'Minha religião permite o aborto': as judias e muçulmanas que brigam na Justiça por direitoakamon ludijogosabortar nos EUA:akamon ludijogos

Ativistas pelos direitos ao aborto e contra-manifestantes protestamakamon ludijogosfrente à Suprema Corte dos EUA

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Ativistas pelos direitos ao aborto e contra-manifestantes protestamakamon ludijogosfrente à Suprema Corte dos EUAakamon ludijogosjunhoakamon ludijogos2023

Segundo o instituto Brennan Center for Justice, ligado à Universidadeakamon ludijogosNova York, desde a decisão da Suprema Corte, já foram movidos pelo menos 38 processos contestando a proibição do abortoakamon ludijogos23 Estados.

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Calcula-se que pelo menos 15 dessas ações usem o argumentoakamon ludijogosque as restrições infringem as garantiasakamon ludijogosliberdade religiosa ou a separação entre religião e Estado.

Esses processos alegam que as leis violam o direito ao livre exercício da religião, tantoakamon ludijogosmulheres cuja crença permitiria o aborto, quantoakamon ludijogoslíderes religiosos, já que as proibições interferem emakamon ludijogoscapacidadeakamon ludijogosaconselhar seus fiéis sobre o tema.

Outro ponto alegadoakamon ludijogosalguns casos é oakamon ludijogosque as proibições incorporam uma ideologia cristã conservadora nas leis estaduais.

Defensores e autores dessas leis muitas vezes citam explicitamente a crençaakamon ludijogosque a vida começa no momento da concepção (na união do espermatozoide com o óvulo) para justificar a proibição ao aborto.

No entanto, várias mulheres e líderes religiosos afirmam não compartilhar dessa crença, que pertence a certos grupos cristãos.

"Embora algumas religiões acreditem que a vida humana começa na concepção, esta não é uma opinião compartilhada por todas as religiões ou por todas as pessoas religiosas", ressaltam advogados da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na siglaakamon ludijogosinglês), que representam os autoresakamon ludijogosuma ação coletivaakamon ludijogosIndiana.

Lisa Sobel, Jessica Kalb e Sarah Baron (na foto com seus advogados)

Crédito, Cortesia/Meagan Jordan Photography

Legenda da foto, Lisa Sobel, Jessica Kalb e Sarah Baron (na foto com seus advogados) são judias e contestam as leis do Kentucky, que estão entre as mais restritivas dos EUA

Crença judaica

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Uma das ações é movida por Lisa Sobel, Jessica Kalb e Sarah Baron, três mulheres judias na faixa dos 30 anos, que têm filhos e precisariamakamon ludijogosfertilização in vitro para engravidar novamente.

Elas contestam as leis do Kentucky, que estão entre as mais restritivas do país e proíbem o aborto mesmoakamon ludijogoscasosakamon ludijogosincesto ou estupro, a não ser para evitar riscos graves à saúde da gestante.

Sobel,akamon ludijogos39 anos, diz à BBC News Brasil que entrou na Justiça não porque não quer mais filhos, mas exatamente porque tem vontadeakamon ludijogosaumentar a família.

Quando deu à luzakamon ludijogosfilha,akamon ludijogos2019, já havia passado por duas rodadasakamon ludijogosfertilização in vitro para conseguir engravidar e, após o parto, sofreu hemorragia grave e necessitouakamon ludijogostransfusãoakamon ludijogossangueakamon ludijogosemergência

Sobel e o marido são membros ativosakamon ludijogosuma sinagoga reformista. De acordo comakamon ludijogoscrença judaica, o aborto seria permitido para preservar a saúde física ou mental da gestante e até exigido se o feto não for sobreviver após o nascimento.

"Nossa crença judaica éakamon ludijogosque a vida não começa na concepção, mas sim no primeiro suspiro (no nascimento)", diz Sobel à BBC News Brasil.

"Eakamon ludijogosque minha vida (da gestante) tem precedência sobre o feto, e isso é importante, porque preservar a minha vida me permitiria cuidar da minha filha e,akamon ludijogosteoria, me permitiria ter outros filhos."

Sobel afirma, no entanto, que, se tiver complicaçõesakamon ludijogosuma nova gestação, não terá acesso a um aborto.

Diz ainda que, se após fertilização in vitro, precisar descartar embriões excedentes, poderia ser punida pelas leis do Kentucky, que consideram que a vida começa na concepção e são ambíguas, deixando incertezasakamon ludijogosrelação à fertilização in vitro.

Muitas vezes, para mulheres judias devotas, a decisãoakamon ludijogosinterromper uma gravidez é tomada após consulta com seu rabino.

Mas, no casoakamon ludijogosEstadosakamon ludijogosque o procedimento é proibido, mesmo que o rabino recomende, elas não teriam essa opção.

"Nossas clientes querem praticarakamon ludijogosreligião. E o judaísmo comanda ser fecundo e se multiplicar", diz à BBC News Brasil o advogados Aaron Kemper, afirmando que as leis as impedemakamon ludijogosficar grávidasakamon ludijogosuma maneira que estejaakamon ludijogosacordo com suas crenças religiosas.

"Como parte dessa religião, elas querem fazer o que for preciso para ter mais filhos."

Crença islâmica

Outro processo que vem gerando atenção foi iniciadoakamon ludijogosIndiana pelo grupo Hoosier Jews for Choice, que diz defender o acesso ao aborto no Estadoakamon ludijogosações "guiadas pelos valores judaicos", e por cinco mulheres anônimas, entre elas três judias, uma muçulmana, e uma que segue o que é descrito como um "sistemaakamon ludijogoscrenças espirituais independentes".

A leiakamon ludijogosIndiana só permite o abortoakamon ludijogoscasosakamon ludijogosestupro, incesto, riscos graves à saúde física da gestante ou se o feto tiver uma anomalia letal.

O processo judicial foi posteriormente reconhecido como uma ação coletiva,akamon ludijogosnomeakamon ludijogostodas as pessoas do Estado cujas crenças religiosas as orientariam a obter um abortoakamon ludijogossituações que são proibidas por lei.

Uma das autoras anônimas, que será identificada aqui pela inicial A., é uma muçulmanaakamon ludijogos24 anos, recém-formada na universidade, que não é casada, não tem filhos e nem pretende ter.

Ela e as outras autoras do processo dizem temer engravidar e, por conta das proibições estaduais, não ter acesso a um aborto caso necessitem, mesmo que fosse autorizado ou orientado por suas religiões.

A. diz que "há uma variedadeakamon ludijogospontosakamon ludijogosvista entre os muçulmanos sobre quando precisamente a vida começa e as circunstâncias sob as quais o aborto é obrigatório, recomendado ou permitido pelo Islã".

Também diz acreditar que, "conforme os ensinamentos do Islã, a vida da gestante, incluindo o seu bem-estar geral, sempre tem precedência sobre o feto".

Como tem doençaakamon ludijogosCrohn (que afeta o aparelho digestivo), ela toma medicamentos que não são recomendados durante gravidez e diz ter risco maiorakamon ludijogosaborto espontâneo ou outras complicações.

A. evita fazer um controleakamon ludijogosnatalidade com hormônios por temer efeitos colaterais devido aakamon ludijogosdoença e diz que a única maneiraakamon ludijogosgarantir que não precisaráakamon ludijogosum aborto é "se absterakamon ludijogosrelações sexuais".

Os advogadosakamon ludijogosA. dizem que, como muçulmana, "entre suas crenças está aakamon ludijogosque a vida não começa na concepção" e que "até que o feto ganhe consciência, ou talvez uma alma, chamadaakamon ludijogosruhakamon ludijogosárabe, o feto é apenas parte do corpo da mãe".

O texto da ação menciona que "pela tradição islâmica, o ruh é soprado no útero por volta dos 120 diasakamon ludijogosgestação".

"Estudiosos muçulmanos indicam que, dentroakamon ludijogos40 dias após a concepção, é apropriado buscar um aborto por qualquer motivo, incluindo motivos não autorizados (pela leiakamon ludijogosIndiana)", dizem os advogados.

"(Após 40 dias), o aborto ainda pode ser obtido se houver necessidade urgente que o justifique aos olhos da lei islâmica, incluindo a saúde física ou mental da mãe."

Lisa Sobel

Crédito, Cortesiaakamon ludijogosLisa Sobel/Meagan Jordan Photography

Legenda da foto, Lisa Sobel,akamon ludijogos39 anos, diz que entrou na Justiça não porque não quer mais filhos, mas exatamente porque tem vontadeakamon ludijogosaumentar a família.

Divisões no cristianismo

Também no cristianismo há divisões. Nos Estados Unidos, a Igreja Católica, a Assembleiaakamon ludijogosDeus, a Igreja Mórmon e a Convenção Batista do Sul estão entre as que condenam o aborto completamente.

Outras, como Episcopal, Evangélica Luterana na América, Unidaakamon ludijogosCristo e Metodista Unida permitem o procedimentoakamon ludijogossituações que são proibidasakamon ludijogosvários Estados.

Alguns processos contestam a "linguagem abertamente religiosa" nas leis do aborto.

No Missouri, o grupo Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado e o Centro Nacionalakamon ludijogosDireito da Mulher moveram açãoakamon ludijogosnomeakamon ludijogoslíderesakamon ludijogossete denominações, entre eles das igrejas Unidaakamon ludijogosCristo, Metodista Unida e Associação Unitária Universalista, rabinos e um bispo episcopal.

Segundo os autores, a lei interfere emakamon ludijogosliberdade religiosa, demonstra preferência por uma religião e viola a Constituição do Estado.

Eles citam, entre outros pontos, um trecho da lei que diz que "Deus Todo-Poderoso é o autor da vida" e pronunciamentosakamon ludijogoslegisladores nos debates, ressaltando a fé cristã e a crençaakamon ludijogosque a "vida começa na concepção".

Na Flórida, a lei que proíbe o aborto a partirakamon ludijogos15 semanasakamon ludijogosgestação foi contestadaakamon ludijogosações movidas por rabinos, líderes budistas e das igrejas Episcopal, Unidaakamon ludijogosCristo, Associação Unitária Universalista e outras denominações.

Um dos argumentos é oakamon ludijogosque a lei interfere no direito ao livre exercício da religião, garantido na Constituição, e ameaça a separação entre Igreja e Estado.

"Desde tempos imemoriais, as questõesakamon ludijogosquando um feto se torna uma vida e como valorizar a vida materna na gravidez têm sido respondidasakamon ludijogosacordo com crenças e credos religiosos", dizem os autores.

"(A lei) codifica um entre os possíveis pontosakamon ludijogosvista religiosos sobre a questão e, emakamon ludijogosoperação, impõe encargos severos aos fiéisakamon ludijogosoutras crenças."

Segundo os processos, a lei "estabelece uma elevação perniciosa dos direitos legais dos fetos enquanto, ao mesmo tempo, desvaloriza a qualidadeakamon ludijogosvida e a saúde da gestante" e está "em conflito direto com as obrigações clericais e a fé" dos autores.

Algumas das ações, comoakamon ludijogosIndiana e Kentucky, citam as chamadas leisakamon ludijogosRestauração da Liberdade Religiosa (RFRA, na siglaakamon ludijogosinglês) desses Estados, que proíbem o governoakamon ludijogos“onerar substancialmente a liberdade religiosaakamon ludijogosuma pessoa”, a não ser que se comprove ter "razão convincente" e use o meio "menos restritivo" para isso.

'Liberdade religiosa vale para todos?'

Suprema Corte dos EUA

Crédito, Getty

Legenda da foto, Em 2022, a Suprema Corte dos EUA anulou o direito constitucional ao aborto, abrindo caminho para que Estados proibissem o procedimento quase completamente.

As RFRA, principalmenteakamon ludijogosEstados dominados por legisladores conservadores, foram criticadas na épocaakamon ludijogossua aprovação por abrirem a possibilidadeakamon ludijogosque a religião fosse usada para discriminar determinados grupos.

Pela RFRA, uma pessoa pode buscar isençãoakamon ludijogosuma lei ao alegar que "sobrecarrega substancialmente" o exercícioakamon ludijogossua fé.

Kemper, o advogado do Kentucky, diz à BBC News Brasil que a RFRA tem sido usada com sucesso “principalmente por cristãos conservadores”.

Ele cita o exemplo do início da pandemiaakamon ludijogoscovid-19, quando o governo estadual ordenou que serviços não essenciais fossem fechados, mas igrejas ganharam na Justiça isenção para reabrir usando a RFRA e o argumentoakamon ludijogosliberdade religiosa.

"Queremos saber se a lei e a liberdade religiosa se aplicam a todas as religiões ou apenas a um grupoakamon ludijogoscristãos", afirma Kemper.

Segundo Christine Ryan, diretora associadaakamon ludijogosReligião e Direitos Reprodutivos do projetoakamon ludijogosDireito e Religião da Universidade Columbia,akamon ludijogosNova York, o argumento da liberdade religiosa para defender o acesso ao aborto não é novo nos Estados Unidos.

Nas décadasakamon ludijogos1960 e 1970, antesakamon ludijogosa Suprema Corte garantir o direito constitucional ao aborto, rabinos, líderesakamon ludijogosalgumas denominações protestantes eakamon ludijogosoutras religiões já usavam o argumento contra proibições estaduais.

Calcula-se que esses líderes religiosos também tenham ajudado maisakamon ludijogosmeio milhãoakamon ludijogosmulheres a interromper a gravidez, mesmoakamon ludijogosEstados onde era ilegal.

"Nos tribunais, a liberdade religiosa foi articulada como um direito que impugnava as restrições ao aborto, com dois argumentos principais:akamon ludijogosque as proibições violavam a separação entre Igreja e Estado e a cláusula da Constituição que garante o livre exercício da religião", diz Ryan à BBC News Brasil.

A partirakamon ludijogos1973, quando a Suprema Corte garantiu o direito constitucional ao abortoakamon ludijogostodo o país, o argumentoakamon ludijogosliberdade religiosa passou a ser empregado cada vez mais por conservadores cristãos, tantoakamon ludijogosações para restringir o procedimento quantoakamon ludijogosoutros temas.

Vários Estados passaram a permitir, por exemplo, que profissionaisakamon ludijogossaúde se recusassem a participarakamon ludijogosabortos por motivos religiosos.

'Desafiando a narrativa dominante'

Entre os casos vitoriosos na Suprema Corte nos últimos anos estão desde oakamon ludijogosempregadores que não queriam que seu planoakamon ludijogossaúde pagasse por contraceptivos, alegando motivos religiosos, até oakamon ludijogosum confeiteiro que desafiou leis antidiscriminação e se recusou a fazer um boloakamon ludijogoscasamento para um casal gay, já queakamon ludijogoscrença religiosa condenava esse tipoakamon ludijogosunião.

Um dos pontos destacadosakamon ludijogosdecisões do tipo é oakamon ludijogosque colocar interesses seculares ou médicos acimaakamon ludijogosinteresse religiosos interfere na garantiaakamon ludijogoslivre exercício da religião, prevista na Constituição federal e nas constituições estaduais.

Especialistasakamon ludijogosDireito salientam o fatoakamon ludijogosque as leisakamon ludijogosaborto estaduais trazem exceções por razões seculares, como permitir o procedimento caso a vida da gestante estejaakamon ludijogosrisco ou,akamon ludijogosalguns Estados,akamon ludijogoscasoakamon ludijogosestupro ou incesto.

Ao garantir essas exceções por motivos seculares, o governo estaria enfraquecendo seu argumento para negar exceções por motivos religiosos.

Ryan diz que os novos processos judiciais também são importantes porque, na maioria dos casos, os autores são simplesmente indivíduos que sentem que, devido aakamon ludijogosfé religiosa, devem ter acesso a um aborto ou, no casoakamon ludijogoslíderes religiosos, ajudar alguém a obter o procedimento.

"Estão desafiando a narrativa dominanteakamon ludijogosque a religião é (sempre) contra o aborto", afirma Ryan.

"Os tribunais não tiveram problemasakamon ludijogosaceitar a religiosidade das reivindicações contra o aborto. Para defender a liberdade religiosaakamon ludijogosforma neutra, devem tratar estas reivindicações com (a mesma) seriedade."