96% homens, 48% pardos, 30% sem julgamento: o perfil dos presos no Brasil:aposta ao vivo

Fotografia aérea mostra páticoaposta ao vivoprisão onde está pintada a bandeira do Brasil com presos jogando bola

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O Brasil é o 3º país que mais prende no mundo

Os últimos dados são do 1º semestreaposta ao vivo2024.

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Considerando não apenas as celas físicas, mas também as pessoasaposta ao vivoprisão domiciliar ou monitoramento eletrônico, o númeroaposta ao vivopessoas com restriçãoaposta ao vivoliberdade no Brasil sobe para 888 mil.

A população carcerária brasileira é uma das maiores do mundoaposta ao vivonúmeros absolutos.

Apenas Estados Unidos, com 1,76 milhãoaposta ao vivopresos, e China, com 1,69 milhão, têm mais presidiários, segundo o World Prison Brief, levantamento mundial do Institute for Crime and Justice Research e da Birkbeck Universityaposta ao vivoLondres.

"Nos últimos anos, no Brasil, tem havido uma políticaaposta ao vivoendurecimento contra o crimeaposta ao vivogeral sem que se faça um estudo mais aprofundado das razões que levam à prática do crime", afirma Hugo Almeida, membro da Comissãoaposta ao vivoPolítica Penitenciária da OAB/SP e pesquisador afiliado ao IBCCrim (Instituto Brasileiroaposta ao vivoCiências Criminais).

"Vão se criando leis que aumentam o tempoaposta ao vivopena e criam mais dificuldades para que essas pessoas que estão presas saiam dessa condição", diz Almeida.

"É um alargamento da portaaposta ao vivoentrada e um estreitamento da portaaposta ao vivosaída das pessoas do sistema penal. E o resultado é obviamente uma inflação da população carcerária."

Presos sem julgamento

Um dado importante é que boa parte dessas pessoas sequer chegou a ser condenada: quase 30% das pessoas encarceradas no Brasil estãoaposta ao vivoprisão provisória — são 183 mil aguardando julgamento.

"Isso é uma violação muito graveaposta ao vivodireitos", afirma Gabriel Sampaio, ex-membro do Conselho Nacionalaposta ao vivoPolítica Criminal e Penitenciária.

Pela legislação, as prisões preventivas deveriam acontecer apenasaposta ao vivoúltimo caso e deveriam ser avaliadas no máximo a cada três meses para evitar que pessoas inocentes fiquem presas desnecessariamente. Mas na prática isso não acontece.

"Se a pessoa é condenada, esse tempo é retirado da pena dela. Mas se a pessoa é absolvida, ninguém devolve esses meses — e às vezes anos — que ela passou encarcerada sendo inocente", diz Sampaio, que também é diretoraposta ao vivolitigância e incidência da Conectas, entidadeaposta ao vivodefesaaposta ao vivodireitos humanos.

Homens jovens, negros e com baixa educação formal

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Cercaaposta ao vivo48% da população carcerária é composta por pardos e cercaaposta ao vivo15,6% são preto, enquanto brancos compõem 28%. Amarelos são menosaposta ao vivo1% e indígenas são 0,1%. Para o restante — cercaaposta ao vivo44 mil pessoas —, o sistema não tem informações sobre a raça.

Somados, pretos e pardos respondem por 63% das pessoas encarceradas, enquanto compõem 55,5% da população.

Essa discrepância, segundo os pesquisadores, expõe o racismo estrutural do país, ou seja, uma discriminação histórica que dificultaria a ascensão socialaposta ao vivonegros.

"Os números são um retratoaposta ao vivoum sistema que atinge desproporcionalmente homens jovens e negros e cuja raiz é histórica", diz Sampaio.

"Temos que lembrar da ausênciaaposta ao vivopolíticas públicas para integração da sociedade dos negros depois da escravidão. A legislação penal foi e é usada no Brasil, desde os primeiros códigos penais, para criminalizar a população negra."

Existe uma seletividade penal na Justiça brasileira, afirma Sampaio, que faz com que crimes cometidos por pessoas brancas sejam menos punidos.

"Crimes contra a Previdência, corrupção e fraudes no pagamento do fundoaposta ao vivogarantia — cuja proporçãoaposta ao vivotermos pecuniários é maior do que um furto — não recebem o mesmo tratamento do Estado", afirma Sampaio.

Pésaposta ao vivopessoa negraaposta ao vivochinelo usando tornozeleira eletrônica

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Ampliar alternativas penais para crimes não violentos ajudaria a diminuir a crise crônica no sistema carcerário, diz Gabriel Sampaio

Segundo Hugo Almeida, essa seletividade na criminalização, ou seja, essa escolha do que o Estado decide punir com mais rigor e onde o Estado decide aplicar a lei se refletem tambémaposta ao vivooutro dado: o fatoaposta ao vivoque a grande maioria dos presos têm baixa escolaridade.

Cercaaposta ao vivo44% dos presos não completaram o ensino fundamental e outros 6% sequer chegaram a ter qualquer nívelaposta ao vivoeducação formal.

Tráfico e crimes contra o patrimônio

Os dados mostram que o tráficoaposta ao vivodrogas é o crime que mais leva pessoas à prisão no Brasil.

Havia cercaaposta ao vivo173 mil pessoas presas por esse crime no 1º semestreaposta ao vivo2024, quase 24% do total.

No entanto, após a decisão do STF que descriminalizou o porteaposta ao vivoaté 40 gramasaposta ao vivomaconha,aposta ao vivojunho, espera-se uma diminuição das pessoas presas por tráfico, ainda que a liberação não seja automática.

A Justiça precisa analisar caso a caso os pedidosaposta ao vivoliberdade.

Dependendo do caso, explica Almeida, pode ser necessária pedir uma revisão criminal - termo jurídico para quando se abre novamente um processo no qual já havia existido uma condenação.

Além disso, mesmo que a pessoa esteja com menosaposta ao vivo40 gramas da droga, é possível que o juiz decida, com base no contexto, que a pessoa estava praticando tráfico - se ela tiver outros indícios que estava fazendo uma venda.

Tudo isso pode demorar.

"Como a decisão do STF éaposta ao vivojunho e os dados ainda são do primeiro semestre, ou seja, até julho, ainda não deu tempoaposta ao vivoisso se refletir estatisticamente", afirma Almeida, do IBCCrim.

Além dos crimes previstos na Leiaposta ao vivoDrogas, os outros que mais levam à prisão no Brasil são crimes contra o patrimônio: roubo qualificado (13,9%), roubo simples (7,9%) , furto simples (4,8%) e furto qualificado (4,5%). Juntos, eles correspondem a 31% dos registros.

"A gente tem uma preocupação muito maior com o patrimônio do que com outras situações tão graves ou até mais graves", afirma Hugo Almeida. "Presos por homicídio correspondem a 12%, um número tão baixo porque a quantidadeaposta ao vivohomicídios solucionados é muito baixa."

Segundo Almeida, isso também é reflexoaposta ao vivouma política penal que prioriza as preocupações da classe alta.

"A gente tem um númeroaposta ao vivohomicídios que, embora seja expressivo, não atinge tanto a populaçãoaposta ao vivoclasse alta. Geralmente eles acontecem nas periferias. E os crimes contra o patrimônio acontecem mais nas regiões centrais", diz ele.

"Enquanto isso, o crimes contra a pessoa, contra a vida e a integridade pessoal, acontecem mais na periferia. Então existe uma escolhaaposta ao vivopunir os crimes que atingem mais quem tem maior condição patrimonial do que os que atingem as pessoas mais periféricas."

Trabalho e educação

O fornecimentoaposta ao vivoeducação e a possibilidadeaposta ao vivotrabalhar na prisão são previstos pela legislação brasileira.

Mas somente 18% dos presos hoje têm acesso à educação e somente 23,9% dos presos têm acesso ao trabalho,aposta ao vivoacordo com dados do Ministério da Justiça.

A ampliaçãoaposta ao vivovagasaposta ao vivoestudo e trabalho para os presos é apontada há anos como uma necessidade urgente pelo Conselho Nacionalaposta ao vivoJustiça (CNJ), órgão responsável por fiscalizar o Judiciário.

Em 2020, o CNJ assinou uma cooperação com o Ministério Público do Trabalho e com a Confederação Nacional dos Municípios para dar início ao planoaposta ao vivogeraçãoaposta ao vivotrabalho para pessoas privadasaposta ao vivoliberdade e egressas do sistema prisional.

Desde então, a porcentagemaposta ao vivopresos que trabalham subiuaposta ao vivo13% para 23,9%, mas ainda está muito longe do ideal, diz Gabriel Sampaio.

"Eles são essenciais para a reabilitaçãoaposta ao vivoquem cometeu um delito eaposta ao vivoreintegração na sociedade, mas acimaaposta ao vivodisso, são direitos dos presos", afirma Sampaio.

Outro mecanismo que era previsto como parte da reintegração à sociedade é a saída temporária para presos no regime semiaberto.

Caso cumprissem uma sérieaposta ao vivorequisitos, como boa conduta e ausênciaaposta ao vivosinaisaposta ao vivopericulosidade, eles poderiam sair da prisão cinco vezes ao ano por até sete dias corridos para visitar a família, estudar e participaraposta ao vivoatividadesaposta ao vivoressocialização.

Em 2024, no entanto, o Congresso acabou com essa possibilidade, mantendo a saída somente para estudos.

Um dos argumentos usados pelos deputados foi a possibilidade dos detentosaposta ao vivosaídas cometerem crimes ou não retornarem.

Segundo os dados do sistema prisional, 6% das saídasaposta ao vivopresos resultaramaposta ao vivo"abandono", ou seja,aposta ao vivocasosaposta ao vivoque as pessoas não retornaram à prisão — percentual que se manteve constante desde o início da aplicação da medida.

Superlotação

De acordo com os dados do Ministério da Justiça, há um totalaposta ao vivo488 mil vagas sendo ocupadas por uma população prisionalaposta ao vivo663 mil pessoas, ou seja, uma superlotaçãoaposta ao vivo32%.

Além da faltaaposta ao vivojulgamento e da superlotação, há outras graves violaçõesaposta ao vivodireitos no sistema prisional brasileiro - o próprio STF reconheceu,aposta ao vivodecisão unânimeaposta ao vivooutubroaposta ao vivo2023, que o atual estado do sistema carcerário é "inconstitucional" e que há uma "massiva violaçãoaposta ao vivodireitos fundamentais nos presídios".

O decisão afirma que há uma violação dos direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho.

"É um sistema que não conseguem reintegrar as pessoas à sociedade, como é previsto pela Constituição", afirma Sampaio.

Hugo Almeida afirma que, embora a prisão seja necessária, a simples ampliação do encarceiramento não tem resolvido o problema da criminalidade no Brasil.

Para Gabriel Sampaio, da Conectas, o Brasil prende muito eaposta ao vivoforma desordenada, mas não resolve a criminalidade e a violência.

"A população carcerária gigantesca é um reflexo da escolha por uma política criminal populista e que não traz resultados, é ineficaz", afirma Sampaio.

Cercaaposta ao vivo51% dos delitos que levam ao encarceramento no Brasil são crimes não violentos.

Segundo Sampaio, ampliar alternativas penais para crimes sem violência — e aplicá-las — seria uma das medidas que poderiam contribuir para amenizar a "crise crônicaaposta ao vivoexcessoaposta ao vivoencarceiramento" no Brasil.

Almeida concorda.

"Você pode usar outras medidas cautelares, como tirar o passaporte, proibir o sujeitoaposta ao vivofrequentar determinados lugares, que ele compareça periodicamenteaposta ao vivojuízo", afirma.

Homens negros com uniformes listrados carregam pedaçosaposta ao vivomadeiraaposta ao vivofila

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Legenda da foto, Código penal é historicamente usado no Brasil para criminalizar a população negra, diz Gabriel Sampaio (fotoaposta ao vivo1938 na penitenciáriaaposta ao vivoIlha Grande)