Guerra do Paraguai, 160 anos: as descobertas que contradizem o que a escola ensinou sobre o conflito sangrento:mines zepbet
"Onde está qualquer documento que prove que foi a Inglaterra? Não existe um documento oficial, não existe nada que mostre que o governo inglês tinha interessemines zepbetfazer uma guerra na região", diz o historiador Francisco Doratioto, professor aposentado da Universidademines zepbetBrasília (UnB). O especialista concedeu entrevista à BBC News Brasil na manhãmines zepbetterça-feira (10/12).
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A visão contemporânea que se tem do conflito, deflagrado oficialmente com a declaraçãomines zepbetguerra do Paraguai ao Brasilmines zepbet13mines zepbetdezembromines zepbet1864, véspera da invasão das forças do país vizinho à então província do Mato Grosso, é aquela que foi construída por historiadores como Doratioto depoismines zepbetminuciosa pesquisamines zepbetdocumentos históricos paraguaios, brasileiros, argentinos, uruguaios e ingleses.
Em 2002, o historiador lançou seu mais conhecido livro: Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai, consolidando-se como autoridade no tema. Outros estudiosos que foram reconhecidos pela reescrita da história dessa guerra foram os historiadores Ricardo Salles (1950-2021) e,mines zepbetforma pioneira, Moniz Bandeira (1935-2017).
A Guerra do Paraguai duroumines zepbetdezembromines zepbet1864 a marçomines zepbet1870. De um lado estava a pequena República do Paraguai, com cercamines zepbet400 mil habitantes. De outro, a Tríplice Aliança formada por Brasil, Argentina e Uruguai — juntos, somavam pouco maismines zepbet11 milhõesmines zepbethabitantes.
O resultado foi arrasador. Calcula-se que a população paraguaia tenha se reduzido para menosmines zepbet190 mil pessoas. "90% dos homens morreram", afirma Doratioto. "Do sexo masculino, sobraram apenas idosos e crianças."
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Doratioto explica que a versão outrora ensinada no Brasil acabou se tornando a mais conhecida e difundida no país, sobretudo por conta da ditadura militar. E seu registro mais popular foi o livro Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai, publicadomines zepbet1979,mines zepbetautoria do jornalista Júlio José Chiavenato.
"Ele não é historiador e comete errosmines zepbetmetodologia que qualquer alunomines zepbetgraduação [se o fizesse] não seria aprovado na matéria", aponta Doratioto. "Mas tem o grande méritomines zepbetreviver o tema que estava abandonado pelos historiadores e por militares que vinham com uma visão ufanista e oficial da guerra."
Nessa obra, nota-se que o autor tenta passarmines zepbetindignação pelas crueldades cometidas pela guerra. "Ele vai pelos corações e ganha pela emoção", analisa Doratioto. "Na época, ao ler aquilo, eu achei correto."
Tanto que o historiador foi um dentre a imensa maioriamines zepbetsua geração que contava essa versão nas salasmines zepbetaula, quando professormines zepbetcolégiosmines zepbetSão Paulo.
"Eu ensinei isso", admite. "Lembro-me que tinha um aluno brilhante que, no finalmines zepbetuma aula, me perguntou: mas, professor, se a Inglaterra queria acesso ao mercado paraguaio e fez a guerra para ter esse acesso, qual era a lógicamines zepbetdestruir esse mercado?"
O revisionismo que trouxe à tona essa narrativa, na época, tinha um foco: desmoralizar os militares que autoritariamente chefiavam o país. E,mines zepbetquebra, criticar a influência imperialistamines zepbetforças estrangeiras.
"No momento históricomines zepbetque aquilo foi escrito,mines zepbetpleno regime militar, os setores democráticos da sociedade tinham perdido o espaço", contextualiza.
"De repente apareceu um livro que dizia que o Caxias, que é o patrono do Exército brasileiro, tinha feito praticamente crimesmines zepbetguerra, mandando jogar cadáveres coléricos no rio Paraguai para contaminar tropas paraguaias", comenta Doratioto. "O livro desmoralizava os ícones do regime militar. Dava à guerra ideológica uma vantagem contra o regime militar."
Nesse exemplo trazido pelo historiador, a narrativa émines zepbetque o marechal Luís Alvesmines zepbetLima e Silva (1803-1880), o Duquemines zepbetCaxias, que comandava as tropas brasileiras no Paraguai, teria determinado que os corpos daqueles que haviam morrido por uma epidemiamines zepbetcólera que matou 4 milmines zepbetseus soldados fossem jogados no rio Paraguai, nos arredoresmines zepbetHumaitá, para que contaminassem os soldados paraguaios entrincheirados a quilômetros alimines zepbetuma guerra biológica.
Mas Doratioto aponta contradições: a primeira,mines zepbetcunho geográfico. O sentidomines zepbetque corre o rio é contrário ao que faria sentido nessa narrativa. "Os cadáveres nadaram contra a corrente? Isto é absurdo", provoca o historiador.
O outro é o fatomines zepbetque os militares tinham o costumemines zepbetqueimar ou enterrar os que morriam durante as campanhas. "Como era uma região pantanosa, a água do rio acabou contaminada. E isso provocou a epidemia que matou ainda mais soldados brasileiros", explica ele.
Em carta destinada à mulher, Caxias lamentou que havia perdido "um exército" antes mesmomines zepbetentrarmines zepbetcombate, já que quase 4 mil soldados brasileiros morrerammines zepbetcólera no episódio.
Outro problema da narrativa difundida por Chiavenato foi pintar o Paraguai como um paísmines zepbetoutro patamarmines zepbetdesenvolvimento, com industrialização avançada, ferrovias e uma sociedade baseada na justiça social.
"Indústria pesada no Paraguaimines zepbet1864? Praticamente não existia. Tinha uma fundição. Protossocialismo? Como protossocialismo? Era uma estruturamines zepbetexploração do camponês que colhia erva-mate e mesmo pela lógica marxista havia uma, entre aspas, mais-valia apropriada pelo Estado paraguaio do camponês", exemplifica.
Para Doratioto, a ideiamines zepbetmirar no imperialismo inglês e vilanizá-lo pelas crueldades da guerra também encontra justificativa no cenário da ditadura. A esquerda ideológica brasileira tinha como inimigo o imperialismo norte-americano, pois os Estados Unidos apoiaram o golpemines zepbet1964 e os governos militares da região. Assim, mudava-se o protagonista, mas havia uma mesma semântica para configurar o "inimigo".
Se essa versão revisionista da história se tornou popular no Brasil por conta da esquerda, o curioso é que na Argentina ela se consolidou pela direita.
"[No país vizinho, essa narrativa] É basicamente o pensamento autoritário da direita xenófoba que vem desde as décadamines zepbet1920 e 1930, um pensamento que se constrói contra os ingleses, contra o imperialismo inglês", afirma. "E no Brasil ele é reciclado frente a um sentimento anti-Estados Unidos."
Por que a guerra?
Desde amines zepbetindependência,mines zepbet1811, o Paraguai vivia uma situação atípica. Encurralado e sem acesso ao mar, tinha dificuldade para escoar internacionalmente seus produtos — erva-mate e madeira, basicamente.
No centro do continente e sem oferecer as riquezas que eram importantes no mundo colonial, ou seja, metais preciosos, o Paraguai já havia experimentado um certo isolamento durante o domínio espanhol. Isso impactou na formaçãomines zepbetsua sociedade.
"Era e ainda é a única sociedade na América do Sul bilíngue, com a cultura guarani entranhada na cultura do colonizador", exemplifica Doratioto.
Além disso, a população feminina era maior do que a masculina. Isso se dava justamente porque, com a faltamines zepbetouro e prata, o território acabou se tornando pontomines zepbetpassagem para o contrabando — as mulheres se fixavam, mas os homens iam e vinham.
Com a independência das antigas colônias hispânicas, a elitemines zepbetBuenos Aires "tentou se tornar um centromines zepbetpoder", explica o historiador. "Eles buscavam manter subordinadas a ela todas as províncias do antigo Vice-reino do Rio da Prata, ou seja, Uruguai, Bolívia e Paraguai", diz ele.
O Paraguai se recusou e acabou sozinho.
No comando do país estava o ditador Gasparmines zepbetFrancia (1766-1840). "Ele estabeleceu uma ditadura impressionante, quase surrealista", analisa Doratioto. "Para se ter uma ideia, ele rompeu com Roma e estabeleceu uma Igreja Católica própria. E proibiu casamento interculturais, prendeu parte da elite…"
O isolamento sul-americano só fortaleceu seu regime, pois acabava justificando a necessidademines zepbetseu poder autoritário e centralizado.
Seu sucessor foi Carlos Antonio López (1790-1862) que, segundo Doratioto, "tinha uma visão muito clara da situação" complicada que enfrentava o país. "Ele tenta abrir o Paraguai, controladamente", comenta.
Nesse processo, ganhou o apoio do Império Brasileiro. Que também tinha seus interesses: não queria que a Argentina fosse tão poderosa, no xadrez geopolítico que se desenhava na América do Sul.
López decidiu criar uma elite preparadamines zepbetseu país. Financiou o enviomines zepbetduas dezenasmines zepbetjovens para estudar na Europa, contratou uma empresa inglesa para representar os interesses paraguaios junto às grandes potências e começava a investirmines zepbetmaterial bélico. Ele também contratou técnicos ingleses para fazer obras pontuaismines zepbetinfraestruturamines zepbetseu território.
"Mas o Paraguai era um país agrícola, não tinha escolasmines zepbetnível superior, tinha apenas uma fundiçãomines zepbetferro e uma pequena ferrovia que ligava Assunção a um acampamento militar e que foi a terceira da América Latina", aponta.
A modernização experimentada pelo Paraguai, segundo o historiador, tinha finalidades apenas militares,mines zepbetdefesa. Não visava a uma sociedade igualitária ou à justiça social.
Commines zepbetmorte, a presidência foi assumida pelo filho, Francisco Solano López (1827-1870). Que, menos pragmático do que o pai, acabou sendo o autor da declaraçãomines zepbetguerra que tornaria o conflito entre os países sul-americanos inevitável.
De acordo com o historiador Moniz Bandeira, a motivação do conflito foimines zepbetnatureza econômica. Naquela décadamines zepbet1860, o isolado Paraguai estava sem caixa para continuar o tímido porém calculado projetomines zepbetmodernização empreendido por López pai.
"Para aumentar as exportações, o Paraguai precisava achar uma saída para o mar", resume Doratioto. O historiador, contudo, comenta que mesmo se esse acesso fosse possível o país teria dificuldades. "Era um pequeno paísmines zepbetagriculturamines zepbettécnicas medievais. E nenhum agricultor [paraguaio] tinha interessemines zepbetproduzir mais para a exportação. Eram agricultoresmines zepbetsubsistência,mines zepbetum nível muito baixo."
O investimento inglês
Um dos achadosmines zepbetDoratioto que indicam que a Grã-Bretanha não queria uma guerra na América do Sul é uma carta do diplomata Edward Thornton, então o embaixador britânico na Argentina e no Paraguai — baseadomines zepbetBuenos Aires, já que Assunção não contava com este posto.
Dirigindo-se ao chanceler paraguaio José Berges, o inglês escreveu que "a Inglaterra também estámines zepbetatritos com o Brasil" e que "particularmente sim, se puder servir, no mínimo que seja, para contribuir para a reconciliação dos dois países [Paraguai e Brasil], espero que Vossa Excelência não hesitemines zepbetme utilizar".
A carta é datadamines zepbet7mines zepbetdezembromines zepbet1864, cinco dias antes da declaraçãomines zepbetguerra emitida pelo governo paraguaio.
Um dos principais pontos da historiografia revisionista é dizer que a prova do interesse e do envolvimento inglês seria o fatomines zepbetque houve financiamento da potência europeia nas campanhas brasileira e argentina que acabariam dizimando metade do Paraguai.
De fato, esses empréstimos ocorreram. Mas Doratioto tem argumentos para contextualizar esse fato. "A lógica do capital não tem nacionalidade nem patriotismo. O capital estámines zepbetbuscamines zepbetremuneração e garantia", pontua. "Banqueiros ingleses emprestaram para o Brasil e para a Argentina, claro. Vão emprestar para o Paraguai, um país isolado no interior do continente, sem acesso ao mercado externo, sem ouro e fazendo guerra contra três países por iniciativa própria?"
Ele ainda lembra que esse financiamento inglês nem foi tão representativo como se imagina para o lado brasileiro da guerra. Segundo o historiador, cercamines zepbet12% das despesasmines zepbetguerra do Brasil foram bancadas com empréstimos estrangeiros, apenas.
Violência militar
Sobre as atrocidades da guerra cometidas por Duquemines zepbetCaxias e suas tropas, Doratioto concorda que elas foram ressaltadas para manchar a imagem do patrono do Exército no contexto da ditadura. Mas ele as confirma.
Em seu livro, por exemplo, o historiador conta que os combatentes brasileiros chegaram a matar crianças que se passavam por soldados nas trincheiras paraguaias.
"Guerra é sempre uma selvageria. As acusações contra o Caxias fazem partemines zepbetuma dialética da guerras: todos os chefes militaresmines zepbetcombate deram ordem para matar, até a Segunda Guerra vencia uma guerra quem matava mais", argumenta.
Doratioto avalia que a figura histórica do Duquemines zepbetCaxias "até hoje não foi suficientemente explorada pelos historiadores". E entende que "desmoralizá-lo", na época da ditadura, "era desmoralizar o regime militar".