “alinhamento automático” também não rendeu um tratamento cuidadoso e prioritário durante o governo Bolsonaro.
Nos primeiros dois anos do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando Donald Trump estava à frente da presidência americana, o Brasil assumiu uma posturaalinhamento político com a potência sem exigir grandes contrapartidas, aponta Belém-Lopes.
Era uma postura muito menos voltada a uma estratégianegociação internacional e mais focadaagradar a base ideológicaBolsonaro, analisa o cientista político.
A relação mudou quando Joe Biden assumiu a Casa Branca2021, mas nãoforma que rendesse alguma negociação positiva — a postura do governo Bolsonarorelação ao ambiente e os ataques feito pelo presidente às urnas foram fortemente criticados por Washington.
Com a mudança para o governo Lula, aponta CreomarSouza, o governo Biden pode ter feito a leituraque bastava uma retóricaapoio à democracia, ao ambiente erespeito ao resultado das eleições para conseguir posturas internacionais pró-EUA do Brasil.
“Mas Lula assume a presidência com um alto nívelansiedade e tendo assumido muitos compromissos — toda a falareconstruir o país, por exemplo. Se o governo não entregar o que prometeu, especialmente na área econômica, vai enfrentar muitos problemas”, diz Souza. “É essa necessidadeapoio sobretudo financeiro que baliza a estratégia internacional.”
Belém-Lopes afirma que, embora o Brasil tenha historicamente uma duradoura relaçãoproximidade e confiança com os EUA, outros presidentes já flertaram com possibilidadesaproximação com outras potências para conseguir alavancar acordos e concessõesmelhores termos com os americanos.
“Durante o governoJuscelino Kubitschek, auge da Guerra Fria, uma corrente dentro do governo afirmava que o Brasil poderia ser ‘presa fácil’ para os soviéticos se não houvesse maior aporterecursos pelos americanos. O saldo disso foi a criação do BID (Banco Interamericano do Desenvolvimento)”, diz o pesquisador.
Para Belém-Lopes, a faltaprioridade para o Brasil na agendaWashington também pode ter uma explicação mais sistêmica.
“A agenda dos EUA para a América Latina é uma agenda negativa, não uma agenda programática, positiva”, afirma.
“O tema do meio ambiente, por exemplo, entra na chave do ‘é necessário impedir o desmatamento’, esse foi o tomBiden na campanha contra o Trump. Mas além disso, a agenda do país para a América Latina é uma agenda voltada para discutir crimes — imigração ilegal, narcotráfico, fraude”, afirma o pesquisador.
“O Brasil acaba se inserindo no bojo dessa abordagem dos EUA para o hemisfério.”