Qual a gravidade da crise vivida por Cuba e como ela se compara ao período após colapso da URSS:betmais 365
“Em meio a um bloqueio que pretende nos sufocar, continuaremos trabalhandobetmais 365paz para sair desta situação”, acrescentou Díaz-Canel.
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Segundo Pavel Vidal, professorbetmais 365economia da Universidade Javerianabetmais 365Cali, na Colômbia, a situação que a ilha atravessa hoje tem algumas semelhanças com os primeiros anos da décadabetmais 3651990, logo após o colapso da União Soviética, que deixou Cuba sem o seu principal apoio político e econômico no exterior.
No chamado Período Especial, os cubanos viveram aquele que foi provavelmente o momento econômico mais difícil desde o triunfo da Revoluçãobetmais 3651959.
O jornalista Pascal Fletcher, que foi correspondentebetmais 365Havana naquela época, e atualmente é analista da BBC Monitoring, relembra algumas das mudanças mais visíveis que aconteceram naquele período.
“Naquela crise econômica que o então líder cubano Fidel Castro chamou eufemisticamentebetmais 365'Período Especialbetmais 365Temposbetmais 365Paz', os automóveis desapareceram das ruas e estradas da ilha, os carrosbetmais 365boi substituíram os tratores no campo, e os cubanos cultivaram hortasbetmais 365seus quintais e telhadosbetmais 365um exercício 'revolucionário'betmais 365austeridade e resiliência para compensar a súbita escassezbetmais 365suprimentos vitais”, explica.
Mas como estas duas crises se comparam?
Pavel Vidal afirma que do pontobetmais 365vista macroeconômico, há alguns indicadores que caíram mais durante o Período Especial, enquanto outros são semelhantes.
Ele destaca, por exemplo, que há 30 anos o Produto Interno Bruto (PIB) despencou 35%, mas agora não retraiu tanto, visto que caiu 11% durante a pandemiabetmais 365covid-19, mas depois se recuperou um pouco.
A inflação, por outro lado, é semelhante entre os dois períodos.
Já o déficit fiscal chegou a 30% naquela época e, desta vez, não subiu tanto, mas manteve-se elevado por mais tempo.
“Acho que são crises muito parecidas. Também não posso dizer que está pior, porque acredito que a economia está mais diversificada agora: há mais opções que não estavam abertas no Período Especial, quando não havia remessas, não havia turismo, e a economia estava completamente estatizada", observa.
Pobreza 'alarmante'
O especialista acredita que na situação atual, os setores da sociedade cubana que recebem remessas ou estão ligados ao setor privado emergente podem estar lidando com a crisebetmais 365uma maneira melhor do que outros grupos.
“Os pensionistas e funcionários do Estado que dependembetmais 365uma renda fixabetmais 365pesos cubanos que não foi reajustada pela inflação... não há dados oficiais, mas acredito que os números da pobreza são alarmantes. Principalmente no que se refere aos aposentados, cuja situação é agravada pelo envelhecimento da população. Aí existe uma situação muito complicada”, afirma.
Estas desigualdades entre os diferentes setores da sociedade cubana são uma das razões pelas quais alguns economistas consideram que a situação atual é mais dura do que a vivida na décadabetmais 3651990.
O economista Ricardo Torres, pesquisador do Centrobetmais 365Estudos Latino-Americanos e Latinos da American University, nos EUA, argumenta que embora sob a perspectiva do PIB, a crise atual possa parecer “mais branda” do que a do Período Especial, é preciso levarbetmais 365consideração alguns aspectos qualitativos “para compreender o fardo sobre as pessoas, e como a crise pode ser sentida”.
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Torres destaca, por exemplo, que o Período Especial foi precedido por uma fasebetmais 365crescimento econômico, enquanto a atual conjuntura se dá “após quase 30 anosbetmais 365crise permanente”.
“Nos anos 1990, o país apresentava um certo bem-estar que tinha sido alcançado na décadabetmais 3651980, tantobetmais 365termosbetmais 365consumo quantobetmais 365termosbetmais 365qualidade e profundidade dos serviços sociais,betmais 365educação,betmais 365saúde, com conquistas esportivas a nível mundial. E tudo issobetmais 365uma sociedade muito mais igualitáriabetmais 365termosbetmais 365rendimentos do que a que existe agora. Não quer dizer que não havia problemas, mas era definitivamente muito mais igualitáriabetmais 365termosbetmais 365rendimentos”, aponta.
Isso indica que embora a partirbetmais 3651994 o PIB tenha começado a crescer novamente, houve muitas áreas da economia, da sociedade ebetmais 365da população que nunca recuperaram o padrãobetmais 365vida e os níveisbetmais 365atividade da décadabetmais 3651980.
As diferenças entre estes dois pontosbetmais 365partida iniciais marcam também, na opinião dele, a capacidade do país para superar esta crise.
“A infraestruturabetmais 365Cuba, construída depoisbetmais 3651959, estava praticamente recém-construída na décadabetmais 3651990. Pense nas centrais elétricas, nas estradas. Agora essa situação é muito diferente. As centrais elétricas estão há maisbetmais 36530 anosbetmais 365funcionamento, talvez já excedendo os parâmetros para os quais foram concebidas. Muitas estradas, por exemplo, nunca tiveram manutenção nos últimos 30 anos”, afirma.
“Então, a infraestrutura física estábetmais 365um estado muito mais lamentável agora, mais deteriorada do que nos anos 1990. Talvez a única infraestrutura que esteja relativamente melhor hoje seja a das telecomunicações, já que certamente se expandiu a disponibilidadebetmais 365celulares e, inclusive, o acesso à internet."
Torres acrescenta que a ilha perdeu capacidade produtiva.
“Há muito menos usinas açucareiras, muito menos indústriasbetmais 365manufatura, menos agricultura e pecuária, por exemplo. Há mais hotéis e aeroportos, e alguns deles são mais modernos do que os que existiam na décadabetmais 3651980, mas o equilíbriobetmais 365termosbetmais 365infraestrutura não é favorável”, destaca.
Migraçãobetmais 365massa
O especialista afirma que nestas três décadas a ilha perdeu muito capital humano devido à emigração e ao envelhecimento da população.
“Durante o Período Especial, o atendimento hospitalar sofreu, claro, mas nada a ver com a situação que vivemos hoje. O mesmo pode ser dito da educação. Cuba estava com um sistema educacional robusto, com muito capital humano. Isso não é mais verdade. Pelo contrário, tem havido uma emigraçãobetmais 365massabetmais 365professores bem qualificados que afeta todos os níveis”, diz ele.
Além disso, ele afirma que a assistência material que as pessoas podem receber do Estado foi reduzida, não sóbetmais 365termosbetmais 365medicamentos que podem estar disponíveis num hospital, por exemplo, como tambémbetmais 365itens básicos que a população recebe por meio da libreta (cadernetabetmais 365racionamento), sistema criado para controlar a distribuição destes produtos para a população.
“O que foi mantido durante o Período Especial com alguns problemas, agora praticamente não existe mais. Ou seja, os produtos fornecidos por meio da cadernetabetmais 365racionamento foram reduzidos ao mínimo. Os produtos não chegam aos armazéns. E, às vezes, quando chegam, chegam com mesesbetmais 365atraso”, ressalta.
Na visãobetmais 365Torres, todos estes problemas são agravados pelo fatobetmais 365que o aumento da desigualdade torna alguns setores da sociedade muito vulneráveis à crise.
'Uma crise muito pior'
“Embora o governo não divulgue números oficiais a este respeito, sabe-se que os níveisbetmais 365desigualdade já eram muito altosbetmais 3652019. Isso significa que um grupo importante da população chega a esta crise atual com o padrãobetmais 365vida bastante deteriorado, com carências importantesbetmais 365termosbetmais 365moradia,betmais 365acesso a serviços sociais. Então, eles chegam com muita desvantagem, e esta crise os atinge duramente. E eles não têm nenhum tipobetmais 365recurso ou reserva para enfrentar essa situação”, explica.
Assim como o Período Especial, cujo gatilho foi a queda da União Soviética e do bloco comunista — que levou Cuba a perder a maior parte do seu mercado externo, assim como subsídios importantes —, a crise atual também foi alimentada por fatores externos.
Entre eles, os especialistas citam o colapso da economia da Venezuela — que durante o governobetmais 365Hugo Chávez se tornou o principal parceiro comercialbetmais 365Havana —, a reimposiçãobetmais 365sanções pelos EUA durante o governobetmais 365Donald Trump, a pandemiabetmais 365covid-19 e, inclusive, a invasão russa da Ucrânia (que influenciou o aumento dos preços dos fertilizantes e dos alimentos no mundo).
A estes elementos, devemos acrescentar o que os economistas consideram erros nas políticas internas, como a recente “reforma monetária” (uma tentativa fracassadabetmais 365unificar o câmbio); um conjuntobetmais 365reformas econômicas parciais e incompletas, como a iniciativa do ex-presidente Raúl Castrobetmais 365entregarbetmais 365usufruto as terras improdutivas para os agricultores, destaca Pavel Vidal.
“O usufruto não dá ao agricultor a segurança que ele precisa, porque ele não tem a propriedade da terra. Há milhõesbetmais 365limitações para, por exemplo, erguer construções nessas terras e, além disso, a compra forçada por parte do Estadobetmais 365uma parte importante da produção a preços ridículos torna a atividade agropecuária financeiramente inviável”, explica.
A somabetmais 365todos esses elementos faz com que a crise atual seja “muito pior” do que a do Período Especial, segundo Emilio Morales, presidente do Havana Consulting Group e vice-presidente do centrobetmais 365estudos Cuba Siglo 21.
“É uma crise muito pior, mais profunda. Maisbetmais 36530 anos se passaram desde o Período Especial. Aquela foi uma crise mais econômica do que política e social, e para sair dela, o governo teve que fazer alguns ajustes, como permitir o enviobetmais 365remessas, o investimento estrangeiro e o turismo. Abrir-sebetmais 365forma muito limitada ao setor privado naquela época. Todas estas medidas existem, estão implementadas há 30 anos, e o país está caindo aos pedaços”, diz ele à BBC News Mundo, serviçobetmais 365notíciasbetmais 365espanhol da BBC.
Uma crise multissistêmica
“Trinta anos depois, se tornou uma crise multissistêmica. É uma crise política, social, sanitária e econômica. E todos estes fatores juntos geraram esta tempestade que neste momento se vê nesta explosão social que está acontecendobetmais 365diferentes locais do país”, acrescenta, fazendo referência aos protestos que ocorreram na ilha no dia 17betmais 365março.
Torres, Vidal e Morales concordam que o problema subjacente é um modelo econômico que “não funciona”.
“A evidência histórica é esmagadorabetmais 365termosbetmais 365que esses modelosbetmais 365economia centralmente planificadas, sobretudo no estilo soviético, não deram resultadobetmais 365nenhum dos paísesbetmais 365que foram adotados. Observe que a própria China e o Vietnã, apesarbetmais 365ainda terem partidos comunistas no poder, há maisbetmais 365três décadas reconheceram que este modelo não era funcional, e o abandonaram”, destaca Torres.
Pavel Vidal indica que embora sejam necessárias mudanças estruturais que não sãobetmais 365curto prazo, a ilha passou três décadas fazendo reformas parciais e incompletas — e o governo continua apostandobetmais 365uma economia centralizada.
“Continuam dizendo que a empresa estatal socialista é o principal ator da economia cubana, mas é justamente a empresa estatal socialista que não tem conseguido oferecer eletricidade nem alimentos aos cubanos”, afirma.
As autoridades cubanas, porbetmais 365vez, culpam as sanções dos EUA pelas dificuldades que a economia cubana atravessa — e acusaram o governo americano e os exilados cubanosbetmais 365Miamibetmais 365incitarem os protestos que ocorreram no leste do país.
Na segunda-feira (18/03), o Ministério das Relações Exteriores cubano convocou o encarregadobetmais 365negócios da embaixada dos Estados Unidosbetmais 365Havana, Benjamin Ziff, para uma reunião, na qual transmitiu o "firme repúdio ao comportamento intervencionista e às mensagens caluniosas do governo dos Estados Unidos ebetmais 365sua embaixadabetmais 365Cuba sobre assuntos internos da realidade cubana".
"Também chamou a atenção para a responsabilidade direta do governo dos Estados Unidos sobre a difícil situação econômica que Cuba atravessa atualmente e, especificamente, sobre as carências e dificuldades que a população enfrenta diariamente, com o esgotamento e insuficiênciabetmais 365suprimentos e serviços essenciais, sob o peso e impacto do bloqueio econômico destinado a destruir a capacidade econômica do país", indica o comunicado do ministério cubano.
Não está claro, no entanto, até que ponto o discurso oficial será persuasivo para dissipar o desconforto entre os cubanos.
“A confiança do povo cubanobetmais 365seus líderes, os sucessoresbetmais 365Fidel, ebetmais 365fé na Revoluçãobetmais 36565 anos que a imprensa estatal cubana ainda elogia, estãobetmais 365seu ponto mais baixo historicamente, a julgar pelas reclamações e demandas dos manifestantes que tomaram as ruasbetmais 365Santiagobetmais 365Cuba ebetmais 365outras cidades e vilarejos do leste do país no dia 17betmais 365março”, diz Pascal Fletcher.
'Fartos e cansados'
Ele explica que junto às demandas por “eletricidade e alimentos”, e os gritosbetmais 365“liberdade” e “Pátria e Vida” — que se tornaram populares durante uma onda anteriorbetmais 365protestos antigoverno que se espalharam por toda a ilhabetmais 365julhobetmais 3652021 —, muitos manifestantesbetmais 365Santiagobetmais 365Cuba também esbravejaram com funcionários do Partido Comunista que tentaram argumentar com eles: “Não queremos mais ladainha”.
“Isso indica claramente que muitos cubanos estão fartos e cansados da propensão do governobetmais 365sempre culpar o embargo econômico dos EUA por todos os males do país”, avalia Fletcher.
“Os cubanos clamam por soluções internas e mudanças por parte do seu governo interno, chegabetmais 365retórica incendiária dirigida ao velho inimigo 'imperialista'", conclui.