O plano para transformar a Grã-Colômbiabet7365monarquia (e o que fez Simón Bolívar):bet7365

Coroa

Crédito, Museu Nacional da Colômbia

Legenda da foto, A ‘grinalda cívica’ foi um presente da cidadebet7365Cusco, no Peru, para Simón Bolívar. Hoje, ela faz parte do acervo do Museu Nacional da Colômbia

“Ao longo do caminho até a capital, as populações mais importantes e os casarios humildes competiam nas suas demonstraçõesbet7365alegria ao ver seu Libertador, mas nada pode ser comparado com a magnificência apresentada pela antiga capital dos incas, quando [Bolívar] nela entroubet736525bet7365junho”, contou,bet7365suas memórias, o diplomata e militar irlandês Daniel Florencio O’Leary (1800-1854).

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“Podia-se dizer que a cidade havia sofrido muito pouco ao longo da revolução, tamanha era a riqueza ostentada naquele dia”, prossegue O’Leary, que foi amigo pessoalbet7365Bolívar e participou das guerras da independência na América espanhola.

Foibet7365Cusco que o Libertador recebeu a coroa cívica preparada embet7365honra. Mas ele não a conservou para si.

Na verdade, Bolívar a entregou ao marechal Antonio Josébet7365Sucre (1795-1830), que foi comandante das forças militares na decisiva batalhabet7365Ayacucho, no Peru. Sucre, porbet7365vez, presenteou a coroa ao Congresso Nacional da Colômbia.

Aquela não foi a primeira vezbet7365que Bolívar se recusou a usar uma coroa. Anos antes, ele havia tomado a mesma decisão com uma coroabet7365louros entregue a ele na capital colombiana, Bogotá,bet73651819.

Essas coroas, na verdade, não eram investidasbet7365nenhum poder. Mas houve diversas tentativas nomear Bolívar como rei – e até uma proposta concretabet7365torná-lo presidente vitalício,bet73651829. Após abet7365morte, seria estabelecida na Grã-Colômbia uma monarquia constitucional, governada por um príncipe europeu.

Mas no que consistia essa proposta?

Negociações secretas

Ilustração do Lorde Aberdeen

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O então ministro britânico do Exterior Lorde Aberdeen afirmou que seu país apoiaria a monarquia na Grã-Colômbia, mas não aceitaria que o país sul-americano tivesse um rei francês
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Em 3bet7365setembrobet73651829, Bolívar estava no sul do continente e o poder na Grã-Colômbia estava a cargo do Conselhobet7365Governo.

Este Conselho autorizou o Ministériobet7365Relações Exteriores a realizar negociações diplomáticas secretas com a Inglaterra e a França, manifestando “a necessidade da Colômbiabet7365organizar-se definitivamente para alterarbet7365formabet7365governo, decretando uma monarquia constitucional” – e saber se, quando chegasse a hora, aqueles países estariam dispostos a dar o seu consentimento.

A proposta contemplava a ideiabet7365que “o Libertador governasse enquanto vivesse com este título e, depois dabet7365morte, começaria a reinar o príncipe que fosse escolhido,bet7365alguma das dinastias europeias”.

Além disso, prevendo o alarido ou a oposição que esta mudança poderia gerar nos Estados Unidos ebet7365outras repúblicas americanas, o Conselho também consultava sobre a possibilidadebet7365contar com “a poderosa e eficaz intervenção da Grã-Bretanha e da França,bet7365forma que a Colômbia não se perturbasse, nem se inquietasse,bet7365nenhuma forma, por ter usado o direito inalienável que a ela assistia,bet7365estabelecer a formabet7365governo que melhor lhe conviesse.”

O Conselhobet7365Ministros também instruiu seus representantes diplomáticos a explicar ao governo da França, sem assumir nenhum compromisso, que “no casobet7365ser escolhido algum ramo das casas reais europeias, era a opinião do Conselhobet7365que conviria à Colômbia escolher um príncipe francês, que seria da nossa mesma religião e,bet7365cujo favor, convergiriam muitas outras razõesbet7365política ebet7365conveniência”.

Assim, no dia 8bet7365setembrobet73651829, foram enviadas instruções aos representantes diplomáticos da Grã-Colômbia na França e no Reino Unido – respectivamente, Leandro Palacios (1782-1836) e José Fernández Madrid (1789-1830).

As negociações acabaram sendo totalmente infrutíferas e, mais tarde, contraproducentes.

Devido aos seus laçosbet7365sangue com a Casabet7365Bourbon, na Espanha, a realeza francesa rejeitou o pedido. Já no Reino Unido, a ideiabet7365instauraçãobet7365uma monarquia na Colômbia teve melhor recepção, mas outros motivos levaram à mesma recusa.

Fernández Madrid enviou para Bogotá um relatório das suas conversas com o então ministro britânicobet7365Relações Exteriores, Lorde Aberdeen (1784-1860). No relatório, ele destacou:

“O Governobet7365Sua Majestade, longebet7365se opor a que se estabeleça na Colômbia uma ordem política semelhante à deste país, comemoraria a realização desta reforma, convencidobet7365que ela irá contribuir para a ordem e, consequentemente, a prosperidade dessa parte da América. Mas [o ministro] repetia que o governo inglês não permitiria que um príncipe da família da França cruzasse o Atlântico para ser coroado no Novo Mundo.”

Alémbet7365terminarembet7365fracasso, as negociações tiveram repercussões negativas para o governo da Grã-Colômbia. Afinal, apesarbet7365terem sido realizadasbet7365forma reservada, elas acabaram chegando ao conhecimento público.

“O próprio projetobet7365uma monarquia que substituísse os esforços liberais e republicanos dos libertadores soou como gritobet7365alertabet7365todas as cidades e aldeias, sacudindobet7365pânico a epiderme colombiana”, escreveu o escritor e diplomata colombiano Diego Uribe Vargas (1931-2022), no seu livro Colombia y su Diplomacia Secreta (“A Colômbia ebet7365diplomacia secreta”,bet7365tradução livre).

“Neste caso, a diplomacia secreta havia sido utilizada contra a República e a própria tentativabet7365alterar clandestinamente a estrutura constitucional com ajuda estrangeira representava um ato passívelbet7365punição, não apenas à luz dos costumes democráticos, mas como traição à própria ação emancipadora”, prossegue o escritor.

Por isso, a iniciativa acabaria por ser um dos últimos pregos no caixão da Grã-Colômbia.

Nas palavras do historiador venezuelano Carraciolo Parra Pérez, “o resultado mais grave e irremediável da operaçãobet7365favor da monarquia foi oferecer aos nacionalistas venezuelanos mais do que um pretexto, mas uma razão válida para separar seu país da União Colombiana, já que seus governantesbet7365Bogotá perderam a esperança na República.”

Tendências monarquistas

Agustínbet7365Iturbide

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Agustínbet7365Iturbide (1783-1824) autoproclamou-se imperador do México, mas reinou apenas por alguns meses

Mas como é possível, depoisbet7365quase duas décadasbet7365guerra, sangue e destruição para conseguir a independência da Espanha, que ainda houvesse pessoas na Grã-Colômbia propondo seriamente a substituição da república por uma monarquia, colocando no governo um membro da realeza europeia?

Na verdade, as negociaçõesbet73651829 foram a iniciativa mais sériabet7365criar a monarquia, mas esta ideia já havia sido apresentadabet7365outras ocasiões. E,bet7365fato, era uma ideia persistente no continente americano.

“As tentativas monárquicas na América Latina não foram poucas. Em praticamente todos os países da região, houve este tipobet7365iniciativa”, declarou à BBC News Mundo (o serviçobet7365espanhol da BBC) Juan Carlos Morales Manzur, presidente da Academiabet7365História do Estadobet7365Zulia, na Venezuela.

“É preciso recordar a tentativa que ocorreu na Argentina, para instaurar uma monarquia com a princesa Carlota Joaquinabet7365Bourbon, uma das irmãsbet7365Fernando 7º [da Espanha]; as ideiasbet7365San Martínbet7365estabelecer uma monarquia no Peru; e a iniciativa do presidente [Juan José] Flores que, já fora do poder, tentou constituir uma monarquia no Equador, que seria dirigida por um filho da rainha que governava a Espanha, Maria Cristinabet7365Bourbon”, explica o historiador.

“Já o México teve uma monarquia e dois impérios. No Haiti, também houve três impérios e o Brasil teve uma monarquia estável por muito tempo. Por isso, pensarbet7365uma monarquia na Colômbia não é um fato isolado”, conclui Morales Manzur.

O historiador Tomás Straka, da Universidade Católica Andrés Bellobet7365Caracas e membro da Academia Nacionalbet7365História da Venezuela, indica que “a independência não é necessariamente antimonárquica”.

Ele explica que, embora a região litorânea da Venezuela e da Colômbia tivesse posições bastante radicais e, desde o primeiro momento, tenha se imaginado que a independência da Espanha causaria a transformação global da sociedade, a maior parte da América espanhola, incluindo a maioria dos venezuelanos, por muito tempo, não apoiou a ideia da república.

“Isso explica,bet7365grande parte, por que a guerra durou 10 anos, pois houve conotaçõesbet7365guerra civil na maior parte do território”, explica o historiador.

“Houve quem pensasse que, se o Reino da Espanha não era mais viável, seria necessário estabelecer-se e tornar-se independente, como um filho que saibet7365casa – esta foi a imagem defendida por muitos – e procurar outro rei. A existênciabet7365problemas na monarquia espanhola, para muitos, não significava que a monarquia não pudesse funcionar”, segundo Straka.

Repúblicabet7365crise

General José Antonio Páez

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O general José Antonio Páez foi um dos impulsionadores da separação da Venezuela da Grã-Colômbia

Mas a iniciativabet73651829 não teve origem na possível simpatia dos membros do Conselho do Governo da Grã-Colômbia pelo sistema monárquico, mas na grave crise interna vivida no país, cada vez mais próximo dabet7365dissolução.

Morales Manzur explica que, naquela época, a Grã-Colômbia viviabet7365uma situação política complexa.

“Todas as repúblicas latino-americanas haviam fracassado”, explica ele. “Quando se conseguiu a independência, o que houve foi um climabet7365confronto,bet7365pobreza ebet7365instabilidade políticabet7365todos aqueles países. Por isso, alguns pensaram na ideia da monarquia, considerando que ela poderia trazer estabilidade.”

Já Tomás Straka afirma que,bet73651829, a situação política da Grã-Colômbia estava muito deteriorada.

“Havia dissensões na Nova Granada [hoje, Colômbia e Panamá]. A Venezuela, declaradamente rebelde, organizava assembleias para separar-se da Colômbia e, pouco antes, havia ocorrido uma rebeliãobet7365Guaiaquil [Equador], que conseguiu ser resolvida no último minuto”, explica o historiador. “Além disso, havia a guerra com o Peru. Por isso, procurando uma solução desesperada, apresentou-se aquilo [a proposta da monarquia].”

A iniciativa buscava conseguir uma fórmula que permitisse dar continuidade à própria existência da Grã-Colômbia, como explicou o então secretário do Interior do Conselhobet7365Governo do país, José Manuel Restrepo (1781-1863).

“Muitos dos homens experientes e influentes nos negócios, residentesbet7365Bogotá, ao verificar o estado alarmantebet7365subsistência da União Colombiana; ao considerar que o único vínculo que conectava as diferentes partes desta bela República era Bolívar, seu fundador, cujas enfermidades e velhice precoce não ofereciam garantiasbet7365que fosse viver o bastante para completar a obra iniciada; e ao considerar, por fim, a forte antipatia infelizmente existente entre granadinos e venezuelanos, e a declarada contra ambos pelos filhos do Equador, naturalmente observavam com ansiedade o futuro da Colômbia, que não conseguiam considerar que fosse duradouro”, escreveu Restrepo.

O então secretário assinalou que estes elementos persuadiram algumas pessoas, incluindo os membros do Conselhobet7365Ministros,bet7365que o país não iria sobreviver se continuasse sendo uma república.

A Grã-Colômbia, para eles, terminaria dividida “pelas antipatias e rivalidades existentes”. Por isso, eles chegaram à conclusãobet7365que a única formabet7365ter garantiabet7365ordem e estabilidade era uma monarquia constitucional, governada por um príncipe trazido da Europa.

Mas, sobre tudo isso, o que pensava Simón Bolívar?

Entre a glória e a coroa

Simón Bolívar

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Simón Bolívar recusou explicitamente,bet7365várias ocasiões, a ideiabet7365ser coroado rei

Em dezembrobet73651829, o Libertador deixou muito claro que ninguém poderia contar com ele para aquele projetobet7365monarquia.

“Em relação ao ato do Conselho Ministerial sobre a fundaçãobet7365uma monarquia, cujo trono (qualquer que fossebet7365denominação) deveria ser ocupado por S. Exª o Libertador-Presidente e, por ele próprio, sustentar a todo custobet7365basebet7365benefício do sucessor, S. Exª acreditou ser seu dever reprová-lo; poisbet7365própria consagração à causa pública seria infrutífera, já que, manchadabet7365reputação por um ato contraditório àbet7365carreira e aos seus princípios, ele trilharia o conhecido caminho dos monarcas”, segundo uma carta enviada pelo secretáriobet7365Bolívar, José Domingo Espinar (1791-1865), ao ministro Estanislao Vergara (1790-1855).

“Convenha ou não à Colômbia a criaçãobet7365um trono, o Libertador não deve ocupá-lo; mais do que isso, ele não deve cooperar com abet7365edificação, nem acreditar, ele próprio, na insuficiência da atual formabet7365governo”, acrescenta a carta.

Apesar desta ebet7365outras negativas explícitas e escritas anteriores, existem historiadores que acreditam que Bolívar aspirava a ser um monarca, enquanto outros consideram quebet7365posição sobre a questão era ambígua.

“Se alguma responsabilidade pode ser imputada a Bolívar é abet7365que, conhecendo o projetobet7365monarquia, ele não se apressou a reprová-lo, mantendo um silêncio com efeitos devastadores para a unidade nacional”, segundo Uribe Vargas.

“Não só o Conselhobet7365Ministros renunciou, reconhecendo seu erro, mas a opinião unânime dos historiadores considera esta conduta um dos fatores que mais contribuíram para a dissolução da Grã-Colômbia”, conclui o historiador.

Naquela época, Bolívar estava muito preocupado com o destino da Grã-Colômbia, ao pontobet7365considerar ideias extremas, como solicitar um protetorado externo, para evitarbet7365dissolução.

Em uma carta enviadabet7365Quito (no Equador),bet7365abrilbet73651829, para o ministrobet7365Relações Exteriores, Espinar destacou que “o quadro tão espantoso oferecido pelos novos Estados americanos faz prever um futuro muito grave e a causa da independência se vê ameaçada pelas mesmas pessoas que deveriam sustentá-la”.

Ele acrescenta: “não resta outro recurso (na opiniãobet7365S. Exª) a não ser que você fale privadamente com os ministros dos Estados Unidos e da Inglaterra, manifestando a pouca esperança existentebet7365consolidar os novos governos americanos e a iminênciabet7365que eles sejam reciprocamente substituídos, se um Estado poderoso não intervierbet7365suas diferenças ou tomar a América sobbet7365proteção”.

Uribe Vargas afirma que esta “súbita mudançabet7365conduta”bet7365Bolívar é atribuída à doença que o afligia e “à angústia do Libertador ante o espetáculobet7365algumas facções políticas, cujas disputas colocavambet7365perigo a sorte da campanhabet7365emancipação”.

O escritor e ex-diplomata também destaca que, a partir desta iniciativa do protetorado, o Conselhobet7365Ministros imaginou que o Libertador pudesse assumir uma posição mais favorável à ideia da monarquia.

Mas, apesar disso, Bolívar rejeitou a possibilidadebet7365ser coroadobet7365diversas ocasiões.

Uma das mais célebres ocorreubet73651826, quando o general José Antonio Páez (1790-1873) enviou uma carta comparando a situação da Grã-Colômbia com a vivida pela França, quando Napoleão foi chamado para salvar a nação – e apelava ao Libertador para que fizesse o mesmo.

Embet7365resposta, Bolívar foi taxativo: “não sou Napoleão, nem quero ser; também não quero imitar César, muito menos Iturbide [imperador do México entre 1822 e 1823]. Estes exemplos me parecem indignos da minha glória. O títulobet7365Libertador é superior todos os que já recebeu o orgulho humano. Por isso, é impossível degradá-lo.”

“Um trono assustaria tanto pelo seu brilho, quanto pelabet7365altura. Este projeto não é conveniente para você, nem para mim, nem para o país”, concluiu Bolívar.