Dia Internacional da Mulher: as mulheres que derrotaram soldados holandesesfriday cassinoPernambuco com água fervente e pimenta:friday cassino
Em buscafriday cassinocomida, holandeses tentavam saquear a então vilafriday cassinoSão Lourençofriday cassinoTejucupapo e escolheram o momentofriday cassinoque haveria poucos homens no local. Não esperavam que as mulheres estivessem organizadas e prontas para a luta.
Em 1648, essa participação feminina já tinha registro na História. No livro O Valeroso Lucideno, o frei português Manuel Calado, que presenciou os conflitos envolvendo Portugal e Holanda no Nordeste brasileiro, descrevia as tentativasfriday cassinoinvadir Tejucupapo e as mulheres que brigaram ao lado dos homens que permaneceram na vila.
Nos séculos que se seguiram, pouco foi registradofriday cassinopapel sobre o episódio. Mas,friday cassinoTejucupapo, a história continuou sendo contada, principalmente por meio da tradição oral das mulheres que se sentem herdeiras naturais daquelas guerreiras.
"Muito além do registro nos livros históricos, que foram escritos por homens e sobre homens, essa história tem uma força simbólica muito poderosa naquela comunidade. Estamos falandofriday cassinouma históriafriday cassino1646 que perpassou esse tempo todo ali, contada pelas mulheres, e reafirma que aquelas heroínas existiram e lutaram", explica Luciana Lyra, dramaturga, atriz e pesquisadora que desenvolveu afriday cassinotesefriday cassinodoutorado na Universidade Estadualfriday cassinoCampinas (Unicamp) sobre o tema.
Maisfriday cassino370 anos depois, a batalha segue viva no dia a diafriday cassinoTejucupapo. Todos os anos, as mulheres — entre pescadoras, marisqueiras, professoras, aposentadas e donasfriday cassinocasa — se organizam no último domingofriday cassinoabril e lutam para "defender" a terra numa encenação que chega a reunir 10 mil pessoas, segundo estimativas da associação das heroínas.
"O ano todo a gente espera por esse momento mais emocionante, que é o da luta", conta Dayse Alves,friday cassino54 anos, auxiliarfriday cassinocozinha que interpreta Maria Camarão, uma das protagonistas do feito histórico.
As heroínasfriday cassinoontem
Em 1646, fazia 16 anos que a Holanda conquistara parte do território do Nordeste brasileiro, uma região que ia do Estadofriday cassinoSergipe até o Maranhão. Após anosfriday cassinodesenvolvimento urbano das cidades e da boa relação entre senhoresfriday cassinoengenho com o então administrador da "Nova Holanda", o conde Mauríciofriday cassinoNassau, os negócios começaram a desandar.
A cobrançafriday cassinoaltos impostos pela Companhia da Índias Ocidentais, que administrava a colônia, e o fim do governofriday cassinoNassau, convocadofriday cassinovolta à Holanda pela empresa, levaram portugueses e pernambucanos a agirem.
Um ano antes do conflitofriday cassinoTejucupapo,friday cassino1645, havia começado a tomar corpo a Insurreição Pernambucana, um movimento que culminou com a expulsão total dos holandeses do território nove anos mais tarde na Batalha dos Guararapes.
"Apesar da tendência à glamourização do período holandês, foi uma época marcada por fome e violência. Ataques como ofriday cassinoTejucupapo, para buscar comida, eram comuns. Por isso, no sentido bélico, o conflito ali não foi tão relevante num sentido geral da luta contra os holandeses, mas com certeza podemos dizer que abalou a moral das tropas, derrotadas por mulheres, e que tem impacto simbólico até hoje", opina George Cabral, professorfriday cassinohistória na Universidade Federalfriday cassinoPernambuco (UFPE).
No livro História da Guerrafriday cassinoPernambuco, o cronista português da época Diogo Lopesfriday cassinoSantiago relata que os holandeses estavam "morrendofriday cassinofome" no Recife e na Ilhafriday cassinoItamaracá e, por isso, resolveram ir ao povoado, atrásfriday cassinomandioca, farinha e frutas.
Os registros históricos apontam que houve três tentativasfriday cassinoinvasão a Tejucupapo.
Há divergências quanto à participaçãofriday cassinohomens no conflito. Como se tratafriday cassinoum povoado essencialmente pesqueiro, a história contadafriday cassinoTejucupapo é que era domingo, e os homens estavam fora da vila porque teriam ido ao Recife e outras cidades vender os peixes e a mandioca.
Na pesquisa que fez para o livro Tejucupapo - História, Teatro, Cinema, o professorfriday cassinocomunicação Cláudio Bezerra, da Universidade Católicafriday cassinoPernambuco (Unicap), aponta outra versão. "O pessoal do povoado já sabia que os holandeses estavam atrásfriday cassinocomida e que iriam atacar a qualquer momento. E então os homens saíram para bloquear o acesso. Só que os holandeses vieram por uma áreafriday cassinomangue, para não enfrentá-los. O que eles não esperavam eram as mulheres preparadas para a batalha", relata.
As mulheres,friday cassinogeral agricultorasfriday cassinoorigem indígena, teriam se organizardofriday cassinotornofriday cassinoquatro Marias que até hoje têm ares míticos na zona da mata nortefriday cassinoPernambuco: Maria Quitéria, Maria Camarão, Maria Clara e Maria Joaquina.
"O que a gente pode dizer, com base nos relatos das guerra coloniais, é que as comunidades não tinham armas elaboradas. Então, essas mulheres devem ter usado tudo que elas tinham na mão e que pudesse ferir os oponentes", relata o professor George Cabral . As guerreiras ficaram numa espéciefriday cassinotrincheira, à espera do inimigo.
Nos registros históricosfriday cassinoDiogo Santiago, as mulheres reprimiram os holandeses "com grande valor e ânimo". O episódio também tomaria contornos míticos no texto do renomado jornalista pernambucano Mário Melo,friday cassino1931. Ele escreveu que as "anônimas filhasfriday cassinoTejucupapo esculpiram um dos feitos mais brilhantes da epopéia pernambucana e rasgaram as portas à imortalidade".
A história contada até hoje relata maisfriday cassino300 cádaveres holandeses no Monte das Trincheiras, onde aconteceu a batalha.
As heroínasfriday cassinohoje
Por causa desse feito, todo último domingofriday cassinoabril, dezenasfriday cassinomulheresfriday cassinoTejucupapo viram atrizes: sobem o Monte das Trincheiras, vestem uma roupafriday cassinoépoca e vão para o campofriday cassinobatalha.
Há 27 anos, a técnicafriday cassinoenfermagem aposentada Luzia Maria resolveu tomar a narração dessa história como missão. No hospital para retirar um nódulo na mama, Luzia ficou sem resposta quando uma vizinhafriday cassinoleito, ao saberfriday cassinoonde ela era, perguntou sobre a história da batalha.
"Como eu já fazia atividades com crianças, mas encenando só histórias da Bíblia, fiquei com aquilo na cabeça: por que eu não contava isso?"
Após se recuperar, Luzia teve outro problemafriday cassinosaúde, dessa vez no coração, e precisou se internar novamente para implantar um marcapasso. Fez a promessa: "Se eu sair viva, vou contar a história das heroínasfriday cassinoTejucupapo, porque eu mesmo sou uma delas".
A relação tem sentido. O paifriday cassinoLuzia deixou a família, por causafriday cassinoproblemas com álcool, quando ela tinha 2 anos idade. Dada para ser criada por uma pessoa desconhecida, cresceu como "empregada da família" na cidadefriday cassinoGoiana. Já adolescente, fugiu da casa e foi atrásfriday cassinoum tiofriday cassinoTejucupapo. Aos 18 anos, casou-se e passou a se dedicar a cuidar da casa e dos 7 filhos.
Numa temporadafriday cassinoSão Paulo, o maridofriday cassinoLuzia morreu e ela precisou trabalhar para sustentar a família. Foi lavadeirafriday cassinoroupas, merendeira e apontou jogo do bicho até virar técnicafriday cassinoenfermagem — e, mais tarde, dramaturga.
A primeira encenaçãofriday cassinoAs Heroínasfriday cassinoTejucupapo foifriday cassinooutubrofriday cassino1993, poucos meses após a cirurgiafriday cassinoLuzia: "Eu quase não conseguia narrar a história. Tinha que apertar a garganta".
Em 2020, o teatro vai completar a 25ª Edição (em dois anos, ele não aconteceu devido a problemas com políticos locais).
A história contada foi mudando à medida que Luzia lia livrosfriday cassinohistória, ouvia professores e a própria comunidade. Na versão encenada, nas duas primeiras invasões, os holandeses levam a comidafriday cassinoTejucupapo. Na terceira, encontram a resistência das mulheres.
A primeira a correr para cima dos inimigos é Maria Camarão, interpretada por Dayse Alves. "Pra mim, ela é a pessoa mais valente que existe. Ela que juntou as forças e chamou todas para lutar. Toda mulher tem um heroísmo dentrofriday cassinosi", conta.
No embate, as guerreiras jogam caldeirões com uma misturafriday cassinoágua fervente e pimenta amassada no rosto dos inimigos e dos indígenas que ajudaram a mostrar o caminho da vila. Caídos no chão, eles são golpeados com paus, facas e instrumentosfriday cassinopesca. Os sobreviventes recuam.
"Os ecos dessas guerreiras que ultrapassaram os limites impostos a elas naquela época continuam naquela região. É uma história coletiva", explica Luciana Lyra, que deu aulasfriday cassinoteatro às participantes da peça e desenvolve pesquisas com a comunidade desde 2006.
A ideia da artista para estudar a história veio justamente da tradição oral: nas viagensfriday cassinocarro entre Pernambuco e Paraíba, onde morava a famíliafriday cassinoLyra, Goiana estava no meio do caminho: "Minhas tias e minha avó sempre falavam dessa história quando a gente passava por lá".
A encenação da batalha é a conclusãofriday cassinouma semanafriday cassinofestividadesfriday cassinoTejucupapo. Para quem participa do teatro, a preparação vemfriday cassinoantes. "É um trabalhofriday cassinounião. Toda vez que acaba a batalha, ficamos emocionadas, chorando, nos abraçando umas com as outras, como se fosse verdade", conta a donafriday cassinocasa tejucupapense Laurenice Laurentino,friday cassino47 anos, intérpretefriday cassinoMaria Clara.
Todos os anos, o teatro da pequena comunidade vivefriday cassinoincertezas, muitas vezes sem financiamentofriday cassinogoverno e empresas. Para 2020, o Grupo Cultural Heroínasfriday cassinoTejucupapo tenta se firmar como Patrimônio Vivofriday cassinoPernambuco, um título dado pelo governo estadual que garante, além do reconhecimento público, um pagamentofriday cassinoR$ 3,2 mil mensais.
"Hoje a maior batalha pra mim é conseguir o desenvolvimento do nosso lugar e espalhar essa história. A mulher não nasceu só para cuidarfriday cassinomenino, nasceu para trabalhar, ser donafriday cassinosua vida. E nossa história mostra que não é nada fácil querer lutar contra a mulher", diz Luzia Maria.
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