Quem foi Frei Caneca, o padre revolucionário fuzilado há 200 anos:major bet

A comissão militar, presidida por Franciscomajor betLima e Silva (1785-1853) era investidamajor betpoderes absolutos para julgar aqueles tidos como rebeldes e conferir sentenças sumárias.

"Na repressão, o imperador suspendeu as garantias constitucionais. A comissão militar foi encarregadamajor betjulgarmajor betforma verbal e sumariíssima os cabeças do levante", diz à BBC News Brasil o historiador George Cabral, professor na Universidade Federalmajor betPernambuco.

"Fica muito evidente que d. Pedro 1º tinha pressa eliminar esses líderes,major beteliminar radicalmente as lideranças revolucionárias. A comissão cumpriu apenas o trâmite. Na prática, fica claro que já havia interesse determinadomajor beteliminar os líderes, como se a sentença já estivesse vindo pronta do Rio."

No momento da aplicação da pena capital, que era prevista para ocorrer por enforcamento, Frei Caneca foi despojado das vestes religiosas,major betum simbolismo que indicava que ele deixavamajor betser visto como um padre. Foi excomungado e instalado no cadafalso.

Contudo, um a um, três carrascos incumbidosmajor betenforcá-lo desistiram da atroz empreitada. A comissão militar, então, ordenou o fuzilamento.

Conforme explica à BBC News Brasil o historiador Marcusmajor betCarvalho, também professor na Universidade Federalmajor betPernambuco, havia um entendimento na épocamajor betque "não se matava padre", justamente porque eles eram vistos como "enviadosmajor betDeus".

Frei Caneca acabou sendo transformadomajor betuma espéciemajor bet"Tiradentes do Nordeste", como define à BBC News Brasil o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista.

"Sua obra escrita, biografia e atuação política foram recuperadas posteriormente e realçadasmajor betmomentosmajor betafirmação emajor betmobilização políticamajor betPernambuco e na região Nordeste", diz ele.

"O 'mártir da liberdade' foi idealizado e teve amajor betimagem construída, emajor betforma sistemática, a partir da segunda metade do século 19."

O historiador ressalta que o julgamentomajor betFrei Caneca foi "tipicamentemajor betexceção". "Comissões militares apreciaram as respectivas formasmajor betparticipação, envolvimento e dedicação individual na rebelião.

Ditaram procedimentos e sentenças consideradas excessivas, dado a origem e a vinculaçãomajor betinúmeros rebeldes com as elites sociais e econômicas regionais", contextualiza.

"As dissenções internas entre grupos e interesses específicos não desfrutarammajor bettolerância, conciliação, nem piedade, por parte dos vencedores identificados com a centralização e a autoridade política polarizada e sediada no Riomajor betJaneiro."

Frei Caneca incomodava o governo imperial não somente pela participaçãomajor betmovimentos revolucionários. Ele também fazia sermões com ideais republicanas e, como jornalista, escrevia artigosmajor betque defendia um sistemamajor betgoverno com maior participação popular e autonomias regionais.

Os textos eram publicados tantomajor betseu jornal, o Typhis Pernambucano, comomajor betoutros periódicos com os quais ele se correspondia, ecoando inclusive na corte sediada no Riomajor betJaneiro.

Pobre, erudito e militante

De família humilde, desde criança demonstrava uma inteligência acima da média. Era filhomajor betum tanoeiro português — daí a origemmajor betseu apelido "caneca" — que viviamajor betum povoado no entorno do Recife. Provavelmente ingressou na ordem dos carmelitas para conseguir ter acesso aos estudos. Para isso, teria contado com a influênciamajor betum primomajor betsua mãe, também religioso da mesma congregação.

Entrou para o Conventomajor betNossa Senhor do Carmomajor bet1796, tornou-se frade no ano seguinte e foi ordenado padremajor bet1801, com apenas 22 anos. Como religioso, assumiu o nomemajor betJoaquim do Amor Divino Caneca.

Sua erudição fez com que ele se destacasse. Logo seria professormajor betretórica, geometria e filosofiamajor betseu convento.

"Caneca deve à Igreja, à ordem carmelita, a oportunidademajor betvidamajor betpoder ter estudado e ter tido acesso ao conhecimento que ele teve. Com exceçãomajor betuma curta viagem a Alagoas, ele nunca havia saídomajor betPernambuco. Todo o conhecimento que ele absorveu o fezmajor betbibliotecas locais, sobretudo vinculadas à igreja", pontua Cabral.

Tornou-se maçom e passou a compartilhar com seus companheiros ideais liberais e republicanas, influenciado pelos ecos da Revolução Francesa (de 1789) e pelo movimento que tornou os Estados Unidos uma nação independente,major bet1776. O modelo americano,major betuma republica federalista, parecia-lhe o ideal.

Em 1817, Frei Caneca foi um dos participantes mais ativos da chamada Revolução Pernambucana, que proclamou uma república e criou um governo independente na região. Segundo o historiador Evaldo Cabralmajor betMello conta no seu livro A Outra Independência: Pernambuco, 1817-1824, ele não foi um militantemajor betprimeira hora — não há registrosmajor betsua atuação nos primeiros acontecimentos do movimento.

"Sua presença só se detecta nas últimas semanasmajor betexistência do regime, ao acompanhar o exército republicano que marchava para o sul da província a enfrentar as tropas do conde dos Arcos, ocasiãomajor betque, segundo a acusação, teria exercidomajor betcapitãomajor betguerrilhas", escreve o historiador.

Caneca era visto como conselheiro do grupo republicano, alémmajor betprestar assistência espiritual aos combatentes.

Derrotado o movimento, o religioso foi preso e enviado para Salvador. Segundo relatos da época, quando acabou detido, estava descalço e vestia uma batina rasgada e muito suja. Nos quatro anosmajor betque cumpriu pena escreveu, no cárcere, uma gramática da língua portuguesa.

Republicano mesmo?

"Inegavelmente a autonomia regional foi o principal valor político manifestadomajor betseu engajamento nos disputas e nos embates durante a conjuntura que resultou na emancipação do Brasil. Amajor betexecução não permitiu que houvesse expressão e revisão das ideias que tinham animado amajor betação política", comenta Martinez.

Há uma discussão se Frei Caneca era essencialmente republicano ou não. O historiador George Cabral explica que a raiz desta controvérsia está no fatomajor betquemajor bet8major betdezembromajor bet1822, três meses após d. Pedro 1º ter proclamado a independência, ele fez um sermão saudando o imperador recém-coroado.

"No entanto, ele já havia participado da Revoluçãomajor bet1817, que foi republicana, ficado 8 anos preso", ressalta Cabral. "E depois dos problemas com a assembleia constituintemajor bet1823 ele voltou a se posicionar contra a monarquia."

Para Cabral, é importante lembrar que naquele momento histórico "era conveniente e sensato", nas publicações e manifestos, não empregar "abertamente a palavra república", para não ser enquadradomajor bet"crimemajor betlesa majestade". "Percebemos uma relutância,major betgeral,major betfixar por escrito o termo […], e isso pode justificar o Caneca não ter usadomajor betforma mais explícitamajor betseus textos", analisa.

"O modelomajor betnação que ele propõe é um modelo no qual o cidadão temmajor better uma participação ativa, sendo conclamado a participar da vida política. É essencialmente um regime republicano, com espaço para a participação pública", comenta o historiador. "Então, mesmo que não se declarando abertamente republicano, namajor betbasemajor betpensamento ele defende, sim, a república […] sobretudo olhando o modelo norte-americano."

"Ele tanto dialogava bastante com as ideias republicanas quanto também com o desejomajor betPernambucomajor better uma independência", diz à BBC News Brasil o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor na Fundação Escolamajor betSociologia e Políticamajor betSão Paulo.

Carvalho afirma que "não tem nenhuma dúvida"major betque Frei Caneca fosse republicano. "Mas eram republicanos que aceitariam uma monarquia constitucional", ressalva. Por isso o estopim teria sido a dissolução da assembleia e a imposição da constituiçãomajor betd. Pedro.

Para entender isto é preciso voltar ao fio da história.

Ecosmajor betPortugal

O movimentomajor bet1817 havia sido esmagado pelas tropas governamentais, mas não as ideias republicanas que pipocavammajor betdiversas partes da então América portuguesa. Frei Caneca foi soltomajor bet1821, voltou ao Recife e logo encontrou espaço para retomarmajor betmilitância política.

O contexto era outro. A Revolta Liberal do Porto,major bet1820, que defendia transformar Portugalmajor betuma monarquia constitucional ecoava do outro lado do Atlântico. Caneca e seus companheiros viam espaço para que suas ideias finalmente pudessem ser colocadasmajor betprática.

Neste momento, o caminho que parecia natural seria uma adesão às cortesmajor betLisboa,major betum xeque-mate emancipacionista frente à corte sediada no Rio. Era uma maneiramajor betseguir atrelado a Portugal, contudo driblando a regência do então príncipe d. Pedro.

Pernambuco teve então duas juntas governativas no período. Até que,major bet1823, com o Brasil já território proclamado independente e sob um governo imperial, foi criada a Confederação do Equador.

Frei Caneca demonstrava indignação com o fatomajor betque "o Senado do Rio" ser "a bússola do Brasil", servindomajor bet"guia a todas as demais províncias". Queria autonomia, buscando um modelo similar ao federalismo norte-americano.

Em 2major betjulhomajor bet1824 declararam criada a Confederação do Equador, um projetomajor betnação autônoma formada pelas então provínciasmajor betPernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí, Paraíba, Alagoas e Sergipe. Não deu certo. Alémmajor betPernambuco, apenas alguns povoados cearenses e paraibanos foram convencidos a integrar o plano.

Em seu livro, Mello ressalta quemajor betnenhum momento a Confederação do Equador cravou ser republicana. Ele destaca que o movimento não pretendia "fazer uma revolução", tampouco "destruir a monarquia constitucional".

Era, na verdade, baseado na oposição ao projetomajor betd. Pedro 1º — principalmente depois que o mesmo,major betnovembromajor bet1823, dissolveu a assembleia constituinte para impormajor betprópria Carta Magna, conhecida como Constituição Outorgada.

Imprensa

A essa altura, as ideiasmajor betFrei Caneca já eram conhecidas pela elite intelectual e política do país. De dezembromajor bet1823 a agostomajor bet1824 ele editou um periódico, do qual foi fundador, chamado Typhis Pernambucano. Era uma publicação engajada, que se prestava a fazer crítica política e a defender a liberdade constitucional.

"Ele soube utilizarmajor betmodo muito intenso a imprensa, publicandomajor betmuitos periódicos, não sómajor betseu jornalmajor betPernambuco mas também na corte, que reproduzia os textos saídos aqui. Havia um intercâmbio grande nesse momento", diz Cabral.

"Por isso as ideiasmajor betCaneca repercutirammajor betoutras parte do Brasil. E foi exatamente essa repercussão que despertou um furor, um ódio, uma antipatia muito grande do imperador contra ele. Ficou evidente que ele era uma das pessoas mais visadas para a repressão", acrescenta.

Seu conteúdo acabou reeditadomajor bet1972, quando a Assembleia Legislativamajor betPernambuco publicou o conjunto facsimilar sob o títulomajor betObras Políticas e Literárias. Doze anos mais tarde, o Senado Federal também reeditoumajor betlivro o conteúdo do Typhis.

Além da imprensa, Frei Caneca também tinha o púlpito da igreja a seu favor. "Ele teve uma vida eclesial ativa. Fica evidenciado que ele andavamajor bethábito, inclusive, o tempo todo com seu hábitomajor betcarmelita. Somente no momento da luta ele deixoumajor betusar o hábito e passou a usar o que os documentos descrevem como jaquetamajor betguerrilha", diz Cabral. "Mas essa vida eclesial também se reflete no fatomajor betque ele fez sermões, pregou nas igrejas, escreveu textosmajor betcunho religioso…"

"Mas ele mesmo disse quemajor betatuação extrapolava os muros do convento", lembra Ramirez.

Cabral comenta que Frei Caneca soube combinar "duas dimensões da vida", amajor betpadre e amajor betmilitante, como também amalgamou "teoria e prática revolucionária". "Ele lutou com a pena e com o fuzil", afirma o historiador.

Repressão

A repressão à Confederação do Equador foi violenta porque o governo imperial temia que fagulhas separatistas se tornassem praxe incendiassem todo o território. Com dinheiro emprestado da Inglaterra, uma tropamajor betmercenários foi contratada para acabar com o projeto autonomista.

O grupo inicial,major bet1,2 mil combatentes, acabou ganhando reforço no caminho do Rio até o Nordeste, chegando a contar com 3,5 mil homens. Houve cerco e ataques ao Recife. Segundo historiadores, a repressão à Confederação do Equador foi a mais rigorosa dentre todas as que buscaram conter motins e revoltas no período imperial brasileiro.

Frei Caneca e outros 30 foram condenados à morte, mas nove conseguiram fugir. Maismajor bet100 outros foram presos. Não há consenso sobre quantos acabaram mortos nos combates.

Para Martinez, a própria rapidez com que Caneca foi julgado e executado deixou uma lacuna: o próprio não teve a oportunidademajor betexplicar o movimento do qual havia sido um dos líderes.

"Ao contrário do que aconteceumajor bet1817, a repressão aos líderesmajor bet1824 foi sem prisão e sem anistia. A condenação à morte e a execução sumária impediram que a experiência política daquele movimento fosse avaliada e explicada pelos próprios protagonistas", avalia.