Como Cuba passou pelo colapso da URSS e sobreviveu como último bastião do comunismo no Ocidente:betx1

Fidel Castro e Mikhail Gorbachevbetx1evento ao ar livre

Crédito, AFP

Legenda da foto, Fidel Castro e Gorbachevbetx1Cuba; estadista russo visitou a ilhabetx11989betx1meio a reformasbetx1seu país

Os jovens aprendidam o russo como segunda língua (o inglês era proibido) e as crianças assistiam a desenhos animados que quase ninguém entendia: Cheburashka, o Urso Misha, Lolek e Bolek.

Alunos que se destacassem ganhavam como prêmio viagens à Cracóvia ou a Leningrado.

Já os militares exibiam tanques T-55 e fuzis AKMbetx1desfiles, enquanto outdoors anunciavam a "amizade irrevogável e eterna" entre os povosbetx1Cuba e da URSS.

Mas, diferente da promessabetx1eternidade, a própria União Soviética teve seu fim, e com isso, Cuba passou a viver uma fasebetx1incertezas.

Ecos na ilha, 30 anos depois

Jábetx11989,betx1um discurso dramático, Castro previu que eles poderiam acordar um dia sem a União Soviética.

"Se amanhã ou qualquer dia acordarmos com a notíciabetx1que se criou uma disputa civil na URSS, ou mesmo acordarmos com a notíciabetx1que a URSS se desintegrou — o que esperamos nunca aconteça, mesmo nessas circunstâncias —, Cuba e a Revolução Cubana continuariam lutando e continuariam resistindo!", disse elebetx126betx1julhobetx11989.

Àquela altura, como um efeito dominó, as velhas repúblicas socialistas haviam embarcado no trem da mudança e, no finalbetx11991, Cuba era praticamente o último reduto da Guerra Fria no Ocidente.

Continuou assim por mais três décadas, mas os ecos daqueles dias ressoam até hoje na vida cotidiana da ilha.

Bandeira soviéticabetx1frente a praia

Crédito, AFP

Legenda da foto, Bandeira soviéticabetx1Cuba; nações se uniram por ideologia ou pragmatismo?

"Hoje, é mais necessário do que nunca discutir esse processo histórico que acabou com a perestroika (reforma que culminou no colapso da URSS), porque há semelhanças hoje entre a própria estrutura cubana e esse processo que aconteceu na URSS", analisa o historiador Ariel Dacal, autorbetx1Rusia, del socialismo real al capitalismo real ("Russia, do socialismo real ao capitalismo real",betx1tradução livre).

"A classe trabalhadora cubana enfrenta hoje emergências semelhantes às vividas pela União Soviética há 30 anos, mas também uma crise estrutural parecida: econômica, política,betx1paradigma, tudo."

Uma amizade improvável

Uma das questões do século 20 sobre a qual os historiadores ainda debatem é como explicar a "amizade irrenunciável" que surgiu entre a Cubabetx1Castro e a URSS, separadas por 10 mil quilômetros, culturas, línguas e tradições radicalmente diferentes.

Embora na produção acadêmicabetx1Cuba tradicionalmente diga-se que houve uma ligação histórica com a URSS, a verdade é que Castro, antesbetx1chegar ao poder, nunca demonstrou simpatia pelo comunismo soviético nem se declarou socialista — tampouco seus seguidores, inicialmente.

"A base da Revolução Cubana não foi socialista. O próprio Castro não poderia dizer que foi um socialistabetx1seus primórdios", aponta o historiador britânico Mervyn Bain, professor da Universidadebetx1Aberdeen e autorbetx1Moscow and Havana 1917 to the Present ("Moscou e Havana 1917 ao presente", tradução livre).

Dacal lembra que a forma como Castro chegou ao socialismobetx1inspiração soviética é complexa e tem a ver com as circunstâncias pelas quais passava a ilha, alémbetx1sua relação com os Estados Unidos.

"É um processo que deve ser visto por duas perspectivas, a dos interessesbetx1Cuba e a dos interesses da União Soviética. À medida que cresce a pressão dos Estados Unidos para sufocar a revoluçãobetx1qualquer maneira, Fidel vê a URSS como uma aliada, como um apoio econômico. E a União Soviética vêbetx1Cuba uma tremenda oportunidade, porque Cuba está a maisbetx19 mil quilômetrosbetx1Moscou, mas a apenas 150 quilômetros do principal inimigo da União Soviética", afirma.

Bain acredita que se estabeleceu uma relação basicamente utilitária entre os dois países, na qual a URSS se tornou a basebetx1sobrevivênciabetx1Cuba, e a ilha um lugar estratégico para Moscou mostrarbetx1influência no quintal dos Estados Unidos.

Segundo o historiador britânico, também havia elementos do modelo soviético que talvez atraíssem Castro embetx1aspiraçãobetx1criar uma nova sociedadebetx1Cuba.

Sebastián Arcos, diretor assistente do Institutobetx1Pesquisa Cubana da Universidade da Flórida, acredita que o modelobetx1comando soviético e o culto a seus líderes também chamou a atençãobetx1Fidel enquanto novo líder.

"Fidel Castro foi um grande estrategista, era como um jogadorbetx1xadrez que está sempre três jogadas à frente. Ele viu que assumindo esse modelo, também garantiriabetx1permanência no poder, como fizeram Stalin e os demais dirigentes soviéticos, que ficaram no poder até a morte. Para ele, tratava-se disso,betx1manter o poder — algo que uma sociedade democrática não teria permitido", afirma Arcos.

Relações complexas

Gorbachev e Castro assinando papéis

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Gorbachev e Castro tiveram uma 'conversabetx1morte', segundo imprensa da época

Entretanto, os pesquisadores entrevistados concordam que as relações entre Moscou e Havana nem sempre foram tão amistosas e festivas quanto a comunicação oficialbetx1ambos os lados demonstravam.

"Uma importante encruzilhada foi a crise dos mísseisbetx11961, quando a União Soviética e os Estados Unidos decidiram, sem consultar Cuba, retirar os mísseis", recorda Dacal.

Nos anos 1970, as duas nações haviam assinado importantes acordos comerciais e a URSS respondia por 85% do comércio exteriorbetx1Cuba. A União Soviética era o principal destino do açúcar cubano e também o maior fornecedorbetx1petróleo e bensbetx1consumo para a ilha. Entretanto,betx1meados dos anos 80, esse cenário começou a mudar.

"Gorbachev assumiu o poderbetx11985. A relação econômica continuou muito forte, mas o governo soviético disse que não enviaria militares a Cuba para defendê-labetx1casobetx1ataque americano", lembra Bain.

"Aí começa o processo da perestroika e da glasnost. É aí que ocorre a grande ruptura, porque Castro não gostou das reformas que Gorbachev começou a implementar e passou a criticar essas políticas."

Gorbachev iniciou um processobetx1restruturação da União Soviética que a abriu para a economiabetx1mercado (perestroika) e que visou ampliarbetx1"transparência política" (glasnost), com a eliminaçãobetx1mecanismosbetx1censura.

Arcos lembra que foi neste momento que as publicações soviéticas que até então enchiam as bancas deixarambetx1aparecerbetx1Cuba.

"Elas (as publicações) foram rapidamente censuradas porque mostravam uma realidade, uma crítica ao sistema — algo que era visto como uma posição reacionária dentrobetx1Cuba", afirma o pesquisador.

Enquanto a URSS fazia seu processobetx1abertura, Castro implementou medidas que chamoubetx1"retificaçãobetx1erros e tendências negativas" — indo para um caminho ainda mais dogmático na implementação do socialismo na ilha.

Em abrilbetx11989, Mikhail Gorbachev visitou Cuba, um evento que foi visto como um aviso das mudanças na URSS que refletiriam na ilha.

"Há uma anedota do encontro entre Castro e Gorbachev na imprensa da época que o descreve como uma 'conversabetx1morte'. Gorbachev diz a Castro: temos que fazer reformas. Castro responde: é o que estamos fazendo aqui. A partir daí, eles praticamente se ignoram", lembra Bain.

Queda do murobetx1Berlim ocultada no Granma

A visitabetx1Gorbachev a Havana foi seguida pelo rápido colapso da URSS, uma república soviética atrásbetx1outra república soviética se delisgava e se tornava independente.

Em pouco maisbetx1dois anos, a grande nação do proletariado fundada sete décadas atrás rapidamente desmoronou.

Tudo começou na Polónia, depois na Hungria, Alemanha Oriental, Bulgária e Romênia...

Os cubanos que apoiavam as reformas na URSS eram chamados pejorativamente na ilhabetx1"perestroikos", e quando a URSS realmente colapsou, a mídia oficial cubana passou a falarbetx1"desmantelamento", alémbetx1publicar críticas e acusações contra Gorbachev, que era chamadobetx1"traidor" e "agente da CIA".

Em seu livro Cuba fue diferente ("Cuba foi diferente", na tradução livre), o historiador Even Sandvik Underlid diz que naquele período a imprensa cubana se limitou a narrar o ocorridobetx1breves notas, embora enfatizasse o caos trazido pelo processo.

De acordo com a pesquisa realizada por Underlid, alguns eventos como a queda do Murobetx1Berlim não foram reportados pelo Granma.

"A mensagem da mídia era: olha como eles estão mal, como renunciaram às conquistas. Isso não pode acontecer com a gente", descreve Arcos.

Embora a informação veiculada pelos (únicos) meiosbetx1comunicação oficiaisbetx1Cuba fosse incompleta, as notícias do que acontecia na URSS acabam chegando à ilhabetx1outras formas.

Segundo Arcos, nas ruas cubanas, a reação às novidades era um mistobetx1"espanto e esperança".

"Espanto porque ninguém jamais pensou que isso pudesse acontecer, inclusive eu. E esperança porque todos pensávamos que Cuba seria a próxima peça do dominó. Eu estava pensandobetx1deixar Cuba definitivamentebetx11989 e decidi que não, que não íamos embora porque eu via luz no fim do túnel. Agora olho para trás e digo: 30 anos se passaram e a luz não chegou."

O último bastião

Monumentobetx1homenagem a Lêninbetx1Cuba

Crédito, AFP

Legenda da foto, Monumentobetx1homenagem a Lêninbetx1Cuba

Contrariando grande parte das previsões, o modelobetx1sociedade defendido por Castro sobreviveu ao colapso soviético, apesar do chamado Período Especial, da crise econômica sem precedentes e da fomebetx1que Cuba submergiu após o desaparecimentobetx1seu principal aliado.

Uma das perguntas que este período traz é por que não houve um colapso do socialismo tambémbetx1Cuba.

Dacal aponta que assumir que o regime cubano cairia logo depois da URSS seria considerar que a ilha era um "satélite" soviético, algo que embetx1opinião nunca foi assim.

Arcos, porbetx1vez, acredita que, diferente do que aconteceubetx1outros países quando ocorreu o colapso soviético, Fidel Castro ainda estava vivo ebetx1pleno usobetx1seus poderes.

"Ou seja, não há vácuobetx1liderança, não há mudançabetx1liderança como ocorreubetx1outros países", opina.

Para o pesquisador, esse poder é justamente o motivo pelo qual Castro não só impôs o socialismo à ilha, mas o manteve a todo custo.

"Aceitar as reformas seria aceitar deixar o poder, fazer eleições, sair do trono. E isso ele nunca teria permitido. Em todos os anosbetx1que esteve no poder, ele não fez nada mais do que isso, colocar o seu interesse pessoal acima dobetx1seu povo", analisa Arcos.

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