Por que ensino do Espanhol é deixadolado no Brasil:

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Brasil está rodeadopaíses que falam espanhol

"Há um desânimo total", diz a também professora Mônica Nariño, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Fim do Matérias recomendadas

O primeiro baque veio2017, com a revogação da Lei do Espanhol2005 na reforma do ensino médio do governo Temer.

Agora, no terceiro governo Lula, o projetoreforma do ensino médio que saiu do Ministério da Educação2023 previa a volta da obrigatoriedade do Espanhol.

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A demanda foi então retirada do projeto pela Câmara, recolocada pelo Senado e, finalmente, retirada definitivamente pelos deputados,um acordo costurado com o governo para aprovação da reformajulho.

A decisão também foi tomadameio a uma disputa diplomática entre países onde se fala outros idiomas, contrários à obrigatoriedade, e outros onde o Espanhol é a língua corrente (leia mais abaixo). O projeto agora aguarda a sanção presidencial.

Tanto2017 quanto neste ano, o principal articulador contra a obrigatoriedade do Espanhol foi o deputado federal Mendonça Filho (União-PE), ex-ministro da EducaçãoTemer e relator da reforma do ensino médio na Câmara.

"Insisti na retirada porque entendo que, para você alcançar a aprendizagem, você precisa ter focoum currículo bem definido", disse Mendonça Filho à BBC News Brasil, citando o desempenho insatisfatório dos alunos brasileiros"componentes curriculares essenciais para a formação humana, como Matemática e Português".

Para o deputado, com a carga horária atual dos estudantes, tornar uma nova disciplina obrigatória tiraria espaçooutras matérias ditas mais "importantes". "Se alguma coisa entra, outra perde", justifica Mendonça Filho.

Professores da disciplina argumentam que o ensino do Espanhol atenderia a uma demandaalunos que veem no idioma, mais semelhante ao Português, uma entrada para o mundo das línguas estrangeiras, alémaprofundar relações com os países vizinhos.

Crédito, Acervo Pessoal

Legenda da foto, Professora Marcia Paraquett, que ensina Espanhol há quase cinco décadas, diz que empolgação dos profissionais dos anos 2000 se dissipou

Embate diplomático

A discussão sobre a retomada do Espanhol como matéria obrigatória no país também movimentou o SetorEmbaixadas,Brasília.

As equipes diplomáticas da França, Itália e Alemanha atuaram com os deputados para o convencimento da retirada da obrigatoriedade, confirma Mendonça Filho.

"Defenderam a liberdadea segunda língua estrangeira ser uma escolha", diz Mendonça Filho.

À emissora CNN Brasil, as embaixadas chegaram a confirmar os contatos com os deputados.

"Uma determinação do governo para o ensino médio seria catastrófica para as outras línguas. Somos a favor do plurilinguismo", afirmou uma funcionária da embaixada francesa.

A BBC News Brasil entroucontato com as três embaixadas, que não responderam aos questionamentos sobre a tentativainfluenciar essa decisão.

Parlamentares do PSOL chegaram a enviar um documento cobrando o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, para apurar a atuação destes países por meiosuas embaixadas.

Do outro lado, as embaixadas dos países latino-americanos e da Espanha também se reuniram com os congressistas para insistir na inclusão do Espanhol.

O gabinete da senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), a relatora do projeto no Senado que incluiu no texto a volta da obrigatoriedade, confirmou à reportagem que recebeu representantespaíses vizinhos do Brasil.

O principal argumento colocado na mesa é a integração latino-americana, já que quase todos os países da região falam espanhol.

As exceçõesoutros países da América do Sul são a Guiana, onde predomina o inglês, o Suriname, onde se fala holandês, e a Guiana Francesa, onde o idioma oficial é o francês.

Mendonça Filho disse que recebeu maisdez embaixadorespaíses da América Latina, mas não se convenceu.

"Perguntei aos representantes: 'Quantosvocês ensinam Português como segunda língua estrangeira nas escolas?'", lembra. "Nem Portugal, que é vizinho da Espanha, obriga o ensinoespanhol."

No Uruguai, segundo o DepartamentoSegunda Língua do país, 93 escolas ensinam português, a maioria na região fronteiriça.

O deputado argumenta que é o Inglês que precisa ser obrigatório, porque é a "língua universal", usada no mercado internacional.

É a mesma posição defendida pela ONG Todos Pela Educação, que participa ativamentediscussões sobre políticas públicas do setor no Brasil.

"A nossa visão é, considerando o Inglês como a língua principal para internacionalização do país, tem que ser uma língua obrigatória", diz Gabriel Corrêa, diretorpolíticas públicas da organização.

"O Espanhol precisa ser promovido, masforma optativa no território nacional. Em alguns lugares, precisa ser obrigatório, especialmente na fronteira. Masoutros, não."

Para Monica Nariño, criadora do movimento Fica Espanhol, que tem o objetivopressionar os legisladores pela obrigatoriedade do ensinoEspanhol, a decisão tomada com a reforma do ensino médio faz o Brasil perder força na integração regional.

"É sobre a nossa cultura latino-americana, não é só sobre a economia", diz a uruguaia radicadaPorto Alegre.

Nariño se diz decepcionada com o governo Lula, que chegou a um acordo no texto final relatado por Mendonça sem o espanhol.

Em nota à BBC News Brasil, o Ministério da Educação (MEC) informou que o projeto original enviado, que previa a obrigatoriedade do Espanhol, dialogava "com diferentes interesses expressos na sociedade brasileira, como, por exemplo, a integração regional com outros países latino-americanos, a inserção internacional do Brasil e os laços culturais e históricos que unem o mundo ibero-americano”.

“Embora haja, por parte do Ministério da Educação, a compreensãoque a obrigatoriedade do ensinolíngua espanhola seja importante para o país e embora essa tenha sido uma proposta que apresentamos no projetolei encaminhado ao Congresso Nacional, reconhecemos que o Parlamento tomou outra [decisão]”, diz ainda a nota do MEC.

Para Mendonça Filho, "quem assumiu o ônus (da retirada do Espanhol) fui eu, mas prestei um bom serviço ao MEC e à educação brasileira."

O MEC informou ainda que não foi procurado por embaixadas estrangeiras.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Em 2005, quando o Brasil tornou obrigatório o ensinoespanhol, o Mercosul ganhava fôlego. Na foto, os presidentes Lula, Nicanor Duarte (Paraguai), Tabaré Vázquez (Uruguai) e Nestor Kirchner (Argentina)

Quedabraço histórica

O cenário2005, quando o Congresso brasileiro aprovou a obrigatoriedade do ensinoEspanhol, era muito favorável para que isso acontecesse.

O Mercosul, a união aduaneira eintegração criada por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai1991, se estruturava,meio à relação amistosa do governo Lula com os líderespaíses vizinhos.

O sociolinguista espanhol Francisco Moreno Fernández, no livro O ensino do Espanhol no Brasil (Editora Parábola, 2012), ressalta a euforia no início dos anos 2000 com o Mercosul, o mercado trazido por grandes empresas espanholas no Brasil, como a Telefónica e o Banco Santander, e o sucesso da cultura dos paíseslíngua espanhola.

"A proximidade das línguas espanhola e portuguesa faz com que se sinta a culturaespanhol como algo afim, e, até certo ponto, próprio, e fomenta a atitude favorável dos brasileiros à cultura hispanica", escreveu Fernández.

Na época, após a aprovação, o presidente Lula chegou a dizer que "as gerações futurasbrasileiros terão o espanhol como segunda língua, assim como terão a América do Sul como nossa segunda pátria".

"Esperamos que, crescentemente, o português também venha a ser lecionado nos outros países sul-americanos", disse Lula.

A lei dizia que o ensinoLíngua Espanhola eraoferta obrigatória pela escola ematrícula facultativa para o aluno. Ou seja, o aluno poderia escolher se faria a aula, mas o colégio era obrigado a disponibilizar a disciplina. Os Estados teriam 5 anos para implementar isso.

"Nessa época, o interesse pela língua aumentou imensamente", lembra a professora Marcia Paraquett, da UFBA.

"Os brasileiros percebiam cada vez mais a cultura muito rica envolvendo a língua espanhola, na música, no cinema. E também a possibilidade que não só rico podia aprender uma língua estrangeria."

Apesar da obrigatoriedade na lei, reportagens na imprensa nos anos seguintes mostraram como, na prática, os alunos enfrentavam dificuldades para fazer aulasEspanhol.

A formaofertar o idioma dependia dos Estados. Alguns ofereciamcentrosestudo específicos, outros sequer tinham um plano para implementação.

Mesmo com essas dificuldades, novos cursosletras com especializaçãoespanhol se espalharam no Brasil e novos professores foram formados. A língua também passou a ganhar espaço nos vestibulares.

"A lei movimentou o ensino do espanhol no Brasil, mobilizou muitos cursos superioresformaçãoprofessorespanhol, mobilizou estudantes para trabalhar com a língua, hoje temos muito profissionais qualificados", diz Luisa Hidalgo, doutorandaletras que pesquisa o ensinoespanhol na Universidade FederalPelotas (UFPel).

Na visãoGabriel Corrêa, da Todos Pela Educação, apesar dos avanços, ainda hoje faltam professoresespanholalgumas regiões do Brasil: "Temos faltaprofessores atéoutras disciplinas".

A situação era essa até 2017, quando o governo Temer elaborou uma primeira reforma do ensino médio.

A partir dali, ficou definido que a língua obrigatória seria apenas o inglês. O espanhol tornou-se "preferencial", caso houvesse o ensinouma segunda línguauma escola.

Para Mendonça Filho, então ministro da Educação, a Lei do Espanhol,2005, não mudou a "realidade" nas salasaula, e, na prática, os alunos continuavam sem aprender a língua.

Foi nessa época que a professora Monica Nariño fundou com colegas no Rio Grande do Sul o movimento Fica Espanhol.

A ideia seria, na esteira da revogação, pressionar os congressistas e munirinformações movimentos estaduais que quisessem aprovar leis locais.

No Rio Grande do Sul, que faz fronteira com Argentina e Uruguai, uma proposta alterou a lei estadual e instituiu a obrigatoriedade do Espanhol.

Uma iniciativa semelhante estátramitaçãoSão Paulo, enquanto na Paraíba e no Paraná leis já foram aprovadas, mas não plenamente implementadas.

Nariño, que desde então mantém contato com deputados que se interessam pelo tema, diz que percebe uma aversãopolíticos ligados à direita ao espanhol, por ser associado a "países socialistas e comunistas, como Cuba e Venezuela".

Mendonça Filho nega ter preconceito com o idioma ou qualquer outro.

"A gente tem uma presençacolôniasitalianos e alemães no Sul. Se eles quiserem ofertar outro idioma que não o espanhol, eles têm que ter a liberdade", diz o deputado. "Os Estados precisam ter autonomia."

Outro argumento dos professoresEspanhol é a quantidadeestudantes que escolhem a língua como opção no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Segundo dados enviados à BBC News Brasil sobre os últimos cinco anos do exame pelo Instituto NacionalEstudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela elaboração do Enem, o Espanhol foi escolhido pela maioria dos estudantes até 2020.

De lá pra cá, o inglês passou na frente. Na edição 2023 da prova, 43% escolheram Espanhol e 57%, o Inglês.

"Se você incentiva a aprendizagemuma língua como o Espanhol, que tem o interesse dos alunos, você facilita até a aprendizagem do português. Quanto mais você lê, mais você aprende", diz Nariño.

Mas Gabriel Corrêa diz que "a grande maioria dos estudantes escolhem o Espanhol não porque têm uma baita proficiência", mas porque "não sabem nenhuma das duas línguas", e o Espanhol acaba sendo mais "fácil".

Ele defende que o Brasil precisa investir na expansão do regime integral nas escolas para que, com mais tempoclasse, o aluno possa fazer mais aulasuma língua estrangeira.

Os professoresEspanhol com quem a BBC News Brasil conversou avaliam que, mesmo que os alunos não saiam do ensino médio sabendo bem o Espanhol, a prova da língua no Enem permite que alunosescola pública tenham alguma competitividade com seus pares que fazem intercâmbios e cursinhos, sabendo responder algumas questões.

Tirar essa possibilidade, emvisão, aumentaria a desigualdade.

O MEC informou que manterá "a língua espanhola como opção para provalíngua estrangeira no Enem" e disse estar "estruturando, com as equipes técnicas, uma estratégia nacional para fomentar o ensinolínguas estrangeirasforma complementar ao ensino regular".

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Legenda da foto, Fronteira entre Brasil e UruguaiSant'Ana do Livramento e Rivera

De JK a Lula

Não éhoje que o ensinoEspanhol permeia o sistema educacional do Brasil.

O ponto inicial para ensinoEspanhol no país é atribuído por pesquisadores ao Colégio Pedro 2º, uma instituição federalensino público do RioJaneiro.

Foi1919,um atoreciprocidade ao Uruguai, que havia oferecido aulasPortuguês numa escolaMontevidéu. Mas o ensino no Rio não vingou e foi deixadolado.

Foi só1942, no governo Getúlio Vargas, que o entãoministro da Educação, Gustavo Capanema, estabeleceu o ensino do Espanhol nas séries do ginásio e o científico (antigo ensino médio), sem obrigação.

Segundo a portaria da época, o ensino do espanhol mostraria "a origem românica, como a do português, que tem a línguaCastela e da maioria dos países americanos, o que o ajudará a compreender os seus sentimentos panamericanos".

A origem do panamericanismo remonta ao século 19, quando líderes como Simón Bolívar e JoséSan Martín lutaram pela independência das colônias espanholas na América Latina.

Em 1956, o presidente Juscelino Kubitscheck solicitou ao Congresso nacional a elaboraçãoum projetolei para a inclusão do Espanhol na grade curricular das escolas, argumentando que um "maior estreitamento dos povos do continente americano reclama, no entanto, um estudo mais intenso do idioma espanhol".

De acordo com pesquisadores, porém, o projeto na época não foi adiante e incluiu "interferências político-culturais da Inglaterra e França", que queriam estimular o ensino do inglês e do francês, respectivamente.

Em 1961, foi aprovada a primeira LeiDiretrizes e Bases (LDB), que define e regulariza a organização da educação brasileira com base nos princípios presentes na Constituição.

Os estabelecimentosensino poderiam a partirentão optar qual língua estrangeira. Dez anos mais tarde, a versão da LDB1971 retomou o assunto sugerindo o uso"línguas modernas", excluindo assim aulaslatim, por exemplo.

A professora Marcia Paraquett lembra que, nos anos 1960 e 1970, havia um interesse muito maior no Brasil por línguas como o Francês e o Italiano — e o Espanhol seguiasegundo plano.

Em 1996, no primeiro governoFernando Henrique Cardoso, foi promulgada a nova LDB, que continuava estabelecendo a obrigatoriedadeensinouma língua estrangeira moderna no ensino fundamental a partir da 5ª série.

No ensino médio, uma língua estrangeira moderna deveria ser escolhida pela comunidade escolar, alémuma segunda optativa.

Finalmente, o estreitamentolaços com os países vizinhos estimulou a aprovação da LeiEspanhol,2005,autoria do então deputado Átila Lira (PSDB-PI), mais tarde revogada no governo Temer.

Segundo o novo texto2024, "os currículos do ensino médio poderão ofertar outras línguas estrangeiras, preferencialmente o espanhol,acordo com a disponibilidadeoferta, locais e horários definidos pelos sistemasensino".

Atualmente, tramitaregimeurgência na Câmara um novo projetolei,autoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que pede novamente a obrigatoriedade do Espanhol.