O trilemabr betano com foguetinhoLessing na América Latina e por que 'não se pode reduzir narcotráfico, corrupção e violência juntos':br betano com foguetinho

Ação policialbr betano com foguetinhoEsmeraldas, Equador

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A insegurança e a violência são motivosbr betano com foguetinhopreocupação para muitas pessoas na América Latina

"Você precisa escolher entre um e outro", explicou elebr betano com foguetinhoentrevista à BBC News Mundo, o serviçobr betano com foguetinhoespanhol da BBC. "E este é um grande problema."

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Para ele, existe na região "uma convergência para sociedades mais empobrecidas e mais violentas,br betano com foguetinhoque os criminosos adquiriram maior protagonismo."

Confira abaixo os principais pontos da entrevista telefônica com Andreas Feldmann, que escreveu, com o politólogo Juan Pablo Luna, o livro Política Criminal y Desarrollo Fallido en la América Latina Contemporánea ("Política criminal e desenvolvimento fracassado na América Latina contemporânea",br betano com foguetinhotradução livre), publicadobr betano com foguetinho2023.

Línea gris

br betano com foguetinho BBC News Mundo: Até que ponto as gangues do narcotráfico e do crime organizado se tornaram uma ameaça para os Estados latino-americanos?

br betano com foguetinho Andreas Feldmann: É inquestionável que elas se tornaram um problema muito grave, do pontobr betano com foguetinhovista da segurança, da economia informal e do graubr betano com foguetinhopenetração.

Infelizmente, observo certa convergência, no sentidobr betano com foguetinhoque elas adquirem protagonismo e grausbr betano com foguetinhosofisticação cada vez maiores.

É um problema regional. Até países que tinham níveisbr betano com foguetinhosegurança relativamente aceitáveis, como o Chile, Uruguai ou Costa Rica, observaram um grande aumento dos índicesbr betano com foguetinhohomicídio e criminalidade.

Andreas Feldmann

Crédito, Iván Raya

Legenda da foto, Andreas Feldmann destaca que o problema do crime organizado 'não tem soluçõesbr betano com foguetinhocurto prazo e, politicamente, é muito complexo'
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Existe um padrão bastante preocupante, embora haja diferentes nuances. Alguns países conseguiram reduzir um pouco os índicesbr betano com foguetinhoviolência, mas isso não significa que o crime propriamente dito tenha diminuído.

br betano com foguetinho BBC: Era algo previsível ou tomoubr betano com foguetinhosurpresa os países da região?

br betano com foguetinho Feldmann: Acredito que seja um padrãobr betano com foguetinholonga data. Uma das coisas que tomaram a nós, pesquisadores, um poucobr betano com foguetinhosurpresa foi essa dinâmica na qual as novas democracias dos anos 1990 começaram a ser muito mais violentas do que pensávamos.

A ideia era que, depois do fimbr betano com foguetinhotantas ditaduras que, geralmente, promoviam grandes níveisbr betano com foguetinhoviolência e repressão, iríamos observar um aumento considerável dos índicesbr betano com foguetinhosegurança e redução da violência.

Mas, muito pelo contrário, o que presenciamos foi o aumento da violência, democracias muito violentas. Isso, sim, nos pegoubr betano com foguetinhosurpresa.

Este fenômeno tem duas décadas. E, quando observamos a trajetóriabr betano com foguetinhomuitos países, vemos uma convergência para sociedades mais violentas e empobrecidas,br betano com foguetinhoque os criminosos adquiriram maior protagonismo.

A capacidade coercitiva dos Estados se deteriorou. A polícia e até o exército, depoisbr betano com foguetinhodestacados, não têm capacidadebr betano com foguetinhocontrolar o problema.

É muito preocupante.

br betano com foguetinho BBC: Seu livro alerta que a influência da indústria do narcotráfico "é muito mais ampla do que geralmente se pensa". Por quê?

br betano com foguetinho Feldmann: Porque nós vemos a questão do narcotráfico, do crime organizado e das indústrias ilícitas mais como um problemabr betano com foguetinhodesenvolvimento. Não consideramos necessariamente que seja um problemabr betano com foguetinhocriminalidade.

À medida que diversas atividades econômicas são realizadas na esfera ilícita ou informal, o Estado não consegue adotar um modelobr betano com foguetinhodesenvolvimento mais vigoroso, que incorpore as pessoas e dê condiçõesbr betano com foguetinhomaior igualdade.

br betano com foguetinho BBC: Vocês se referem a grandes organizações no estilo dos cartéis, gangues e grupos menores ou gruposbr betano com foguetinhomicrotráfico?

br betano com foguetinho Feldmann: Geralmente, falamosbr betano com foguetinhograndes organizações. O que acontece é que, muitas vezes, elas delegam seu modelobr betano com foguetinhonegócio a organizações menores.

Um membrobr betano com foguetinhoum grupo criminoso na Colômbia com o rostro coberto sustentava uma arma sentadabr betano com foguetinhouma cadeira

Crédito, AFP

Legenda da foto, 'À medida que o Estado se debilita, as gangues vão aumentando seu poder', segundo Andreas Feldmann

O mais problemático é que existem viasbr betano com foguetinhocomunicação entre as entidades e os Estados. É o que chamamosbr betano com foguetinho"política criminal", a sobreposição entre os criminosos, os políticos e os agentes do Estado, como juízes e policiais, cada um buscando realizar seus próprios planos e objetivos.

Na região, uma parte da política segue esse quadro, o que representa um desvio do idealbr betano com foguetinhoMax Weber, segundo o qual os Estados agembr betano com foguetinhoacordo com a lei...

br betano com foguetinho BBC: E têm "o monopólio do uso legítimo da violência", algo que também é perdido...

br betano com foguetinho Feldmann: É perdido, evidentemente. Você vê o caso do México, onde não sabemos exatamente quem foi responsável por muitos desaparecimentos: se o Estado, os criminosos ou até se eles são partebr betano com foguetinhouma operação conjunta.

Já vimos isso no caso colombiano ebr betano com foguetinhomuitos outros.

Essa sobreposição está aumentando cada vez mais, o que prejudica as capacidades do Estado, desmotiva os agentes estatais e aumenta a complexidade da agenda política.

br betano com foguetinho BBC: Qual foi a influência da pandemiabr betano com foguetinhocovid-19 nessa deterioração da segurança pública da América Latinabr betano com foguetinhogeral?

br betano com foguetinho Feldmann: Muito grande. Observo o tema da migração e o efeito da pandemia foi desolador.

Ela empurrou milhõesbr betano com foguetinhopessoas para a informalidade e aumentou o nívelbr betano com foguetinhopoder das organizações sobre essa população informal: existe maior capacidadebr betano com foguetinhorecrutamento.

E, à medida que o Estado se debilita, esses grupos vão aumentando seu poder.

Com a hecatombe que vive a Venezuela, milhõesbr betano com foguetinhopessoas se deslocam através da América Latina. O Trembr betano com foguetinhoAragua [facção criminosa venezuelana] vê essa situação como uma oportunidade para desenvolver seu modelobr betano com foguetinhonegócio.

E o Clã do Golfo [organização colombiana] gerou milhõesbr betano com foguetinhodólares com o trânsitobr betano com foguetinhopessoas da Colômbia para o Panamá.

Geralmente, as condiçõesbr betano com foguetinhoempobrecimento e debilitação estatal trazem como consequência o fortalecimentobr betano com foguetinhomuitas organizações que possuem mais capacidadebr betano com foguetinhoadaptação do que os Estados.

br betano com foguetinho BBC: Neste contexto, muitos latino-americanos veem a mão fortebr betano com foguetinhoBukele [presidentebr betano com foguetinhoEl Salvador] ebr betano com foguetinhoguerra contra as gangues como modelo a ser copiado. E ganha força,br betano com foguetinhopaíses da região, a ideiabr betano com foguetinhoenvolver os militares na luta contra o narcotráfico.

br betano com foguetinho Uma pesquisa recente no Chile concluiu que 89% da população concordambr betano com foguetinhopermitir essa colaboração militar. Quais são os motivos?

br betano com foguetinho Feldmann: É um reflexo do desespero das pessoas.

O casobr betano com foguetinhoEl Salvador é muito expressivo. As pessoas chegaram ao pontobr betano com foguetinhoapoiar essas medidas draconianas do governobr betano com foguetinhoBukele, até quando eles próprios têm familiares presos.

É um poucobr betano com foguetinho"pão agora e fome amanhã", porque as mesmas pessoas que estão felizes porque os índicesbr betano com foguetinhohomicídiobr betano com foguetinhoEl Salvador baixaram podem ser expostas a outros tiposbr betano com foguetinhoproblemas.

Bukele durante discursobr betano com foguetinhoEl Salvador

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para Feldmann, as medidas 'draconianas' tomadas pelo presidente salvadorenho, Nayib Bukele, podem gerar outros problemas

Tomamos conhecimentobr betano com foguetinhouma situação que está ocorrendobr betano com foguetinhoEl Salvador, por exemplo,br betano com foguetinhoque a própria polícia está extorquindo os cidadãos.

Ela os chama e diz: "Vamos fazer uma batida nabr betano com foguetinhocasa, mas estamos dispostos a desistir se você nos der uma pequena quantia."

Estamos trocando um problema pelo outro, porque a corrupção basicamente não foi erradicada na polícia salvadorenha, mas ela recebeu total poder. Isso pode ser profundamente perigoso.

Não existem soluçõesbr betano com foguetinhocurto prazo e, politicamente, é muito complexo, pois as autoridades precisam mostrar que estão fazendo alguma coisa. E esse clamor da opinião pública por algum tipobr betano com foguetinhomedidabr betano com foguetinhoefeito se opõe, muitas vezes, às medidasbr betano com foguetinhomédio e longo prazo, que podem ser mais eficazes.

É preciso falar a verdade aos cidadãos, dizer que este é um problema complexo que exige grandes acordos nacionais, enorme maturidade política, concessõesbr betano com foguetinhotodos os setores políticos e o trabalho conjunto da polícia, do judiciário, da sociedade civil e dos políticos.

Só o que observamos é a culpa sendo jogadabr betano com foguetinhoum governo para outro, com o problema ficando muito maior.

br betano com foguetinho BBC: A tendência do uso dos militares no combate ao narcotráfico também é um sinalbr betano com foguetinhoque os Estados perderam o rumo na guerra contra as drogas?

br betano com foguetinho Feldmann: Não necessariamente. O que os Estados estão tentando fazer é aumentarbr betano com foguetinhocapacidade coercitiva, já que o aparato policial não é suficiente.

O problema é que, muitas vezes, os militares também não têm condiçãobr betano com foguetinhofazê-lo, pois é um temabr betano com foguetinhosegurança, ordem e é preciso ter alto nívelbr betano com foguetinhointeligência.

Será que o exército equatoriano, que não consegue sequer pagar os salários, está capacitado para combater organizações imensamente sofisticadas? Estão colocando o exércitobr betano com foguetinhouma situação insustentável.

O México é um caso muito específico. O Estado destacou as forças armadas e não foi capazbr betano com foguetinhoresolver o problema.

Não sabemos o que teria acontecido no México se as Forças Armadas não fossem convocadas. Mas sabemos que essa convocação aumentou os níveisbr betano com foguetinhoviolência.

Isso tem a ver com a estratégia adotada. Não é algo intrinsecamente ruim. É ruim quando se fazbr betano com foguetinhoforma apressada, sem planejamento e sem oferecer às Forças Armadas a capacidadebr betano com foguetinholevar a cabo um trabalho para qual elas não são treinadas.

br betano com foguetinho BBC: O livro também destaca, examinando estudosbr betano com foguetinhooutros acadêmicos, como Benjamin Lessing, que os políticos enfrentam um "trilema" no combate à criminalidade. Como assim?

br betano com foguetinho Feldmann: O trilema é que, no fundo, os políticos precisam escolher entre corrupção, violência e criminalidade. Não é possível eliminar estes três elementos ao mesmo tempo.

Muitas vezes, os políticos enfrentam grandes problemas para avançar simultaneamente nesses campos, pois, frequentemente, um dos elementos desse triângulo não pode ser combatido. É o que Lessing demonstroubr betano com foguetinhoforma muito fidedigna. E, politicamente falando, é muito forte.

br betano com foguetinho BBC: Ou seja, os países da América Latina precisam inexoravelmente optar por uma escalada da violência, do narcotráfico ou da corrupção?

br betano com foguetinho Feldmann: Exatamente, este é o argumentobr betano com foguetinhoLessing e a realidade deu razão a ele.

Você não pode eliminar as entidades criminosas dedicadas ao narcotráfico, reduzir a corrupção e diminuir a violência, simultaneamente. É impossível. Você precisa escolher um ou outro. E este é um grande problema.

Soldados revistam pessoasbr betano com foguetinhoQuito, Equador

Crédito, AFP

Legenda da foto, O Equador é um dos países da América Latina que apelou aos militares para conter uma ondabr betano com foguetinhocrescente violência

Estive lendo uma reportagem da BBC News Mundo sobre as dificuldades do governobr betano com foguetinhoGustavo Petro [presidente da Colômbia] para negociar com o Clã do Golfo. E, como menciona a pesquisadora, os colombianos entenderam que a única formabr betano com foguetinhoreduzir a influência das organizações criminais é pela negociação.

Mas, do pontobr betano com foguetinhovista político, isso traz uma imagem imensamente ruim e difícilbr betano com foguetinhotransparecer.

br betano com foguetinho BBC: Isso também ajudaria a explicar, por exemplo, por que a Argentina tem índicesbr betano com foguetinhohomicídio e violência per capita menores do que outros países da região?

br betano com foguetinho Feldmann: Parece que sim.

A polícia argentinabr betano com foguetinhoforma geral, exceto no casobr betano com foguetinhoRosário, mas sobretudo na região metropolitanabr betano com foguetinhoBuenos Aires, teve basicamente a capacidadebr betano com foguetinhoregular issobr betano com foguetinhoforma muito inteligente, com grandes níveisbr betano com foguetinhomaleabilidade.

Basicamente, os agentes estatais argentinos, que detêm o monopólio da coerção, negociam com os agentes criminosos e oferecem grausbr betano com foguetinhoindependência para fazer seus negócios,br betano com foguetinhotrocabr betano com foguetinhoredução dos níveisbr betano com foguetinhoviolência.

Ocorre que este equilíbrio é frágil e precário. Até agora, a Argentina conseguiu manter essas condições, o que não significa que isso irá continuar no futuro.

br betano com foguetinho BBC: O livro também falabr betano com foguetinhobenefícios que os políticos podem obter com a ação do crime organizado nos seus territórios. A que vocês se referem?

br betano com foguetinho Feldmann: Se você for o prefeitobr betano com foguetinhouma comunidade muito empobrecida, os recursos que esse tipobr betano com foguetinhoorganização oferece são importantes, porque irão gerar trabalho e um poucobr betano com foguetinhoestabilidade.

O que as autoridades não querem é a violência, que chame a atenção. Desde que seja algo discreto, elas estão dispostas a olhar para o outro lado.

br betano com foguetinho BBC: Com tudo isso,br betano com foguetinhotermos informais, alguém pode pensarbr betano com foguetinhouma espéciebr betano com foguetinhogrande "cambalacho" na América Latina, com a integração entre os interesses dos políticos e dos criminosos e da economia legal com a ilegal...

br betano com foguetinho Feldmann: Esta é a questão. Em todas as sociedades acontece algo deste tipo.

O que estamos observando na América Latina é que a proporção da economia ilegal e informal sobre o total da economia é muito maior.

Mercado informal nas ruas da Venezuela

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O alto nívelbr betano com foguetinhoinformalidade da economia dos países latino-americanos pode favorecer as atividades do crime organizado, segundo Feldmann

A áreabr betano com foguetinhoque a política criminal intervém possui envergadura muitíssimo maior. Por isso, defendemos que este é definitivamente um problemabr betano com foguetinhodesenvolvimento.

br betano com foguetinho BBC: O livro destaca que a política antidrogas está há décadas no topo da agenda entre a América Latina e os Estados Unidos, que "impôsbr betano com foguetinhovisão específica" sobre o narcotráfico. E recorda que,br betano com foguetinho2020, um grupobr betano com foguetinhoex-presidentes da região pediu mudanças da estratégia da "guerra às drogas", que era considerada fracassada. Existe algum sinalbr betano com foguetinhoque essa mudança possa ocorrer?

br betano com foguetinho Feldmann: Não. A verdade é que os Estados Unidos operam com enormes níveisbr betano com foguetinhoinércia frente a este assunto.

Não existe uma estratégia clara e eles próprios enfrentam grandes dificuldades para abordar o problema. Não vejo maiores fatores que levem a mudanças.

No livro, nós nos concentramos no narcotráfico. Mas existem muitos outros tiposbr betano com foguetinhoeconomia ilegal presentes na região.

Essas organizações estão diversificando seus negócios e se tornando cada vez mais complexas e sofisticadas,br betano com foguetinhoforma que o narcotráfico é apenas um elemento.

O fato é que é preciso observar como funcionam nossas sociedades e nossa economia. A droga é importante porque gera grandes lucros. Mas existe uma sériebr betano com foguetinhooutras indústrias ilícitas. E não se pode culpar os Estados Unidos por isso.

O desmatamento da Amazônia e a mineração ilegal no Peru são problemas domésticos. Precisamos nos olhar no espelho e dizer que os fatores condicionantes dos nossos próprios países estão gerando incentivos perversos para o envolvimento dessas organizações.

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